Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5610493-86.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
17/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 22/10/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E
12.435/2011. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove
não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- No caso dos autos, não foi comprovada a miserabilidade.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, suspensa sua exigibilidade, por ser
a parte autora beneficiária da justiça gratuita, nos termos do §3º do art. 98 do CPC.
- Apelação do réu provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5610493-86.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA FATIMA DE SOUZA
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Advogado do(a) APELADO: RAYNER DA SILVA FERREIRA - SP201981-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5610493-86.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA FATIMA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: RAYNER DA SILVA FERREIRA - SP201981-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da
Constituição Federal.
A sentença (id58912291) julgou procedente o pedido e condenou o INSS a conceder o benefício
pleiteado, desde a data do requerimento administrativo, acrescido dos consectários que
especifica. Por fim, deferiu a tutela de urgência.
Em razões recursais (id58912299), requer o INSS a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e
a submissão da sentença ao reexame necessário. No mérito, pugna pela reforma da sentença ao
argumento de que não foram comprovados os requisitos para concessão do benefício. Insurge-se
contra o termo inicial do benefício, ao argumento de que não deve haver cumulação no
recebimento de benefícios. Insurge-se, ainda, contra os critérios de fixação de honorários
advocatícios. Requer a observância da prescrição quinquenal. Suscita prequestionamento.
Subiram a esta Corte.
Parecer do Ministério Público Federal (id89917565), no sentido do parcial provimento do recurso,
no tocante ao conhecimento da remessa oficial.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5610493-86.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA FATIMA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: RAYNER DA SILVA FERREIRA - SP201981-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade
recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
Necessário se faz salientar que, de acordo com o artigo 496, § 3º, inciso I, do Código de
Processo Civil/2015, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-
mínimos.
Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, artigo 496 do NCPC, razão pela qual não se
verifica ser o caso de reexame necessário.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-
constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido
da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de
direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual,
ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem
econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a
realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo
para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como
indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da
Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social
e o art. 203, IV, que instituiu o benefício do amparo social.
A Lei nº 6.179/74 instituiu, em nosso ordenamento jurídico, a renda mensal vitalícia, passando a
ser amparados pela Previdência Social os maiores de 70 anos e os inválidos, definitivamente
incapacitados para o trabalho, desde que não exercessem atividades remuneradas ou não
auferissem rendimentos. O valor do benefício correspondia à metade do maior salário-mínimo
vigente no país, arredondada para a unidade de cruzeiro imediatamente superior, não podendo
ultrapassar 60% do valor do salário-mínimo do local de pagamento.
Com a promulgação da Carta Magna, em 05 de outubro de 1988, o valor do benefício foi
aumentado para 1 (um) salário-mínimo, pelo art. 203, inciso V:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia
da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos.
O art. 139 da Lei n.º 8.213/91 dispunha que a renda mensal vitalícia continuaria integrando o
elenco de benefícios da Previdência Social, até que o artigo constitucional fosse regulamentado.
A Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, deu eficácia ao inciso V do art. 203 da Constituição
Federal e extinguiu a renda mensal vitalícia em seu art. 40, resguardando, entretanto, o direito
daqueles que o requeressem até o dia 31 de dezembro de 1995, desde que preenchidos os
requisitos previstos na Lei Previdenciária.
A Lei de Assistência foi regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos
para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso,
com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem
tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º
de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art.
34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº
12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa portadora de
deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família.
Pessoa portadora de deficiência é a incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em
decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na redação dada pela Lei nº
12.470, de 31 de agosto de 2011.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo
de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade para a vida independente, por sua vez, não há que ser entendida como aquela
que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o
auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento sem o amparo
de alguém.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro
Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do
benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, de acordo com a Medida Provisória nº 1.473-34,
de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, definiu-se o conceito de família como o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/2011, fora estabelecido, expressamente para os fins
do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art.
20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo, anoto
que fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, pelo Procurador-Geral da
República, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a
constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Os debates, entretanto, não cessaram, por ser tormentosa a questão e envolver princípios
fundamentais contidos na Carta da República, situação que culminou, inclusive, com o
reconhecimento, pelo mesmo STF, da ocorrência de repercussão geral.
A Suprema Corte acabou por declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal,
inclusive por considerar defasada essa forma meramente aritmética de se apreciar a situação de
miserabilidade dos idosos ou deficientes que visam a concessão do benefício assistencial
(Plenário, RCL 4374, j. 18.04.2013, DJE de 04/09/2013).
No entanto, é preciso que se tenha a possibilidade de ao menos entrever, a partir da renda
informada, eventual quadro de pobreza em função da situação específica de quem pleiteia o
benefício, até que o Poder Legislativo estabeleça novas regras.
Para tanto, faz-se necessário o revolvimento de todo o conjunto probatório, através do qual se
possa aferir eventual miserabilidade. E assim o é diante do princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, já mencionado no início desta decisão, com vistas à garantia de suas
necessidades básicas de subsistência, o que leva o julgador a interpretar a normação legal de
sorte a conceder proteção social ao cidadão economicamente vulnerável, tal como assentado no
REsp 1112557 julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73.
Confira-se:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Por outro lado, observo que a Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, passou a considerar como
de "baixa renda" a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos, ainda que para os fins específicos de
custeio ali limitado. Na mesma trilha, as Leis que criaram o Bolsa Família (10.836/04), Programa
Nacional de Acesso à Alimentação (10.689/03) e o Bolsa Escola (10.219/01) estabeleceram
parâmetros mais coerentes de renda familiar mínima quanto em cotejo com aquele estabelecido
de ¼ do salário mínimo, agora declarado inconstitucional.
Por fim, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 580.963/PR (DJe 14.11.2013),
assentou a inconstitucionalidade por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso,
considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em
relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo."
Assim, entendo que deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor decorrente de
benefício de valor mínimo recebido por idoso ou inválido, pertencente ao núcleo familiar.
Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1355052, submetido ao
regimento do art. 543-C do CPC, assentou que não se computa o valor de um salário mínimo
percebido por idoso a título de beneficio assistencial ou previdenciário para aferição de
hipossuficiência de núcleo familiar.
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp 1355052 /SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
25/02/2015, DJe 05/11/2015)
Feitas essas considerações, passo à análise do conjunto probatório formado nestes autos.
2- DO CASO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo pericial (id58911675) atesta ser a autora portadora de perda auditiva
e diminuição da mobilidade, que “impede a plena e efetiva participação na sociedade em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.
O perito médico concluiu que a requerente está total e permanentemente incapacitada para o
trabalho, pois incapaz de realizar trabalho pesado.
Os exames médicos apresentados durante a perícia informaram que a requerente apresenta
calcificação do anel aórtico e da valva aórtica com insuficiência mitral de grau discreto e fração de
ejeção de 66%, bem como que apresenta perda auditiva de grau moderado no ouvido direito e de
grau severo no esquerdo.
A autora conta com 64 anos de idade (nascida em 04/12/1954) e tem experiência laboral anterior
como arrumadeira em hotel e empregada doméstica.
Desta forma, entendo comprovada a deficiência, a teor dos §§2º e 10 do art. 20 da Lei 8.742/93.
No entanto, a ausência de condições de prover o seu sustento ou tê-lo provido pela família não foi
comprovada. O estudo social de 4 de julho de 2018 (id58911674) informa que a requerente reside
com irmã e sobrinha, no imóvel pertencente à irmã, composto de dois quartos, sala, cozinha e
dois banheiros.
O imóvel é construído em alvenaria, com piso e forro em todos os cômodos. As fotografias do
imóvel, constantes do estudo social, demonstram que a residência está em boas condições e
suficientemente mobiliada.
A renda familiar deriva do benefício de pensão por morte recebido pela irmã, no valor de um
salário mínimo, e do trabalho assalariado da sobrinha, recebendo também um salário mínimo.
O estudo social informa gastos com medicamentos (R$100,00), sendo os gastos mensais
declarados de R$1.051,38.
A requerente relatou que o ex-marido e os filhos não a auxiliam economicamente.
Do conjunto probatório dos autos, entendo não demonstrada a atual miserabilidade, uma vez que
a requerente vem sendo amparada pela família, sendo de rigor a rejeição do pedido inicial.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 10% do valor da
causa, suspensa sua exigibilidade, por ser beneficiária da justiça gratuita, nos termos do §3º do
art. 98 do CPC.
Prejudicado, por conseguinte, o prequestionamento formulado em apelo.
3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou provimento à apelação do réu, para reformar a sentença e julgar
improcedente o pedido, na forma acima fundamentada. Revogo a tutela antecipada. Comunique-
se ao INSS.
É o voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS: Cuida-se de declarar o voto proferido no
julgamento da apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido de
concessão de benefício assistencial, desde a data do requerimento administrativo.
Na sessão de julgamento de 16.10.2019, o senhor Relator deu provimento à apelação para
reformar a sentença e julgar improcedente o pedido, cassando a antecipação da tutela.
Divergente o voto desta Magistrada, que deu parcial provimento à apelação do INSS, mantendo a
antecipação da tutela.
Passo a declarar o voto divergente.
O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios
norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza
no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF,
garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.
A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art.
203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser
pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente
reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu
próprio sustento ou tê-lo provido pela família.
O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65
anos - art. 34.
O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de
06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65
(sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 2º do art. 20 passou
a dispor:
§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼
do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº
1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.
A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a
adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da
necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º
do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a
família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de
penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando
outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova
poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na
situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
Nesse sentido o entendimento do STJ - REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j.
04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190:
"A Lei 8742/93, Art. 20, § 3º, quis apenas definir que a renda familiar inferior a ¼ do salário-
mínimo é, objetivamente considerada, insuficiente para a subsistência do idoso ou portador de
deficiência; tal regra não afasta, no caso em concreto, outros meios de prova da condição de
miserabilidade da família do necessitado".
A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que
reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT,
Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em
03.10.2013:
"... O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a
constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios
objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei
8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia
quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004,
que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário
a que se nega provimento" (destaquei).
A fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e
justiça sociais que o art. 193 da Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social.
A estipulação de que o salário mínimo é uma garantia do trabalhador e do inativo para fins de
garantir sua manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com
dignidade, representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser
garantido, inclusive aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da
Constituição.
Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de
concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para
dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com
deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de
dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.
A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência
Social, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o
intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria
que a lei quer remediar.
Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do
benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art.
194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar
as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de
beneficiários e o orçamento de que dispõe.
A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao
princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da
isonomia.
A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante
do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que
substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de
miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salario mínimo vigente,
para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real
necessidade de concessão do benefício.
O laudo médico-pericial feito em 25.07.2018 (ID-58911675) atesta que a autora é portadora de
perda auditiva e diminuição da mobilidade, que “impede a plena e efetiva participação na
sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”; e conclui que a autora está
de forma total e permanente incapacitada para a prática de atividade laborativa, uma vez que está
incapaz de realizar trabalho pesado.
O que define a deficiência é a presença de "impedimentos de longo prazo, de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas" (art. 20, § 2º, da LOAS).
Dessa forma, a situação apontada pelo perito se ajusta ao conceito de pessoa com deficiência
previsto no art. 20, § 2º, I e II.
O estudo social feito em 04.07.2018 (ID-58911674) informa que a autora reside com a irmã,
Tereza de Souza Rodrigues, de 58 anos, e a sobrinha, Thainara Carolina Rodrigues dos Santos,
de 17, filha de outra irmã da autora, Catarina Angélica Souza Rodrigues, em casa que pertence à
irmã Tereza, contendo quatro cômodos, sendo dois quartos, sala, cozinha e banheiros. Os
móveis que guarnecem “são antigos, mas estão em bom estado de conservação. Os móveis são
ganhados de amigos e parentes, como sofá, rack, cama, guarda-roupas, armário e mesa. O
armário (de segunda mão) e a geladeira a irmã da autora comprou, são bem antigos. Refere que
o quarto da sobrinha foi ela mesma que comprou tudo por estar trabalhando na loja”. As
despesas são: alimentação R$ 500,00; água R$ 148,00; gás R$ 70,00; fatura do celular R$ 55,99;
empréstimo R$ 177,39; medicamentos. A renda advém da pensão por morte que a irmã recebe e
do trabalho da sobrinha como vendedora, ambos no valor de R$ 954,00 (novecentos e cinquenta
e quatro reais) mensais.
O § 1º do art. 20 da Lei 8.742/93, com a redação dada pela Lei 10.435/2011, dispõe que: "Para os
efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os
pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e
enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto".
Penso que a interpretação desse dispositivo legal não pode conflitar com a realidade que se
extrai dos autos. A lei expressamente prevê que devem os membros do grupo familiar
considerado viver sob o mesmo teto. Entretanto, não podem ser incluídos, a meu sentir, aqueles
que, embora elencados na lei, estejam apenas transitoriamente sob o mesmo teto.
O grupo familiar da autora é formado por ela e pela irmã, constituindo a sobrinha núcleo familiar
distinto.
A consulta ao CNIS indica que a irmã da autora é beneficiária de pensão por morte
previdenciária, desde 23.03.2005, de valor mínimo.
Dessa forma, a renda familiar per capita é igual à metade do salário mínimo.
Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições
apresentadas, entendo que não justifica o indeferimento do benefício.
Diante do que consta nos autos, verifico que a situação é precária e de miserabilidade,
dependendo a autora do benefício assistencial que recebe para suprir as necessidades básicas,
sem condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida pela Constituição Federal.
Assim, a autora preenche os requisitos necessários ao deferimento do benefício assistencial,
independente da sua tenra idade.
Tratando-se de decisão ilíquida, o percentual da verba honorária será fixado somente na
liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, ambos do
CPC/2015, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula 111 do STJ).
Com essas considerações, pedindo vênia ao senhor Relator, voto no sentido de DAR PARCIAL
PROVIMENTO à apelação para fixar os honorários advocatícios nos termos da fundamentação,
mantendo a antecipação da tutela.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E
12.435/2011. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove
não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- No caso dos autos, não foi comprovada a miserabilidade.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, suspensa sua exigibilidade, por ser
a parte autora beneficiária da justiça gratuita, nos termos do §3º do art. 98 do CPC.
- Apelação do réu provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria,
decidiu dar provimento à apelação do réu, nos termos do voto do Relator, que foi acompanhado
pela Juíza Federal Convocada Vanessa Mello e pela Desembargadora Federal Daldice Santana
(que votou nos termos do art. 942 caput e § 1º do CPC). Vencida a Desembargadora Federal
Marisa Santos que lhe dava parcial provimento. Julgamento nos termos do disposto no artigo 942
caput e § 1º do CPC
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
