Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000395-57.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
28/10/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 05/11/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E
12.435/2011. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL. CESSAÇÃO.
CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove
não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Demonstrada a miserabilidade quando o núcleo familiar da Autora, composto por ela, sua avó,
um tio e uma prima, sobrevivia exclusivamente da renda de um salário-mínimo.
- Entretanto, após fevereiro de 2020, sobrevindo a atividade laborativa realizada pelo tio da
Autora, não há risco social, pois analisando a situação socioeconômico demonstrada (renda,
moradia, bens que a guarnecem e condições da localidade), não se justifica a manutenção do
benefício a partir de então.
- A Autora faz jus à percepção do benefício assistencial, entretanto, este deverá perdurar até
janeiro de 2020, visto que a partir de fevereiro do mesmo ano, não há demonstração de
miserabilidade.
- Termo inicial do benefício fixado na data do primeiro estudo social realizado nos autos, ou seja,
em 02.03.2017.
- A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do réu provida em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000395-57.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
REPRESENTANTE: NATALIA DE SOUZA HONORIO
APELADO: V. A. D. S. H.
Advogado do(a) APELADO: RICARDO ALEXANDRE COTRIM DE REZENDE - MS16969-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000395-57.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
REPRESENTANTE: NATALIA DE SOUZA HONORIO
APELADO: V. A. D. S. H.
Advogado do(a) APELADO: RICARDO ALEXANDRE COTRIM DE REZENDE - MS16969-A,
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da
Constituição Federal.
A r. sentença (id 123770269 - Pág. 68/74) julgou procedente o pedido e condenou o INSS a
conceder o benefício pleiteado à parte autora, a partir do requerimento administrativo
(20.03.2013), acrescido de correção monetária pelo IPCA-E, juros moratórios segundo a
remuneração da caderneta de poupança e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o
valor das prestações vencidas (Súmula 111 do STJ), referindo que “o INSS não tem isenção de
custas e emolumentos nas ações acidentárias e de benefícios propostas na Justiça Estadual”.
Em razões recursais (id 123770270 - Pág. 4/22) requer o INSS a reforma da r. sentença, com a
improcedência do pedido inicial, ao argumento de não padecer a Autora de miserabilidade.
No caso de manutenção da concessão do benefício, requer a modificação do termo inicial para
a data da juntada do laudo médico aos autos, a redução dos honorários advocatícios para 5%
sobre o valor da causa, a alteração do critério de fixação da correção monetária e o
afastamento da condenação em custas processuais.
Com contrarrazões.
Subiram a esta instância.
Parecer do Ministério Público Federal (id 125526182) requerendo a complementação do estudo
social e, após cumprida a diligência, ofertou manifestação no sentido do provimento do apelo
autárquico (id 174934152).
É o sucinto relato.
vn
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000395-57.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
REPRESENTANTE: NATALIA DE SOUZA HONORIO
APELADO: V. A. D. S. H.
Advogado do(a) APELADO: RICARDO ALEXANDRE COTRIM DE REZENDE - MS16969-A,
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido
normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-
se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a
nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade
individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre
que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem
social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa
e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados
formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa
humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração
da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas
como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social e o art. 203, IV, que instituiu o benefício do amparo social.
A Lei nº 6.179/74 instituiu, em nosso ordenamento jurídico, a renda mensal vitalícia, passando a
ser amparados pela Previdência Social os maiores de 70 anos e os inválidos, definitivamente
incapacitados para o trabalho, desde que não exercessem atividades remuneradas ou não
auferissem rendimentos. O valor do benefício correspondia à metade do maior salário-mínimo
vigente no país, arredondada para a unidade de cruzeiro imediatamente superior, não podendo
ultrapassar 60% do valor do salário-mínimo do local de pagamento.
Com a promulgação da Carta Magna, em 05 de outubro de 1988, o valor do benefício foi
aumentado para 1 (um) salário-mínimo, pelo art. 203, inciso V:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada,
dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos.
O art. 139 da Lei n.º 8.213/91 dispunha que a renda mensal vitalícia continuaria integrando o
elenco de benefícios da Previdência Social, até que o artigo constitucional fosse
regulamentado.
A Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, deu eficácia ao inciso V do art. 203 da Constituição
Federal e extinguiu a renda mensal vitalícia em seu art. 40, resguardando, entretanto, o direito
daqueles que o requeressem até o dia 31 de dezembro de 1995, desde que preenchidos os
requisitos previstos na Lei Previdenciária.
A Lei de Assistência foi regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei assistencial e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos
para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso,
com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e
nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir
de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos,
através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da
edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa portadora de
deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família.
Pessoa portadora de deficiência é a incapacitada para a vida independente e para o trabalho,
em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena
e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na redação dada
pela Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade para a vida independente, por sua vez, não há que ser entendida como aquela
que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o
auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento sem o amparo
de alguém.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do
Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção
do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, de acordo com a Medida Provisória nº 1.473-34,
de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, definiu-se o conceito de família como o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/2011, fora estabelecido, expressamente para os
fins do art. 20, caput, da Lei assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo, anoto
que fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, pelo Procurador-Geral
da República, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a
constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Os debates, entretanto, não cessaram, por ser tormentosa a questão e envolver princípios
fundamentais contidos na Carta da República, situação que culminou, inclusive, com o
reconhecimento, pelo mesmo STF, da ocorrência de repercussão geral.
A Suprema Corte acabou por declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal,
inclusive por considerar defasada essa forma meramente aritmética de se apreciar a situação
de miserabilidade dos idosos ou deficientes que visam a concessão do benefício assistencial
(Plenário, RCL 4374, j. 18.04.2013, DJE de 04/09/2013).
No entanto, é preciso que se tenha a possibilidade de ao menos entrever, a partir da renda
informada, eventual quadro de pobreza em função da situação específica de quem pleiteia o
benefício, até que o Poder Legislativo estabeleça novas regras.
Para tanto, faz-se necessário o revolvimento de todo o conjunto probatório, através do qual se
possa aferir eventual miserabilidade. E assim o é diante do princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, já mencionado no início desta decisão, com vistas à garantia de suas
necessidades básicas de subsistência, o que leva o julgador a interpretar a normação legal de
sorte a conceder proteção social ao cidadão economicamente vulnerável, tal como assentado
no REsp 1112557 julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73.
Confira-se:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para
o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Por outro lado, observo que a Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, passou a considerar
como de "baixa renda" a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos, ainda que para os fins
específicos de custeio ali limitado. Na mesma trilha, as Leis que criaram o Bolsa Família
(10.836/04), Programa Nacional de Acesso à Alimentação (10.689/03) e o Bolsa Escola
(10.219/01) estabeleceram parâmetros mais coerentes de renda familiar mínima quanto em
cotejo com aquele estabelecido de ¼ do salário mínimo, agora declarado inconstitucional.
Por fim, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 580.963/PR (DJe 14.11.2013),
assentou a inconstitucionalidade por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do
Idoso, considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores
de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social
em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário
mínimo." Assim, entendo que deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor
decorrente de benefício de valor mínimo recebido por idoso ou inválido, pertencente ao núcleo
familiar.
Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1355052, submetido
ao regimento do art. 543-C do CPC, assentou que não se computa o valor de um salário
mínimo percebido por idoso a título de beneficio assistencial ou previdenciário para aferição de
hipossuficiência de núcleo familiar.
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO,
NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no
valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do
benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do
Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código
de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp 1355052 /SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
25/02/2015, DJe 05/11/2015)
Feitas essas considerações, passo à análise do conjunto probatório formado nestes autos.
DO CASO DOS AUTOS
Ante a ausência de impugnação, no apelo do INSS, acerca da deficiência da Autora, deixo de
avaliar o seu preenchimento e passo a analisar o requisito concernente à miserabilidade.
Narra a Autora em sua inicial (datada em 23.07.2014) que seu núcleo familiar era composto
pelos seus genitores e uma irmã (ação distribuída em 05.08.2014). Informação reiterada
quando da apresentação de réplica à contestação, datada de 04.02.2015.
Realizado o estudo social em 02.03.2017, foi informado que a Autora vive com a avó materna,
em endereço diverso do declarado na petição inicial, desde 2013 (ou seja, anteriormente à
propositura da presente demanda).
Sentenciado o feito, o INSS apelou e, em contrarrazões (de 25.07.2019), a parte autora
declarou que “atualmente vive com sua avó” materna e que, conforme informado pela sua mãe
à assistente social, “isso se deveu: a várias cirurgias, que depende da ajuda de terceiros, que
devido a problemas de cuidados contínuos e devido ter outros filhos pequenos”. Também
consta da referida petição que seus genitores residem em casa “cedida junto com a avó
paterna”, atualmente possuindo mais dois filhos.
Com a vinda dos autos a esta Corte, o Ministério Público Federal ofertou parecer requerendo a
realização de novo estudo social.
Acolhido o parecer, foi determinado o cumprimento da diligência.
Tornaram os autos a esta instância com a apresentação de novo estudo social, realizado em
28.06.2021, informando que a Autora vive com sua avó materna, um tio e uma prima, em
“moradia própria, financiada... possui os serviços públicos como: Educação, Assistência Social,
Policiamento, água encanada, Luz elétrica, Hospital, Transporte Público... estilo popular,
edificada em alvenaria, rebocada, pintura envelhecida, piso cerâmico, telha estilo romana, sem
forro; cercada por muros; possuindo três peças: dois quartos, sala e cozinha conjugada;
guarnecido de móveis e eletrodomésticos essenciais: uma geladeira, 01 fogão, seis bocas, 01
TV pequena, 01 armário de aço, 01 poltrona, camas e roupeiro... móveis e eletrodomésticos,
usados, em estado de boa conservação”.
A renda familiar advém de uma pensão auferida pela avó da Autora (nascida em 04.09.1965) no
valor de um salário-mínimo, somada ao salário do tio da requerente de R$ 2.269,00.
Destarte, à época do segundo estudo social (28.06.2021), composto o núcleo familiar por quatro
integrantes, a renda familiar per capita supera o valor de R$ 840,00.
Contudo, em consulta ao sistema CNIS da Dataprev, verifico que o tio da Autora passou a
ostentar vínculos empregatícios somente a partir de fevereiro de 2020 (à época de R$
1.754,07).
Assim, a despeito da verificação da miserabilidade não se prender à mera fórmula aritmética,
em vista da descrição das condições socioeconômicas pela assistente social, vislumbro
demonstrada a miserabilidade quando o núcleo familiar da Autora, composto por ela, sua avó,
um tio e uma prima, sobrevivia exclusivamente da renda de um salário-mínimo.
Entretanto, após fevereiro de 2020, sobrevindo a atividade laborativa remunerada realizada pelo
tio da Autora, não entrevejo a possibilidade de considerar a requerente como submetida a risco
social, pois analisando a situação socioeconômico demonstrada (renda, moradia, bens que a
guarnecem e condições da localidade), não se justifica a manutenção do benefício a partir de
então.
Assim sendo, diante do conteúdo probatório dos autos, entendo que a Autora faz jus à
percepção do benefício assistencial, entretanto, este deverá perdurar até janeiro de 2020, visto
que a partir de fevereiro do mesmo ano, não há demonstração de miserabilidade.
TERMO INICIAL
Diante do histórico acima relatado, verifico que há constantes alterações no núcleo familiar da
requerente, inclusive com modificação de endereço, havendo informações divergentes após o
requerimento administrativo de 20.03.2013, declaradas quando da propositura da ação
(23.07.2014), reiteradas na réplica à contestação (de 04.02.2015), alteradas quando do primeiro
estudo social (de 02.03.2017) e com novas informações trazidas nas contrarrazões de apelação
(inclusive acerca da avó paterna da Autora conviver com os seus genitores).
Portanto, não há dados nos autos que demonstrem a existência de miserabilidade no momento
do requerimento administrativo de 20.03.2013 ou de sua eventual persistência até a realização
do primeiro estudo social.
Assim sendo, fixo o termo inicial do benefício na data do primeiro estudo social realizado nos
autos, ou seja, em 02.03.2017.
CORREÇÃO MONETÁRIA
A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas
até a sentença de procedência.
CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS
A teor do disposto no art. 4º, I, da Lei Federal nº 9.289/96, as Autarquias são isentas do
pagamento de custas na Justiça Federal.
De outro lado, o art. 1º, §1º, deste diploma legal, delega à legislação estadual normatizar sobre
a respectiva cobrança nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual no exercício da
competência delegada.
Assim, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza
previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal e naquelas aforadas na Justiça do Estado de
São Paulo, por força da Lei Estadual/SP nº 11.608/03 (art. 6º).
Contudo, a legislação do Estado de Mato Grosso do Sul que dispunha sobre a isenção referida
(Leis nº 1.135/91 e 1.936/98) fora revogada a partir da edição da Lei nº 3.779/09 (art. 24, §§1º e
2º), razão pela qual é de se atribuir ao INSS o ônus do pagamento das custas processuais nos
feitos que tramitam naquela unidade da Federação.
De qualquer sorte, é de se ressaltar, que o recolhimento somente deve ser exigido ao final da
demanda, se sucumbente.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS para ajustar a correção monetária,
fixar o termo inicial do benefício na data do estudo social realizado em 02.03.2017 e determinar
a sua cessação a partir de fevereiro de 2020, observando-se os honorários advocatícios, na
forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E
12.435/2011. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL. CESSAÇÃO.
CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que
comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua
família.
- Demonstrada a miserabilidade quando o núcleo familiar da Autora, composto por ela, sua avó,
um tio e uma prima, sobrevivia exclusivamente da renda de um salário-mínimo.
- Entretanto, após fevereiro de 2020, sobrevindo a atividade laborativa realizada pelo tio da
Autora, não há risco social, pois analisando a situação socioeconômico demonstrada (renda,
moradia, bens que a guarnecem e condições da localidade), não se justifica a manutenção do
benefício a partir de então.
- A Autora faz jus à percepção do benefício assistencial, entretanto, este deverá perdurar até
janeiro de 2020, visto que a partir de fevereiro do mesmo ano, não há demonstração de
miserabilidade.
- Termo inicial do benefício fixado na data do primeiro estudo social realizado nos autos, ou
seja, em 02.03.2017.
- A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do réu provida em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA