
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006957-48.2015.4.03.6183
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JANETE PRADO CIBOTO
Advogado do(a) APELADO: PAULO AUGUSTO DE LIMA CEZAR - SP166039-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006957-48.2015.4.03.6183
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JANETE PRADO CIBOTO
Advogado do(a) APELADO: PAULO AUGUSTO DE LIMA CEZAR - SP166039-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: Trata-se de ação de REESTABELECIMENTO DE LOAS, cumulada com PEDIDO DE CANCELAMENTO DE COBRANÇA, movida por JANETE PRADO CIBOTO contra o INSS sob fundamento de que sofre de doenças mentais e que houve a cobrança indevida dos valores recebidos de boa-fé pela segurada.
A sentença de primeiro grau (ID 248993274, fls. 103 a 110) JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE julgou parcialmente procedente o pedido, afastando a cobrança dos valores recebidos de boa-fé, mas deixando de reestabelecer o LOAs.
O INSS interpôs recurso de apelação sustentando que: (i) houve concessão indevida do benefício; (ii) é devida a restituição ao Erário, independentemente de boa-fé no seu recebimento; (iii) O caráter alimentar do benefício pago também não justifica a impossibilidade de processamento dos descontos. Prequestionou para fins de interposição de recursos especial e extraordinário.
A parte autora apresentou contrarrazões aduzindo que agiram de boa-fé e que as verbas tiveram natureza alimentar, devendo ser afastada a cobrança dos valores recebidos.
O parquet manifestou-se contrário ao provimento do apelo, diante da boa-fé da parte autora e natureza alimentar dos proventos.
Os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
É O RELATÓRIO.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006957-48.2015.4.03.6183
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JANETE PRADO CIBOTO
Advogado do(a) APELADO: PAULO AUGUSTO DE LIMA CEZAR - SP166039-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame das insurgências propriamente ditas, considerando-se a matéria objeto de devolução.
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
O benefício assistencial em tela encontra previsão no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal e no artigo 20 da Lei 8.742/93.
Consoante regra do art. 203, inciso V, da CF, a assistência social será prestada à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem "não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família".
A Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, veio regulamentar o referido dispositivo constitucional, estabelecendo em seu art. 20 os requisitos para sua concessão, quais sejam, ser pessoa portadora de deficiência ou idosa, bem como ter renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo.
Considera-se pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, aquela que, segundo o disposto no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela lei nº 13.146/2015, "tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". E, ainda, conforme o § 10 do mesmo dispositivo legal: "considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada, para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras, acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, do Decreto nº 6.214/2007. (...) V - Embargos Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011)
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com redação dada pela Lei 14.176/2021, considere como hipossuficiente para consecução deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, fato é que a jurisprudência entende bastante razoável a adoção de ½ (meio) salário-mínimo como parâmetro, eis que os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário-mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios.
Nesse sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567.985/MT (18/04/2013), com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2.303/RS e 2.298/SP), reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, que estabelecia a renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário-mínimo para a concessão de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário-mínimo como referencial econômico.
O parágrafo 11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a miserabilidade do grupo familiar e a situação de vulnerabilidade do requerente podem ser aferidas por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n. 1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV, verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI 00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
Na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
DO CASO CONCRETO
A parte autora visa a declaração de inexigibilidade de débito oriundo da cobrança de concessão de benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, regulamentado pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
A referida lei conferiu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Cidadã ao estabelecer as condições para a concessão do benefício de assistência social, quais sejam: ser o postulante pessoa com deficiência ou idoso, e em ambos os casos, comprovar situação de miserabilidade, de modo a não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232 1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.
O objetivo do Constituinte ao impor a cláusula “não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família” possui único intuito: conferir proteção social àqueles incapazes de garantir a respectiva subsistência.
Segundo consta dos autos, o benefício assistencial (NB: 88/560.289,037-4) foi concedido em 04/10/2006, e posteriormente suspenso pela autarquia em razão de modificação superveniente da composição familiar e da renda do grupo familiar.
Ainda de acordo com o INSS, teriam sido constatados indícios de irregularidade no benefício de prestação continuada que lhe havia sido concedido, no período compreendido entre 31/12/2007 a 31/08/2014, emitindo cobrança no valor de R$ 53.421,44.
Alega a parte autora a prescrição das parcelas anteriores a 30/12/2012, tendo em vista o prazo de 5 anos, previsto no artigo 54 da Lei n. 9.784/99.
Quanto as parcelas não prescritas, defende que diante da natureza alimentar do benefício e da ausência de má-fé em seu recebimento, não cabe o ressarcimento dos valores recebidos a tal título.
Inicialmente, verifico que, de fato, ocorreu a prescrição das parcelas anteriores ao quinquênio da data do procedimento administrativo de revisão do benefício de prestação continuada, em 19/03/2014, nos termos do Decreto n. 20.910/1932, relativa às cobranças das dívidas da Fazenda Pública.
Passo à análise da possibilidade de devolução dos demais valores.
Destaco, primeiramente, que a E. Primeira Seção do C. STJ, ao apreciar o tema repetitivo de n. 979, em que se submeteu a julgamento a questão acerca da “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social”, firmou a seguinte tese jurídica: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
Depreende-se, em breve resumo, que o mencionado precedente firmou as seguintes molduras para solução da temática:
1) o pagamento indevido decorrente de má aplicação ou de interpretação errônea da lei não são passíveis de devolução pelo segurado;
2) os valores recebidos indevidamente em razão de erro material ou operacional da Administração são passíveis de devolução, salvo comprovação da boa-fé do segurado;
3) a comprovação da boa-fé será exigida para as ações ajuizadas a partir de 23/04/2021 (publicação do acórdão paradigma);
4) a repetição, quando admitida, permite o desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.
A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de acordo com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a segurança jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima.
Sobre a boa-fé objetiva, pode-se definir nas palavras da Exma. Ministra Nancy Andrighi (RE 803.481/GO), como sendo “uma exigência de lealdade, impondo que cada parte se comporte de forma honesta, escorreita e leal, em conformidade com um padrão ético de confiança, a fim de permitir a concretização das legítimas expectativas que justificaram a celebração do acordo de vontades. O ordenamento jurídico, nesse contexto, repele a prática de condutas contraditórias, impregnadas ou não de malícia ou torpeza, que importem em quebra da confiança legitimamente depositada na outra parte da relação contratual”.
Nesse sentido, relembro que um dos princípios basilares do Direito Civil diz respeito a presunção da boa-fé, devendo a má-fé ser provada por quem alega.
No caso, tendo sido constatado pelo INSS, em procedimento realizado com o objetivo de verificar a continuidade das condições que deram origem ao benefício assistencial, que não houve irregularidade no preenchimento dos requisitos estabelecidos para incapacidade na vida e no trabalho, não se verifica nenhuma ilegalidade na cessação do benefício.
Com efeito, acerca dos valores recebidos a título de benefício assistencial, trata-se de verba alimentar utilizada para sustento e sobrevivência imediata do beneficiário.
Observo que não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto pagamento indevido do benefício, o que pressupõe a sua boa-fé objetiva no recebimento de valores.
Ausente a má-fé, presume-se a boa-fé da parte autora e, tendo em vista o caráter alimentar do amparo social, entendo inexigível a devolução dos valores já pagos.
De outra parte, à autarquia impõe-se o poder-dever de fiscalização e controle na concessão e pagamento dos benefícios, dispondo de recursos visando constatar eventuais irregularidades que causem prejuízo ao Erário Público.
Nota-se ainda que o INSS não efetuou a reavaliação da continuidade das condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, exigência prevista nos termos do art. 21 da Lei 8.742/1993 e do art. 42 do Dec. 6.214, fugindo à razoabilidade a tentativa de cobrar da parte autora vultuosa quantia que se acumulou durante o extenso lapso temporal em que a autarquia permaneceu inerte.
Vê-se, pois, que a narrativa fática dos autos conduz ao entendimento de não se tratar, no caso em tela, de “situação em que o homem médio consegue constatar a existência de erro”, a autorizar, nos termos delineados pelo C. STJ, a devolução dos valores ao erário.
Nesse sentido, o entendimento deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PAGO INDEVIDAMENTE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. INEXEGIBILIDADE DA RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO. 1.Não há que se falar na incompetência da Justiça Estadual para apreciar a questão relativa à necessidade de devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, em virtude da competência federal delegada prevista no Art. 109, § 3º, da Constituição Federal. 2. Restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos (MS 26085, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno; RE 587371, Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno; RE 638115, RE 638115, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno). 3. Pelo princípio da autotutela, a Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial (Súmula nº 473/STF). 4. Uma vez descontado pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores, compelindo a Administração a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do benefício não abarca as prestações já descontadas e que não eram devidas. 5. Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições contidas nos §§ 2º, 3º, I, e 4º, do Art. 85, e no Art. 86, do CPC. 6. Apelação provida em parte. (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 6088312-34.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, julgado em 28/9/2021, DJEN DATA: 6/10/2021)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXIGIBILIDADE. BOA-FÉ OBJETIVA.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Na hipótese dos autos, a parte autora não demonstrou o preenchimento de requisito essencial à concessão do benefício assistencial.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).
- A Autarquia Federal não efetuou a reavaliação da continuidade das condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, nos termos do art. 21 da Lei de Assistência e art. 42 do Decreto nº 6.214, fugindo à razoabilidade a tentativa de cobrar da Autora o pagamento de quantia que alcançou monta tão vultosa, em consequência do extenso lapso temporal em que a mesma auferiu o referido benefício em suposto desacordo com a norma legal.
- Não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto equívoco administrativo na concessão do benefício, o que afasta a existência de má-fé. - Ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da Autora e, em vista do caráter alimentar do amparo social, inexigível a devolução dos valores já pagos. - Na hipótese dos autos, incabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, por se tratar de pessoas jurídicas de direito público integrantes da mesma fazenda, a teor da Súmula nº 421 do Superior Tribunal de Justiça. - Tendo em vista que as partes envolvidas integram o âmbito do mesmo ente federativo e, de acordo com o entendimento jurisprudencial consolidado, torna-se inviável a condenação às verbas de sucumbência. Apelação provida em parte. (ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP 5003254-09.2022.4.03.6141, 9a Turma, 28/09/2023, Desembargador Federal GILBERTO JORDAN).
Sendo assim, entendo inexigível a cobrança do débito pelo INSS, nos termos da r. sentença.
Assim, desprovido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação, nos termos da fundamentação.
É o voto.
/gabcm/lelisboa/
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXIGIBILIDADE. BOA-FÉ OBJETIVA.
-O benefício de prestação continuada é devido à pessoa com deficiência ou idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família
- Conclui-se dos autos que não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto pagamento indevido do benefício, o que pressupõe a sua boa-fé objetiva no recebimento de valores.
- Ausente a má-fé, presume-se a boa-fé da parte autora e, tendo em vista o caráter alimentar do amparo social, entendo inexigível a devolução dos valores já pagos.
- Em casos tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida a boa-fé da pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o ressarcimento ao erário.
- De outra parte, à autarquia impõe-se o dever de fiscalização e controle na concessão e pagamento dos benefícios, dispondo de recursos visando constatar eventuais irregularidades que causem prejuízo ao Erário Público.
- O INSS não realizou a reavaliação da continuidade das condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, exigência prevista nos termos do art. 21 da Lei 8.742/1993 e do art. 42 do Dec. 6.214, fugindo à razoabilidade a tentativa de cobrar da parte autora vultuosa quantia que se acumulou durante o extenso lapso temporal em que a autarquia permaneceu inerte.
- A narrativa fática dos autos conduz ao entendimento de não se tratar, no caso em tela, de “situação em que o homem médio consegue constatar a existência de erro”, a autorizar, nos termos delineados pelo C. STJ, a devolução dos valores ao erário.
- Nesse sentido, incabível a cobrança de verba alimentar recebida de boa-fé.
- Apelação do INSS não provida.
