Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000215-02.2020.4.03.6322
Relator(a)
Juiz Federal LUCIANA JACO BRAGA
Órgão Julgador
15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
10/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 15/02/2022
Ementa
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. MENOR IMPÚBERE.
LAUDO POSITIVO. AUTISMO. CONDIÇÃO DA AUTORA COMPROVADA. PERÍCIAS MÉDICA E
SOCIAL. MISERABILIDADE. NECESSIDADE PERMANENTE DE AUXÍLIO DE TERCEIROS
PARA ATIVIDADES COTIDIANAS. MISERABILIDADE INCONTROVERSA. NECESSIDADES
BÁSICAS NÃO ATENDIDAS. INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO QUE SE JUSTIFICA.
BENEFÍCIO DEVIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. DIB NA DER. TEMA 810 STF.
CONCECTÁRIOS LEGAIS. RECURSO DA PARTE RÉ DESPROVIDO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000215-02.2020.4.03.6322
RELATOR:45º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECORRIDO: A. L. D. S. B.
Advogado do(a) RECORRIDO: ROSEMARIE GAZETTA MARCONATO - SP139831-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000215-02.2020.4.03.6322
RELATOR:45º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: A. L. D. S. B.
Advogado do(a) RECORRIDO: ROSEMARIE GAZETTA MARCONATO - SP139831-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A parte autora ajuizou a presente ação na qual objetiva a concessão do benefício assistencial
de prestação continuada, previsto na Lei 8.742/1993.
O juízo singular proferiu sentença e julgou procedente o pedido.
Inconformada, a autarquia ré apresentou o presente recurso. Postulou a ampla reforma da
sentença.
Contrarrazões pela demandante.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000215-02.2020.4.03.6322
RELATOR:45º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: A. L. D. S. B.
Advogado do(a) RECORRIDO: ROSEMARIE GAZETTA MARCONATO - SP139831-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, nego efeito suspensivo ao recurso, pois não restou demonstrado o risco de dano
irreparável a que se refere o art. 43 da Lei n.9.099/95.
Passo à análise do recurso.
O benefício de prestação continuada de um salário mínimo foi assegurado pela Constituição
Federal nos seguintes termos:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei”.
Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, consolidado sob a sistemática da
repercussão geral, o benefício em questão também pode ser concedido a estrangeiros
residentes no Brasil:
“Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo
203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais”
(STF, Plenário, RE 587.970/SP, rel. min. Marco Aurélio, j. 20/4/2017, DJe 21/9/2017, Tema
173).
A Lei n° 8.742, de 07.12.93, adotada pela Autarquia previdenciária na análise da concessão da
prestação na esfera administrativa, define o portador de deficiência nos seguintes termos:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
...
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Comparando-se a definição atual com a anterior, percebe-se que, atualmente, não mais é
necessária a interação do impedimento de longo prazo com diversas barreiras, bastando
apenas uma, desde que obstrua a participação do indivíduo na sociedade em igualdade de
condições (AMADO, Frederico. “Curso de Direito e Processo Previdenciário”. 9. ed. Salvador:
JusPodivm, 2017, p. 65 e 66).
A lei define o que deve ser entendido por impedimento de longo prazo nos seguintes termos:
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que
produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.” (NR)
O Critério de aferição do lapso de dois anos foi objeto de uniformização pela TNU que a
respeito do ponto editou a Tese 173, com o seguinte teor:
“Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de
pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade
laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2
(dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista
para a sua cessação (tese alterada em sede de embargos de declaração).”
A condição de pessoa com deficiência deve ser verificada de maneira holística, analisando-se
fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais, ou seja, o indivíduo inserido na realidade, e
não à parte dela. Para tanto, o art. 20, § 6º, da Lei 8.742/1993 determina:
“§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de
impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas
por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
(Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)”.
A esse respeito, em 15/4/2015, a Turma Nacional de Uniformização aprovou a Súmula 80, in
verbis:
“Nos pedidos de benefício de prestação continuada (LOAS), tendo em vista o advento da Lei
12.470/11, para adequada valoração dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais
que impactam na participação da pessoa com deficiência na sociedade, é necessária a
realização de avaliação social por assistente social ou outras providências aptas a revelar a
efetiva condição vivida no meio social pelo requerente”.
No caso em análise, a perícia médica, realizada no dia 03/11/2020, por especialista em
Medicina Legal e Perícia Médica, concluiu que a demandante, nascida em 21/05/2013 (07 anos
na data do exame), possui transtorno do espectro autista, o que lhe acarreta incapacidade
parcial e permanente para suas atividades habituais, caracterizando-se ainda a deficiência e o
impedimento de longo prazo.
Ademais, pontuou que a autora necessita de auxilio de terceiros para as atividades essenciais
do dia a dia.
Eis a conclusão do perito judicial:
“(...) DISCUSSÃO
Transtorno global do desenvolvimento é um grupo de transtornos caracterizados por alterações
qualitativas das interações sociais recíprocas e modalidades de comunicação e por um
repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Essas anomalias
qualitativas constituem uma característica global de funcionamento do sujeito, em todas as
ocasiões.
O autismo infantil é um transtorno global do desenvolvimento caracterizado por: a) um
desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade de três anos, e b)
apresentando uma perturbação característica do funcionamento de cada um dos três domínios
seguintes: interações sociais, comunicação, comportamento focalizado e repetitivo. Além disso,
o transtorno se acompanha comumente de numerosas outras manifestações inespecíficas, por
exemplo, fobias, perturbações do sono ou da alimentação, crises de birra ou autoagressividade.
Periciando apresenta características de autismo como comportamento repetitivo e dificuldade
de interação social. A frequência à escola regular está útil para convívio social e aquisição de
hábito alimentar saudável. Apresenta limitações não acentuadas.
Não há tratamento médico específico para autismo. Necessita de estimulações de
fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia, acompanhamento psicológico.
Necessita de acompanhamento de terceiros na sala de aula e no convívio domiciliar para que
não faça somente uma atividade.
O nível de inteligência que apresenta associada a limitação não acentuada pode ser decisivo
em ser uma adulta independente e apta a exercer atividades laborais.
Deve ser avaliada em idade próxima à idade legal para exercer atividade laboral para analisar
habilidades adquiridas.
No momento há incapacidade parcial e permanente para atividades compatíveis com sua idade.
O tempo será superior a dois anos.
(...)
CONCLUSÃO
Transtorno do espectro do autismo.
Incapacidade parcial e permanente para atividades da sua idade.
Deve ser avaliada pericialmente próximo da idade legal para iniciar atividades laborais para
analisar habilidades adquiridas.
(...)”
Levando-se em conta a data de início da incapacidade e o prognóstico do demandante,
considero que o impedimento do requerente deve ser reputado de longo prazo, nos termos do §
10 do art. 20 da Lei 8.742/1993 e do Tema 173 da TNU. Assim, considero que estão presentes
todos os requisitos do § 2º para se considerar a parte autora pessoa com deficiência.
Quanto à hipossuficiência econômica, a Lei 8.742/1993 instituiu um critério objetivo,
considerando incapaz de prover a própria manutenção a pessoa portadora de deficiência ou
idosa pertencente a família cuja renda mensal per capita seja a inferior a ¼ do salário mínimo.
Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional o critério supracitado (ADI
1.232, j. 27/8/1998).
O Superior Tribunal de Justiça vinha decidindo pela possibilidade de utilização de outros
critérios para a aferição da miserabilidade do postulante. Em julgamento de recurso especial
repetitivo, fixou a seguinte tese:
“A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo” (STJ, 3ª Seção, REsp 1.112.557/MG, rel. min. Napoleão Nunes
Maia Filho, j. 28/10/2009, public. 20/11/2009, Tema 185).
Anos mais tarde, o Pretório Excelso alterou sua posição a respeito do critério legal de
miserabilidade, firmando a seguinte tese de repercussão geral:
“É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar
mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para
concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da
Constituição” (STF, Plenário, RE 567.985/MT, rel. min. Marco Aurélio, rel. para acórdão min.
Gilmar Mendes, j. 18/4/2013, DJe 2/10/2013, Tema 27).
Para melhor compreensão desse entendimento, transcrevo trecho da ementa (grifo no original):
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo
Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que ‘considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a
1/4 (um quarto) do salário mínimo’.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a
Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01,
que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento”.
Tratando-se de decisão proferida em controle concreto de constitucionalidade, a eficácia se
restringe ao caso analisado e ao campo dos precedentes judiciais, não tendo o condão de
retirar o dispositivo legal do ordenamento jurídico, tal como se dá no controle abstrato (art. 102,
§ 2º, da CF). De toda forma, apesar de o Pretório Excelso ter declarado a inconstitucionalidade
parcial do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993, não lhe aplicou a sanção de nulidade.
Como relata Frederico Amado (“Curso de Direito e Processo Previdenciário”. 9. ed. Salvador:
JusPodivm, 2017, p. 57), tentou-se modular a eficácia da decisão para 31/12/2015, a fim de que
o Congresso Nacional tivesse tempo de alterar a Lei Orgânica da Assistência Social, porém não
foi alcançado o quórum de 2/3.
A posição do STF foi encampada pelo legislador em 2015, quando da edição do Estatuto da
Pessoa com Deficiência, que acrescentou o § 11 ao art. 20 da Lei 8.742/1993, in verbis:
“§ 11. Para concessão do benefício de que trata ocaputdeste artigo, poderão ser utilizados
outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento”.
Como se nota, o critério da renda mensal inferior a 1/4 do salário-mínimo continua em vigor no
ordenamento jurídico, mas deve ser analisado em conjunto com outros elementos para que se
possa detectar a hipossuficiência econômica do requerente. Para tanto, nos termos da Súmula
79 da TNU, aprovada em 15/4/2015:
“Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das
condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação
lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova
testemunhal”.
A conclusão acima é chancelada pela Turma Nacional de Uniformização, que, em julgamento
de recurso representativo da controvérsia, fixou a seguinte tese:
“O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita inferior a ¼ do
salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada
por outros elementos de prova” (TNU, PEDILEF 5000493-92.2014.4.04.7002, rel. juiz federal
Daniel Machado da Rocha, j. 14/4/2016, public. 15/4/2016, Tema 122).
Sem embargo dessas constatações, proliferaram no território nacional inúmeras decisões em
Ações Civis Públicas que passaram a impor ao INSS adoção de critérios regionais e
diferenciados para a concessão do benefício.
Esse fato contribuiu para nova e recente alteração legislativa a respeito do tema (Lei 14.176/21)
que deu a seguinte redação ao §11 do artigo 20 da Lei 8.472/93
O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal
familiarper capitaprevisto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o
disposto no art. 20-B desta Lei.
.....................................................................................................................” (NR)
“Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da
situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os
seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensalper capitade
que trata o § 11-A do referido artigo:
I – o grau da deficiência;
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei
exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos
especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados
gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que
comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
§ 1º A ampliação de que trata ocaputdeste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais,
definidas em regulamento.
§ 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III
docaputdeste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III docaputdeste artigo.
§ 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I docaputdeste artigo será aferido por meio de
instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos§§ 1º e 2º do art. 2º da Lei
nº 13.146, de 6 de julho de 2015(Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do
art. 40-B desta Lei.
§ 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que
trata o inciso III docaputdeste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania,
da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir
de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades,
facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em
regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios.”
Nestes termos, o deferimento da prestação deverá observar a existência dessas situações que
permitem a superação do limite de ¼ de salário mínimo como renda per capita no núcleo
familiar.
Por último, anoto que o STJ, no julgamento do Tema 640 ampliou o alcance da norma que
consta do artigo 34 do Estatuto do Idoso. Eis a decisão do Tribunal:
STJ – Tema 640 (Recursos Repetitivos) – Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto
do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa
com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
Dessa forma, nos casos de núcleos familiares compostos simultaneamente por idosos e
deficientes, o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo não e computado no
cálculo da renda per capita.
No que tange ao grupo familiar, assinalo que com o advento da Lei 12.435/2011, a família é
integrada pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Em relação a esse ponto, não se pode perder de vista o princípio da subsidiariedade, pelo qual
a atuação do Estado só se justifica quando o indivíduo e os grupos sociais intermediários são
incapazes de resolver determinado problema.
Apesar de a Constituição Federal não empregar essa expressão, a norma jurídica pode ser
extraída, no campo da assistência social, tanto do art. 203, V, quanto de outros dispositivos
analisados de forma sistemática.
Segundo o art. 193, “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o
bem-estar e a justiça sociais”.
Dentro do Título VIII (“Da Ordem Social”) está o capítulo relativo à seguridade social, que se
divide em três subsistemas: saúde, previdência e assistência social (art. 194, caput).
O Capítulo VII do mesmo Título, por sua vez, trata da família, criança, adolescente, jovem e
idoso. O art. 226 reconhece a família como base da sociedade e lhe assegura especial proteção
do Estado. O art. 229 contempla o princípio da solidariedade familiar, assim expresso: “Os pais
têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de
ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Do exposto, pode-se afirmar que o indivíduo é o principal responsável pelo atendimento de suas
necessidades. Caso enfrente situação que não lhe permita prover o seu sustento, deverá ser
amparado por sua família, nos termos da lei de regência (art. 5º, II, da CF). Na hipótese de os
familiares legalmente obrigados a colaborar com o sustento do membro carente também não
terem condições de fazê-lo, aí sim o indivíduo poderá acionar o Estado, para deste receber
assistência social.
Vê-se, portanto, que o BPC-LOAS não é instrumento para afastar o dever de prestar alimentos
de modo a “socializar” os gastos da família com seus idosos e dependentes portadores de
deficiência. Além disso, não tem por finalidade complementar a renda familiar ou proporcionar
maior conforto à parte interessada, mas amparar a pessoa deficiente ou idosa em efetivo
estado de miserabilidade.
Observadas essas premissas, no caso concreto, entendo que há miserabilidade a ser tutelada.
No ponto, assim restou fundamentada a sentença:
“(...) No caso em tela, a parte autora alega que tem deficiência e não possui meios de prover a
própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. A deficiência restou demonstrada por
meio de exame pericial. Concluiu o perito médico que a autora, atualmente com 7 anos de
idade, é portadora de transtorno do espectro do autismo. Observou-se limitação moderada
quanto ao aprendizado e de comunicação com as demais pessoas, impondo-se nova
reavaliação próxima à idade legal para iniciar a atividade laboral (seq 48).
Convém repetir que, em se tratando de deficiente menor, deve-se considerar não apenas a
existência da deficiência, apreciadas quanto ao seu grau e duração, e o seu impacto na
limitação do desempenho de atividades e restrições na participação social, compatíveis com a
idade, mas também o impacto na economia do grupo familiar do menor. Logo, há impedimento
de longo prazo que obstrui sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas da sua idade.
Não há controvérsia acerca da miserabilidade, cuja prova foi dispensada, nos termos do Pedido
de Uniformização de Interpretação de Lei n. 0503639-05.2017.4.05.8404/RN. O benefício foi
administrativamente indeferido sob o fundamento de “não atendimento ao critério de
deficiência”. Reforço que não houve impugnação específica pela ré quanto ao teor da r. decisão
de seq 07. Desta forma, demonstrou a parte autora preencher os requisitos para fazer jus ao
benefício assistencial, desde 22.10.2019, data do requerimento administrativo (seq 02).
(...)”
Por fim, importante repisar que o laudo pericial constatou a necessidade de supervisão e auxílio
maior do que a faixa etária normalmente demanda, inclusive em sala de aula, em relação à
parte autora. Em casos assim, a dependência do menor impúbere com deficiência acaba por
retirar a capacidade laborativa de um dos genitores por tempo indeterminado.
A partir dos elementos que dos autos constam, conclui-se que a parte autora é pessoa com
deficiência, requerendo, por isso mesmo, cuidados adicionais por parte dos pais. Não há
familiares que possam ajudar o demandante sem prejuízo de sua subsistência ou de seus
dependentes. Nesse cenário, justifica-se a intervenção do Poder Público por meio da
concessão de BPC-LOAS.
Preenchidos os requisitos legais, o benefício assistencial deve ser concedido.
Em relação à data de início do benefício, observo que se trata de questão que restou pacificada
no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) nº 5000298-
74.2015.4.04.7131/RS, Rel. Juiz Federal Sérgio de Abreu Brito, nos seguintes termos:
4. A discussão cinge-se ao termo inicial dos retroativos do benefício de aposentadoria por
invalidez concedido à parte autora.
5. O termo inicial dos benefícios previdenciários e assistenciais por incapacidade/impedimento
irá depender, principalmente, das constatações realizadas no laudo médico pericial. Em
resumo, da análise jurisprudencial superior: a) se não houve requerimento administrativo e a
incapacidade (ou impedimento, no caso de benefício assistencial) for estabelecida antes da
citação, o benefício será devido desde a citação válida (STJ, 1ª. Seção, RESp n. 1.369.165/SP,
rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 07/03/2014, sob o regime representativo de controvérsia); b)
se houve requerimento administrativo e a incapacidade (ou impedimento, no caso de benefício
assistencial) estabelecida no laudo pericial for preexistente àquele, o benefício será devido
desde o requerimento administrativo (Súmula n° 22 da TNU: Se a prova pericial realizada em
juízo dá conta de que a incapacidade já existia na data do requerimento administrativo, esta é o
termo inicial do benefício assistencial); c) se houve requerimento administrativo e se a perícia
judicial não precisar a data do início da incapacidade (ou impedimento, no caso de benefício
assistencial) do período do requerimento administrativo até sua realização, desde a data do
laudo judicial (STJ, 2ª. Turma, RESp n. 1.411.921/SC, rel. Min. Humberto Martins, DJe
25/10/2013; TNU, PEDILEF 200936007023962, rel. José Antonio Savaris, DOU 13/11/2011); d)
se houve requerimento administrativo e o laudo pericial judicial fixar a data de início da
incapacidade (ou impedimento, no caso de benefício assistencial) após o requerimento
administrativo (legitimando a recusa do INSS), mas antes do ajuizamento da ação, o benefício
será devido desde a citação (STJ, 1ª. Seção, RESp n. 1.369.165/SP, rel. Min. Benedito
Gonçalves, DJe 07/03/2014, sob o regime representativo de controvérsia; TNU, PEDILEF
200971670022131, rel. Adel Américo de Oliveira, DOU 11/05/2012). Em se tratando de
restabelecimento de benefício, quando a perícia judicial não conseguir especificar a data de
início da incapacidade (DII), é possível aplicar a presunção de continuidade do estado
incapacitante, desde que o postulante atenda cumulativamente aos seguintes requisitos: 1) que
a incapacidade laborativa constatada seja derivada da mesma doença que motivou a
concessão de benefício por incapacidade anterior; 2) que o laudo pericial não demonstre a
recuperação da incapacidade no período que medeia a DCB anterior e o laudo pericial
produzido em juízo; 3) que a natureza da patologia não implique a alternância de períodos
significativos de melhora e piora; 4) que o decurso de tempo entre a DCB e a perícia judicial
não seja significativo a ponto de interromper a presunção do estado incapacitante, o que deverá
ser aferido no caso concreto. (PEDILEF 00355861520094013300, JUÍZA FEDERAL ANA
BEATRIZ VIEIRA DA LUZ PALUMBO, TNU, DOU 31/05/2013 pág. 133/154). Em todos os
casos, se privilegia o princípio do livre convencimento motivado que permite ao magistrado a
fixação da data de início do benefício mediante a análise do conjunto probatório. (Precedente:
PEDILEF 05017231720094058500, JUÍZA FEDERAL SIMONE DOS SANTOS LEMOS
FERNANDES, TNU, DOU 23/09/2011).
Nesse ponto, observo que não houve mudança substancial da situação socioeconômica da
autora, uma vez que permaneceu vivendo com a mesma composição familiar e não há notícia
de alteração significativa da renda.
Os extratos do CNIS acostados aos autos não indicam nenhuma outra fonte de renda formal ou
recebimento de benefício previdenciário, além daquele já mencionado na sentença, seja por
parte da parte autora ou de seus familiares próximos.
Diante da falta de comprovação de alteração fática desde o requerimento administrativo, reputo
correta a fixação da DIB na DER.
Em relação ao outro ponto impugnado pela autarquia ré, a correção monetária e os juros da
mora são devidos na forma prevista na Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça
Federal, cujos critérios estão de acordo com o julgamento do Plenário do Supremo Tribunal
Federal, no Recurso Extraordinário nº 870.947, que afastou a atualização monetária pela
variação da TR e estabeleceu a incidência de juros da mora em percentual idêntico aos
aplicados à caderneta de poupança para débitos não tributários, a partir de julho de 2009, nas
ações condenatórias em geral e nas ações previdenciárias, e atualização e juros da mora pela
variação da Selic para os débitos tributários.
Nesse julgamento o STF aprovou as seguintes teses:
1. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional
ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os
mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em
respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações
oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de
remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09;
2. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina.
A Resolução CJF 267/2013 aprova quatro tabelas distintas de correção monetária
(desapropriação, previdenciária, repetição de indébito tributário e condenatórias em geral).
Essa solução não contraria o que resolvido pelo STF no 870.947.
Em que pesem as alegações da autarquia ré, verifico que a sentença analisou suficientemente
a questão e encontra-se bem fundamentada.
Saliento que nas razões de recurso não foram apresentados argumentos capazes de afastar as
conclusões que constam da sentença.
Nestes termos, a sentença deve ser mantida, nas exatas razões e fundamentos nela expostos,
que adoto como alicerce desta decisão, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.
Destaco que o Supremo Tribunal Federal, sob a sistemática da repercussão geral, chancelou
essa prática, fixando a seguinte tese:
“Não afronta a exigência constitucional de motivação dos atos decisórios a decisão de Turma
Recursal de Juizados Especiais que, em consonância com a Lei 9.099/1995, adota como
razões de decidir os fundamentos contidos na sentença recorrida” (STF, Plenário Virtual, RE
635.729 RG/SP, rel. min. Dias Toffoli, j. 30/6/2011, DJe 23/8/2011, Tema 451).
Ante todo o exposto, nego provimento ao recurso do réu, nos termos da fundamentação acima.
Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (ou da
causa, na ausência daquela), devidos pela parte recorrente vencida. A parte ré, se recorrente
vencida, ficará dispensada desse pagamento se a parte autora não for assistida por advogado
ou for assistida pela DPU (Súmula 421 STJ). Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de
assistência judiciária gratuita e recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados
ficará suspenso nos termos do § 3º do art. 98 do CPC – Lei nº 13.105/15.
Dispensada a elaboração de ementa na forma da lei.
É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. MENOR IMPÚBERE.
LAUDO POSITIVO. AUTISMO. CONDIÇÃO DA AUTORA COMPROVADA. PERÍCIAS MÉDICA
E SOCIAL. MISERABILIDADE. NECESSIDADE PERMANENTE DE AUXÍLIO DE TERCEIROS
PARA ATIVIDADES COTIDIANAS. MISERABILIDADE INCONTROVERSA. NECESSIDADES
BÁSICAS NÃO ATENDIDAS. INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO QUE SE JUSTIFICA.
BENEFÍCIO DEVIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. DIB NA DER. TEMA 810
STF. CONCECTÁRIOS LEGAIS. RECURSO DA PARTE RÉ DESPROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quinta Turma
Recursal de São Paulo decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte ré, nos
termos do voto da Relatora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA