
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5313459-61.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HELOISA ARAUJO
Advogado do(a) APELADO: MARIANA ERJAUTZ BORGES - SP303292-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5313459-61.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HELOISA ARAUJO
Advogado do(a) APELADO: MARIANA ERJAUTZ BORGES - SP303292-N
R E L A T Ó R I O
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp 1355052 /SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015)
Feitas essas considerações, passo à análise do conjunto probatório formado nestes autos.
DO CASO DOS AUTOS
Ante a ausência de impugnação, no apelo do INSS, acerca da deficiência da Autora, deixo de avaliar o seu preenchimento e passo a analisar o requisito concernente à miserabilidade.
A falta de condições da requerente de prover o seu sustento, ou tê-lo provido pela família, restou demonstrada.
O estudo social (id 140621020), de 03.04.2019, informou que a requerente vivia com seu cônjuge e uma filha, em casa “alugada, a qualidade construtiva é bastante precária, de alvenaria, provida de saneamento básico, moradia simples, composta por 01 dormitório, 01 banheiro, 01 sala/cozinha... possuem TV, geladeira
,
fogão e tanquinho... não possuem veículo automotor”.A renda familiar era proveniente do salário de R$ 1.500,00 auferido pelo cônjuge da Autora.
A família alegava a existência de diversas despesas, dentre as quais de R$ 450,00 com aluguel (cujo contrato está acostado aos autos – id 140620998).
Destarte, quando do estudo social, composto o núcleo familiar por três integrantes, contando com a renda de R$ 1.500,00, subtraída a despesa de R$ 450,00 com aluguel, verifico a existência de uma renda per capita inferior à metade do salário-mínimo vigente à época (R$ 998,00), estando a parte autora submetida a risco social.
Noticiada a mudança de endereço da parte autora para imóvel localizado nos fundos da casa de seus genitores (petição de 30.09.2019), diante da impossibilidade de arcar com a despesa com aluguel, foi realizado auto de constatação (id 140621086), em 17.12.2019, que informou que a Autora, juntamente com seu cônjuge e filha, passaram a morar em “imóvel bem simples de três cômodos (cozinha, quarto e banheiro) nos fundos da residência de seus pais, que também são bastante humildes, sendo o imóvel financiado”.
Do extrato do CNIS juntado aos autos (id 143194476), observo que após a mudança para a casa dos genitores da requerente ocorrida em dezembro de 2019, o cônjuge da mesma laborou somente até fevereiro de 2020 (com salários de 1.267,18 em janeiro e de R$ 1.415,93 em fevereiro), quando então passou a não mais auferir renda alguma.
Portanto, o período compreendido entre a mudança de endereço do núcleo familiar, em dezembro de 2019 (quando cessada a despesa com aluguel), e o término do vínculo empregatício do cônjuge da Autora, em fevereiro de 2020, consistindo em aproximadamente dois meses sem a despesa com aluguel, constitui período muito exíguo, restando insuficiente para afastar a condição de miserabilidade demonstrada.
Assim sendo, a condição de miserabilidade permaneceu inalterada mesmo após a cessação da despesa com aluguel, inexistindo qualquer renda atual para sustendo do núcleo familiar.
Nestes termos, diante do conteúdo probatório dos autos, entendo que restou demonstrada a situação de miserabilidade, sendo de rigor a procedência do pedido inicial, nos termos da r. sentença.
Ressalto que o benefício assistencial deve ser revisto a cada 2 (dois) anos, para a avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, nos termos do art. 21 da Lei de Assistência e art. 42 do Decreto nº 6.214/07.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, observando-se os honorários advocatícios, na forma acima fundamentada.
É o voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Juíza Federal Convocada Vanessa Mello: O Desembargador Federal Gilberto Jordan em seu fundamentado voto negou provimento à apelação o INSS, mantendo a procedência do pedido, condenando o INSS a conceder o benefício pleiteado à Autora, a partir do requerimento administrativo.
Presentes os requisitos ensejadores ao benefício, ouso, porém, com a máxima vênia, apresentar divergência parcial, apenas e tão somente quanto ao termo inicial do benefício.
O CNIS juntado aos autos (id 143194476), informa que o cônjuge da parte autora laborou somente até fevereiro de 2020, quando então passou a não mais auferir renda alguma, devendo, assim, ante a renda zero, ser fixado o termo inicial do benefício a partir de 01/03/2020.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS, para fixar o termo inicial do benefício a partir de 01/03/2020.
No mais, acompanho o voto do Relator.
É como voto.
VANESSA MELLO
Juíza Federal Convocada
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Na hipótese dos autos, a parte autora demonstrou o preenchimento do requisito da miserabilidade.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do réu desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator, que foi acompanhado pela Juíza Federal Convocada Leila Paiva e pelo Desembargador Federal Batista Gonçalves (4º voto). Vencida a Juíza Federal Convocada Vanessa Mello, que dava parcial provimento à apelação do INSS. Julgamento nos termos do disposto no art. 942, caput e § 1º, do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
