Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6079840-44.2019.4.03.9999
Relator(a) para Acórdão
Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
12/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 12/05/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA.
INVIABILIDADE DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Não se conhece de parte do apelo quanto aos pleitos: a) de devolução dos valores recebidos
pela autora, a título de tutela antecipada, b) e quanto à isenção de custas processuais pois
ausente disposição nesses sentidos na r. sentença.
- São condições para a concessão do benefício da assistência social: ser o postulante portador de
deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Ausente o requisito objetivo (hipossuficiência), é indevido o benefício.
- Apelação autárquica parcialmente conhecida e, nessa parte, provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6079840-44.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DIRCE ROSSATTO DE SOUZA
Advogados do(a) APELADO: RENATA ISABELA RIBEIRO - SP405581-N, ADRIANA RAFAELA
RIBEIRO - SP348776-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6079840-44.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DIRCE ROSSATTO DE SOUZA
Advogados do(a) APELADO: RENATA ISABELA RIBEIRO - SP405581-N, ADRIANA RAFAELA
RIBEIRO - SP348776-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, não submetida
ao reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a
Autarquia Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício assistencial ao idoso, desde a
data de entrada do requerimento administrativo, em 08/03/2018. O decisum condenou, ainda, o
ente autárquico, ao pagamento dos atrasados, acrescidos de correção monetária de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, juros de
mora, a contar da citação, à ordem de 0,5% ao mês, arbitrada verba honorária em 10% das
parcelas vencidas até a sentença, nos termos da Súmula nº 111 do c. Superior Tribunal de
Justiça.
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito, bem assim a
submissão da sentença ao reexame necessário. No mérito, pretende que seja reformado o
julgado, sustentando, em síntese, a ausência de comprovação de miserabilidade, noticiando
que a proponente passou a receber o benefício de pensão pela morte do cônjuge, a partir de
22/01/2019. Requer, ainda, a devolução dos valores recebidos pela autora, a título de
antecipação dos efeitos da tutela. Insurge-se, outrossim, quanto ao termo inicial do benefício,
correção monetária, juros de mora, custas processuais e honorários advocatícios. Pleiteia,
mais, a decretação da prescrição quinquenal parcelar. Suscita, por fim, o prequestionamento
legal para efeito de interposição de recursos.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento do recurso de apelação
do INSS, por ausência do requisito objetivo, dispensando-se, contudo, a devolução de valores
recebidos pela proponente em antecipação de tutela, ante a ausência de má-fé.
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Juíza Federal Convocada Vanessa Mello: O Desembargador Federal Batista
Gonçalves, em seu fundamentado voto, não conheceu de parte do recurso de apelação do
INSS e, na parcela conhecida deste, deu-lhe parcial provimento, para demarcar, em
22/01/2019, o termo final do benefício de prestação continuada e fixou os juros de mora e a
correção monetária.
Ouso, porém, na parte conhecida do recurso apresentar divergência, pelas seguintes razões.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial
de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Com a devida vênia, entendo não estar patenteada a miserabilidade para fins assistenciais.
Segundo o relatório socioeconômico realizado em 16/04/2019 (ID 98102180):
(i)– a autora é herdeira de parte do imóvel onde reside atualmente sozinha. Viúva há três
meses, aguardava, à época do estudo social o recebimento de pensão do cônjuge falecido
(carpinteiro autônomo aposentado há cinco anos).
(ii)RESIDÊNCIA: possui quatro cômodos pequenos e um banheiro interno e é guarnecida de
duas poltronas; um rack; uma televisão; uma geladeira; uma mesa com quatro cadeiras; um
armário; um fogão de quatro bocas; duas camas de casal; dois guarda-roupas e uma sapateira.
Os móveis, embora modestos, encontram-se em bom estado de conservação.
(iii)RECEITA: advinha da aposentadoria de valor mínimo do cônjuge, além de R$ 350,00 da
locação do imóvel nos fundos da residência – (contudo, desde o falecimento do cônjuge,
sobrevive da ajuda da filha).
(iv)DESPESAS: tarifas de água (R$ 23,47) e energia elétrica (R$ 75,00), gás (R$ 80,00, "que
será suficiente para vários meses"), telefone (R$ 69,00), "saúde medical" (R$ 52,00) e
supermercado (R$ 200,00) – além de medicamentos em torno de R$ 150,00 (estes cedidos
pela filha).
Nessas circunstâncias, embora evidentemente a parte autora seja pobre, não restou
demonstrado o requisito da hipossuficiência para fins da concessão do LOAS, até porque conta
com a ajuda da filha, com renda de locação de imóvel (apesar de modesta) e, ainda, pode
despender recursos com telefone e plano de saúde.
Observa-se por oportuno, conforme informou o INSS em sua apelação, que a parte autora
passou a perceber a pensão por morte de seu cônjuge a partir de 22/01/2019.
Ressalte-se que o já mencionado artigo 203, V, da Constituição Federal é claro ao estabelecer
que, para fins de concessão desse benefício, a responsabilidade do Estado é subsidiária.
Vale dizer: o benefício somente deve ser concedido àqueles que comprovem não possuir meios
de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Não se destina à
complementação de renda familiar.
Nesse sentido, reporto-me ao seguinte julgado (g. n.):
“CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, INCISO V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA
MANTIDA.
I - O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 567.985, reconheceu a inconstitucionalidade parcial,
sem pronúncia de nulidade, do art.20, §3º, da Lei nº 8.742/93, e do art. 34, par. único, da Lei nº
10.741/2003.
II - a autora contava com 68 (sessenta e oito) anos, na data do requerimento administrativo,
tendo por isso a condição de idosa.
III - Os elementos de prova existentes nos autos apontam em sentido contrário à alegada
miserabilidade da autora.
V - Na época do estudo social, as despesas giravam em torno de R$ 1.300,00, consistindo em
alimentação, água, energia elétrica, farmácia e gás; ou seja, as despesas eram inferiores às
receitas.
VI - A autora não vive em situação de risco social ou vulnerabilidade social, não podendo o
benefício assistencial ser utilizado para fins de complementação de renda.
VII - O benefício assistencial não tem por fim a complementação da renda familiar ou
proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou deficiente em
estado de penúria, que comprove os requisitos legais, sob pena de ser concedido
indiscriminadamente em prejuízo daqueles que realmente necessitam, na forma da lei.
VIII - Apelação improvida.”
(TRF 3ª Região - AC n. 5562391-33.2019.4.03.9999 - 9ª Turma - Rel. Des. Fed. Marisa Santos -
05/11/2019, e-DJF3 Judicial 1, Data: 07/11/2019)
Assim, embora o pretendido benefício pudesse melhorar o padrão de vida da postulante, o
sistema de assistência social foi concebido para auxiliar pessoas em situação de penúria
(incapazes de sobrevivência sem a ação do Estado), e não para incremento de padrão de vida.
Diante do exposto, não conheço de parte da apelação e, na parte conhecida, dou-lhe
provimento para julgar improcedente o pedido.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados
em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC,
ficando, porém, suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal,
por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
VANESSA MELLO
Juíza Federal Convocada
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6079840-44.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DIRCE ROSSATTO DE SOUZA
Advogados do(a) APELADO: RENATA ISABELA RIBEIRO - SP405581-N, ADRIANA RAFAELA
RIBEIRO - SP348776-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil atual, que entrou em vigor em 18
de março de 2016, dispõe que a sentença não será submetida ao reexame necessário quando
a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a
1.000 (mil) salários mínimos, em desfavor da União ou das respectivas autarquias e fundações
de direito público.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 06/06/2019 (doc. 98102195). Atenho-me ao valor da benesse, de um salário mínimo.
Verifico que a hipótese em exame não excede os mil salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Cuida-se, na espécie, de ação ajuizada em 23/10/2018, consoante consulta ao sistema e-SAJ
do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que busca a concessão de Benefício de
Prestação Continuada, desde 08/03/2018, data de entrada do requerimento administrativo
(docs. 98102033 e 98102216).
Nas razões do apelo, o INSS informou a concessão administrativa de pensão pela morte do
cônjuge da parte autora, com DIB em 22/01/2019, no valor de um salário mínimo (NB
1835989486, cf. doc. 98102211).
Nos ditames do art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93, o benefício assistencial não pode ser
acumulado, pelo beneficiário, com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro
regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
Destarte, há de se perquirir sobre a presença dos requisitos à outorga da benesse postulada
neste feito, no lapso temporal debatido no apelo autárquico (08/03/2018), até a data de início do
benefício de pensão por morte (22/01/2019), eventuais parcelas decorrentes do amparo
assistencial, além dos consectários legais e verba honorária.
Pois bem. Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº
8.742/1993, de natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada
tem sua concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de
segurado, atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de
deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à
verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per
capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva
redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso vertente, verifica-se, pelos documentos 98102030, 98102033 e 98102216, que a parte
autora, nascida em 01/01/1948, possuía 70 anos de idade em 08/03/2018, data de entrada do
requerimento aviado na senda administrativa, restando, pois, implementado o requisito etário.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 98102180, produzido em 16/04/2019.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a autora, viúva, reside sozinha, no município de
Mirandópolis/SP.
Seu consorte falecera no mês de janeiro de 2019, com 72 anos de idade, e a vindicante
aguardava a concessão administrativa do benefício de pensão pela morte daquele, deferido, ao
final, em 20/05/2019, retroativamente a 22/01/2019, no valor de um salário mínimo (docs.
98102034 e 98102214).
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"Autora herdeira em parte, do imóvel onde reside, foi cedida pelos irmãos para a referida morar.
Casa de madeira, quatro cômodos pequenos, um banheiro interno, piso vermelhão, forro de
madeira. Guarnecida de duas poltronas, de sofá e um rack, TV em cores, uma geladeira, uma
mesa com quatro cadeiras, pequeno armário para utensílios domésticos, 1 fogão quatro bocas,
duas camas de casal com colchões, dois guarda-roupas, duas portas, uma sapateira. Os
pertences são modestos, boa condição de uso. O ambiente interno e externo é organizado,
salubre. Aos fundos do imóvel, uma casa de quatro cômodos, alugada."
Não há qualquer outro bem de valor economicamente apreciável.
A autora "goza de boa saúde física e mental, embora portadora de hipertensão e diabete há
mais de vinte anos" e tem acesso a plano de saúde.
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 23,47) e energia elétrica (R$
75,00), gás (R$ 80,00, "que será suficiente para vários meses"), telefone (R$ 69,00), "saúde
medical" (R$ 52,00) e supermercado (R$ 200,00).
Os gastos com medicamentos para o cônjuge, cuja saúde era muito debilitada, giravam em
torno de R$ 150,00 mensais, cedidos pela filha.
Até o passamento do cônjuge, o casal sobrevivia com a aposentadoria de valor mínimo deste
(doc. 98102037), cabendo lembrar, a esse respeito, que o quantum daí advindo deve ser
excluído da contabilização da renda familiar, em aplicação analógica ao art. 34 do Estatuto do
Idoso, nos moldes do citado precedente do Excelso Pretório.
Além disso, recebia o valor de R$ 350,00, pela locação do imóvel nos fundos da residência.
Sendo assim, a renda per capita da promovente não alcançava a metade do salário mínimo, à
época, de R$ 998,00.
Há relato de que "a renda familiar sempre foi ínfima" e, até a percepção da pensão por morte, a
vindicante passava "por dificuldades para honrar com as responsabilidades financeiras".
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no
sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a
autorizar o implante da benesse, nos moldes do comando sentencial.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser mantido a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Nesse
sentido: APELREEX 00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal
Marisa Santos, j. 30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona
Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
Averbe-se que o laudo pericial apenas retratou situação ensejadora da outorga da benesse,
preexistente à sua confecção.
Há que se fixar, contudo, o termo final da benesse, na data de início da pensão por morte
concedida à demandante, na senda administrativa.
Nesse sentido, a jurisprudência da Nona Turma deste E. Tribunal:
"CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL - BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA -
ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - REQUISITOS PREENCHIDOS.
BENEFICIÁRIA DE PENSÃO POR MORTE - INACUMULATIVIDADE. ART. 41 DA LEI
8.213/91. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO ATÉ A DATA DE CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE. I - A decisão proferida pelo Plenário do STF nos autos
da Reclamação nº 2303-6/RS, e publicada no DJ de 01/04/05, configura interpretação autêntica
da decisão antes proferida na ADIN nº 1232/DF. II - A autora contava com 74 (setenta e quatro)
anos quando ajuizou a presente ação, tendo, por isso, a condição de idosa. III - O marido da
autora era beneficiário de Aposentadoria por Idade, desde 11.07.1988, no valor de um salário
mínimo, cessada em 22.09.2007, por óbito dele, que gerou a Pensão por Morte atualmente
percebida pela autora. Por isonomia ao determinado no parágrafo único do artigo 34 da Lei
10.741/03, tal benefício não pode ser computado para fins de apuração da renda per capita
familiar. IV - Assim, na época, a autora preencheu todos os requisitos necessários ao
deferimento do benefício, sendo o mesmo devido da citação até a data de início da Pensão por
Morte - 22.09.2007, em face da inacumulatividade dos benefícios. V - Sendo a autora
beneficiária de pensão por morte, não lhe assiste o direito de continuar a receber o benefício de
prestação continuada, conforme expressamente dispõe o §4º do artigo 20 da Lei 8.742/93,
sendo devido, no entanto, as prestações vencidas até a data de início da pensão por morte. VI -
Tendo em vista que se trata de benefício de valor mínimo, inaplicável o disposto no art. 41 da
Lei 8.213/91, o qual afasto de ofício. VII - Aplicação do art. 41 da Lei 8.213/91 afastada, de
ofício. Apelação do INSS parcialmente provida."
(AC 00196519120084039999, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, e-DJF3
Judicial 2 DATA 10/12/2008, p. 539)
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo
o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido,
nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº
11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública
segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor
restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se
qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea
a promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora
e à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da
decisão exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em
conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento
final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Conquanto imperiosa a mantença da condenação da autarquia em honorários advocatícios,
esta deve ser fixada em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do
inciso II do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-se o disposto nos §§ 3º, 5º
e 11 desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas entre os termos
inicial e final do benefício.
Quanto às custas processuais, não há modificação a ser feita, pois a r. sentença já isentou a
autarquia securitária do respectivo pagamento, de acordo com o pleiteado em sua apelação,
razão pela qual o recurso não há de ser conhecido, neste ponto.
Não conheço do apelo, também, em relação ao pleito de devolução dos valores recebidos pela
autora, a título de tutela antecipada, à míngua de antecipação dos efeitos da tutela de mérito.
Cumpre, ainda, assentar que, consideradas as datas de entrada do requerimento
administrativo, em 08/03/2018, e do ajuizamento da demanda, em 23/10/2018, não há, in casu,
prescrição a ser contabilizada.
No mais, os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título
de quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser
integralmente abatidos do débito.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Por fim, tendo em vista o teor da presente decisão, resta prejudicado o pleito de efeito
suspensivo formulado pelo INSS em suas razões recursais.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO DE PARTE DO RECURSO DE APELAÇÃO DO INSS E, NA
PARCELA CONHECIDA DESTE, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para demarcar, em
22/01/2019, o termo final do benefício de prestação continuada outorgado à autora, quando
esta passou a receber, administrativamente, o benefício de pensão por morte, e fixar os juros
de mora e a correção monetária, bem assim a verba honorária, nos termos da fundamentação
supra.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA.
INVIABILIDADE DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Não se conhece de parte do apelo quanto aos pleitos: a) de devolução dos valores recebidos
pela autora, a título de tutela antecipada, b) e quanto à isenção de custas processuais pois
ausente disposição nesses sentidos na r. sentença.
- São condições para a concessão do benefício da assistência social: ser o postulante portador
de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a
própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Ausente o requisito objetivo (hipossuficiência), é indevido o benefício.
- Apelação autárquica parcialmente conhecida e, nessa parte, provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer de parte do recurso de apelação do INSS e, por maioria, na
parcela conhecida deste, decidiu dar-lhe provimento, nos termos do voto da Juíza Federal
Convocada Vanessa Mello, que foi acompanhada pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan
(4º voto) e pelo Desembargador Federal Sérgio Nascimento (5º voto). Vencido o Relator, que,
na parte conhecida, dava parcial provimento à apelação, no que foi acompanhado pela Juíza
Federal Convocada Leila Paiva. Julgamento nos termos do disposto no art. 942, caput e § 1º,
do CPC. Lavrará acórdão a Juíza Federal Convocada Vanessa Mello, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
