Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0003963-05.2020.4.03.6302
Relator(a)
Juiz Federal LUCIANA ORTIZ TAVARES COSTA ZANONI
Órgão Julgador
5ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
11/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 18/02/2022
Ementa
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL - PESSOA IDOSA - ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
LEI N. 8742/93. REQUISITO DA IDADE COMPROVADO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA.
AFERIÇÃO NO CASO CONCRETO. JULGAMENTO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS
567.985 E 580.963. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. RECURSO DA PARTE AUTORA A
QUE SE DÁ PROVIMENTO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
5ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003963-05.2020.4.03.6302
RELATOR:15º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: MARINA VIEIRA SILVA RIBEIRO
Advogado do(a) RECORRENTE: NATHALIA REGINA DOS SANTOS DE ALMEIDA -
SP362360-A
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003963-05.2020.4.03.6302
RELATOR:15º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: MARINA VIEIRA SILVA RIBEIRO
Advogado do(a) RECORRENTE: NATHALIA REGINA DOS SANTOS DE ALMEIDA -
SP362360-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A parte autora pleiteou a concessão de benefício assistencial ao idoso. Houve a elaboração de
laudo socioeconômico.
O juízo singular julgou improcedente o pedido formulado na inicial, por ausência de
miserabilidade.
Desta forma, recorre a parte autora pleiteando a ampla reforma da sentença.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003963-05.2020.4.03.6302
RELATOR:15º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: MARINA VIEIRA SILVA RIBEIRO
Advogado do(a) RECORRENTE: NATHALIA REGINA DOS SANTOS DE ALMEIDA -
SP362360-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O benefício de prestação continuada de um salário mínimo foi assegurado pela Constituição
federal nos seguintes termos:
“Art.203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência
e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, conforme dispuser a lei”.
Assim, a norma constitucional estabelece como parâmetro para o exercício do direito ao
benefício assistencial a coexistência de dois pressupostos, de um lado, sob o aspecto subjetivo,
ser a pessoa idosa ou com deficiência, e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a
hipossuficiência econômica. A Lei n° 8.742, de 07.12.93, cuidou, originariamente, do Benefício
Assistencial, que veio sofrer alterações da Lei n. 12.435, de 06/07/2011, e da Lei n. 12.470, de
31/08/2011, cuja leitura deve ser feita dentro dos parâmetros da norma constitucional.
Requisito etário. A Lei n° 8.742, de 07.12.93, estabelecia na redação original do artigo 20 a
idade de 70 (setenta) anos para preenchimento do requisito etário. Contudo, a idade a ser
considerada foi reduzida para 65 (sessenta e cinco) anos de idade - artigo 33 da Lei n.
10.741/03 -, idade mantida com a nova redação do artigo 20.
O requisito etário não é questão controversa.
Passo para a análise da hipossuficiência financeira.
Requisito dahipossuficiênciaeconômica. A lei exige para a concessão do benefício assistencial
que a renda mensal da família per capita seja inferior a um quarto do salário mínimo.
Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do dispositivo legal
na ADIN nº. 1.232/DF, o que não impediu, contudo, que a exigência legal fosse mitigada
considerando as peculiaridades do caso concreto. A Corte Suprema pronunciou-se
recentemente acerca do tema, nos julgamentos dos Recursos Extraordinários nºs. 567.985 e
580.963, proferidos dentro da sistemática da repercussão geral, onde restou assentada não só
a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia do parágrafo 3° do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993
(RE n. 567.985/MS), mas também a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia
de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003 (RE n. 580.963/PR).
Nas decisões mencionadas, o STF esclareceu que ao longo dos últimos anos houve uma
proliferação de leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros
benefícios assistenciais (Lei n. 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; Lei n. 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Informação; e a Lei n. 10.219/2001, que criou o
Bolsa Escola) e apontou a utilização do valor de meio salário mínimo como valor padrão da
renda familiar per capita para análise do preenchimento do requisito da hipossuficiência
econômica que deve ser analisado em conjunto com as peculiaridades do caso concreto.
Reconheceu, ainda, ao analisar o Art. 34 parágrafo único da Lei n. 10.741/03, que não há
justificativa plausível para a discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos,
bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de
benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo.
Assim, adoto o critério de meio salário mínimo para análise do preenchimento do requisito da
hipossuficiência econômica.
Núcleo familiar. A redação da Lei n° 8.742, de 07.12.93, modificada pela Lei n. 12.435, de
06/07/2011, contempla como núcleo familiar o requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, e
na ausência de um deles, a madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados
solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto - ex vi do art. 20, § 1º. De
forma que não pode ser computada a renda de familiares que constituíram nova família.
Ademais, a TNU no Tema 73 consolidou a jurisprudência ou fixar a tese de que O grupo familiar
deve ser definido a partir da interpretação restrita do disposto no art. 16 da Lei n. 8.213/91 e no
art. 20 da Lei n. 8.742/93, esta última na sua redação original.
Assim, em princípio, os filhos que constituíram família, que tem dever de sustento de sua prole,
com despesas domésticas que consomem a renda, estão desobrigados do dever de sustento
imposto pelo artigo 229 da Constituição Federal. De forma que é fundamental a análise do caso
concreto à luz do princípio da razoabilidade, para considerar a situação econômica dos
ascendentes e descendentes, quando se verificar sinais de riqueza que imponha o dever de
alimentos.
De outro lado, evidenciado que a família possui parcas condições econômicas, emerge a
previsão do comando constitucional do capítulo relativo à assistência social, quando refere que
a assistência social será prestada pelo Estado ao Idoso ou deficiente que comprove não possuir
meios de prover sua subsistência ou tê-la provida por sua família - ex vi do inciso V do artigo
230 da Constituição Federal.
Por fim, a Portaria Conjunta MDS/INSS n. 03/2018 exclui da composição do grupo familiar o (a)
internado ou acolhido em instituições de longa permanência como abrigo, hospital ou instituição
congênere; (b) o filho ou enteado que tenha constituído união estável, ainda que resida sob o
mesmo teto; (c) o irmão, o filho ou o enteado que seja divorciado, viúvo ou separado de fato,
ainda que vivam sob o mesmo teto do requerente; e (d) o tutor ou curador , desde que não seja
um dos elencados no rol do § 1º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93.
A sentença apreciou o pedido e julgou o feito improcedente, fundou o julgado os seguintes
fundamentos:
Pois bem. A exclusão do ex-marido (que voltou a residir com a autora) e do benefício
previdenciário no valor de um salário mínimo por ele recebido do cálculo da renda familiar da
autora não se dá em razão da alegada dificuldade de convivência entre ambos, mas sim em
razão de o ex-marido receber benefício previdenciário de apenas um salário mínimo. Assim, o
núcleo familiar da autora é de apenas uma pessoa (a autora), sem renda mensal declarada.(...)
No caso em questão, consta do laudo da assistente social que a autora reside em imóvel
próprio ( do casal), composto por dois quartos, sala, cozinha, banheiro e lavanderia. Por
conseguinte, a autora não possui gastos com aluguel. Conforme fotos apresentadas com o
relatório da assistente social, é possível verificar que se trata de imóvel em bom estado de
conservação, com mobília simples, mas completa para uma vida digna, incluindo os bens
relacionados pela assistente social, tais como máquina de lavar roupas, chuveiro elétrico, fogão,
duas geladeiras (sendo uma duplex), televisor etc. Consta, ainda, que a autora recebe ajuda
dos filhos com alimentação e medicamentos. Logo, a autora não preenche o requisito da
miserabilidade.
Analisando detidamente a prova verifico que a autora não possui renda. O ex-marido recebe um
salário mínimo, mas a renda não é considerada em razão da sua condição de idoso. Além
disso, o laudo socioeconômico relata uma relação de conflito decorrente da separação do casal.
A casa é simples, mas demonstra boas condições de habitação. Contudo, restou evidenciada a
ausência de renda da autora para prover suas necessidades mínimas de vivência. Em relação
aos familiares, o laudo destaca que os quatro filhos são simples e possuem família, não tendo
condições de prover as necessidades da mãe.
Ademais, em 11/03/2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS), declarou a existência de
uma pandemia decorrente da doença provocada pelo novo coronavírus (COVID-19). Nessa
senda, o senado aprovou o estado de calamidade pública no Brasil, por meio do Decreto-
Legislativo n. 06/2020, dada a urgência na adoção de medidas fiscais para fazer frente às
medidas de combate a proliferação do novo coronavirus e a promoção de medidas de proteção
do emprego e de socorro humanitário a fim de evitar a ampliação dos níveis de pobreza. O
acirramento da pobreza foi anunciado por pesquisas recentes, o Brasil vive uma verdadeira
crise humanitária, com aumento da fome e manutenção do mínimo para a vivência digna das
famílias. Nesse contexto, o benefício assistencial constitui importante recurso redistributivo para
manutenção do mínimo existencial. De sorte que a análise dos critérios para a sua concessão
deve ser ampliada, para enaltecer a vida digna, com interpretação forjada pelo compromisso de
preponderância dos direitos humanos. Por fim, consigno que durante o período da pandemia foi
editada a Lei n. 13.982/2020, assim como Portaria Conjunta no 9.381, de 06 de abril de 2020,
justamente ampliando as hipóteses de benefício assistencial.
Ademais, em 11/03/2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS), declarou a existência de
uma pandemia decorrente da doença provocada pelo novo coronavírus (COVID-19). Nessa
senda, o senado aprovou o estado de calamidade pública no Brasil, por meio do Decreto-
Legislativo n. 06/2020, dada a urgência na adoção de medidas fiscais para fazer frente às
medidas de combate a proliferação do novo coronavirus e a promoção de medidas de proteção
do emprego e de socorro humanitário a fim de evitar a ampliação dos níveis de pobreza. O
acirramento da pobreza foi anunciado por pesquisas recentes, o Brasil vive uma verdadeira
crise humanitária, com aumento da fome e manutenção do mínimo para a vivência digna das
famílias. Nesse contexto, o benefício assistencial constitui importante recurso redistributivo para
manutenção do mínimo existencial. De sorte que a análise dos critérios para a sua concessão
deve ser ampliada, para enaltecer a vida digna, com interpretação forjada pelo compromisso de
preponderância dos direitos humanos. Por fim, consigno que durante o período da pandemia foi
editada a Lei n. 13.982/2020, assim como Portaria Conjunta no 9.381, de 06 de abril de 2020,
justamente ampliando as hipóteses de benefício assistencial.
Considerando-se o conjunto probatório, em especial a ausência de renda da autora, cujos
reflexos socioeconômicos restam exacerbados durante a pandemia decorrente da Covid-19,
entendo que a situação de penúria capaz de ensejar a concessão do benefício pleiteado restou
devidamente comprovada no caso concreto.
Assim, há que ser concedido o benefício assistencial à parte autora, eis que foram atendidos os
requisitos legais para a sua concessão, quais sejam, etário e a situação de miserabilidade.
Quanto à fixação da data de início do benefício, deve ser da data do requerimento
administrativo, uma vez que a retroação da DIB – data de início do benefício - à data da DER –
data de entrada do requerimento administrativo - tem como lapso temporal o prazo de 2(dois)
anos, o que se impõe em razão da exigência legal de revisão do benefício a cada 2 (dois) anos
para avaliação da continuidade das condições que lhe dera origem – ex vi do caput do artigo 21
da Lei n. 8.742, de 07/12/1993, com a redação da Lei n. 9.720, de 30/11/1998. A limitação ao
prazo legal para retroação da DIB permite inferir a manutenção das condições apuradas em
perícia judicial no prazo de 2 (dois) anos que antecede o ajuizamento da ação, salvo, é claro,
prova em sentido contrário ou mora administrativa injustificável.
A parte autora requereu o benefício administrativamente em 15/07/2019, prazo inferior há dois
anos da propositura da ação, ajuizada em 09/04/2020. Assim, esta deve ser a data de início do
benefício assistencial.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso da parte autora, para reformar a sentença e julgar
procedente o pedido inicial para CONDENAR o INSS a conceder à parte autora, o benefício
assistencial de prestação continuada de um salário mínimo, a partir da data do requerimento
administrativo (DER 15/07/2019).
Caberá a Contadoria do Juizado de origem a realização dos cálculos decorrentes da presente
decisão.
A autarquia pagará os atrasados desde então, que serão corrigidos monetariamente e
acrescidos de juros de mora de acordo com a Resolução CJF nº 134.2010, com as alterações
promovidas pela Resolução n. 267, de 2 de dezembro de 2013.
Concedo a antecipação dos efeitos da tutela, para que o INSS proceda à implantação do
benefício, no prazo de até 45 (quarenta e cinco) dias, sob pena de multa diária, tendo em vista
o caráter alimentar do benefício.
Sem condenação em honorários advocatícios, eis que o artigo 55 da Lei n.º 9.099/95 prevê
condenação somente ao RECORRENTE VENCIDO e a parte autora se sagrou vencedora.
É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL - PESSOA IDOSA - ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
LEI N. 8742/93. REQUISITO DA IDADE COMPROVADO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA.
AFERIÇÃO NO CASO CONCRETO. JULGAMENTO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS
567.985 E 580.963. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. RECURSO DA PARTE AUTORA
A QUE SE DÁ PROVIMENTO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Quinta Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por
unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
