Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0003529-38.2020.4.03.6327
Relator(a)
Juiz Federal FERNANDA SOUZA HUTZLER
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
14/10/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 19/10/2021
Ementa
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. LAUDO SÓCIO
ECONÔMICO. SEM COMPROVAÇÃO DA MISERABILIDADE. NÃO PREENCHIMENTO DE
AMBOS OS REQUISITOS LEGAIS. CONFIRMAÇÃO PELOS SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS (ART 46, LEI Nº9099/95).
1. Trata-se de recurso interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou improcedente
o pedido, em razão da ausência da miserabilidade da parte autora.
2. Suficiência da renda familiar para garantir a sobrevivência digna do grupo familiar, uma vez que
o benefício assistencial é dirigido às pessoas miseráveis (abaixo da linha da pobreza), o que não
se constatou no caso presente.
4. Recurso da parte autora que se nega provimento.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003529-38.2020.4.03.6327
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARCOS ALEXANDRE DA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: PEDRO FRANCISCO TEIXEIRA NETO - SP339914-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003529-38.2020.4.03.6327
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARCOS ALEXANDRE DA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: PEDRO FRANCISCO TEIXEIRA NETO - SP339914-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou
IMPROCEDENTE o pedido de concessão do benefício de prestação continuada, pois, embora
comprovada a deficiência com impedimento de longo prazo, o magistrado de primeiro grau
concluiu que a parte autora tem a sua subsistência mantida por sua família e, portanto, ausente
o requisito da miserabilidade.
Nas razões recursais, a parte autora sustenta que sofre de retardo mental e precisa de auxílio
inclusive para sua higiene básica, pois usa fraldas. Argumenta que reside em um quarto cedido,
localizado no terreno no qual mora sua genitora. Enumera dispositivos constitucionais e legais,
citando trechos doutrinários e jurisprudência. Por estas razões, pretende a reforma da r.
sentença.
Sem contrarrazões.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003529-38.2020.4.03.6327
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARCOS ALEXANDRE DA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: PEDRO FRANCISCO TEIXEIRA NETO - SP339914-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Constituição Federal, em seu art. 203, V, dispôs sobre “a garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a
lei”.
Regulamentando a matéria, a Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis 9.720/98,
12.435/2011 e 13.146/2015, estipulou:
“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º. Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto.
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas; (par. alterado pela lei nº
12.435, de 06/07/2011)
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (par. alterado pela lei
nº 12.435, de 06/07/2011)
§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao
benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa
idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
(Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021)
(...)
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que
produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
(...)
Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para
avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.”
Portanto, o benefício assistencial pretendido pela parte autora requer dois pressupostos para a
sua concessão: de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência ou idade avançada, e de
outro lado, sob o aspecto objetivo, o estado de miserabilidade, caracterizado pela inexistência
de meios de a pessoa portadora de deficiência ou do idoso prover à própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família.
Do Caso Presente:
A r. sentença recorrida decidiu o pedido inicial de modo exauriente, analisando todas as
questões suscitadas pelas partes, revelando-se desnecessárias meras repetições de sua
fundamentação:
“(...)
No presente caso, no que concerne ao requisito subjetivo, o laudo médico pericial atesta que a
parte autora é portadora de Retardo mental MODERADO, "Precisa de auxílio para as atividades
do dia a dia e para manter sua higiene básica. É incapaz de manter um trabalho formal diante
de sua deficiência intelectual" (evento 40).
Diante da conclusão da perícia médica, vê-se que o autor atende aos requisitos da Lei nº
8.742/93, sendo categorizada como pessoa portadora de deficiência.
Quanto ao requisito objetivo, qual seja, a hipossuficiência, na forma preconizada pela Lei
8.742/93, tenho que não restou devidamente demostrada no caso dos autos.
De fato, observou a senhora perita assistente social que a parte autora reside em um cômodo
localizado no quintal da casa da sua genitora Maria José Alves do Nascimento. Esta, por sua
vez, reside com a filha (irmã do autor), Jeane Alves do Nascimento, em imóvel próprio (evento
49).
Relatou a perita social que as despesas mensais da família totalizam R$838,10, valor inferior à
renda, que advém do salário da irmã do autor, no valor de R$1.000,00 e de serviço eventual da
genitora como faxineira, pelo qual consegue arrecadar R$120,00. O autor é beneficiário de
bolsa família no valor de R$91,00.
Assim, concluo que, embora com algumas dificuldades (que são igualmente enfrentadas por
grande parte da população), a parte autora tem a sua subsistência mantida por sua família. No
ponto, assinalo que a condição de vulnerabilidade socioeconômica do grupo não pode ser
aferida mediante a contabilização de despesas ordinárias e comuns a todas as famílias, como
as com água, luz, alimentação, gás e tributos, não servindo o benefício assistencial de
prestação continuada a, simplesmente, incrementar a renda daquele que vive de forma
modesta.
(...)” – destaquei
Em complemento, verifico que o autor nasceu em 04/03/1981 e reside no mesmo terreno no
qual residem sua mãe e sua irmã, com boa infraestrutura.
Durante o dia, permanece com sua mãe.
A dificuldade financeira e de saúde enfrentadas pelo autor assemelha-se àquelas vividas pela
maioria das famílias brasileiras.
Ainda que inviável o exercício de atividade laborativa pelo autor e sua mãe, o imóvel no qual
residem foi declarado como próprio e ali moram por dez anos.
Ademais, as necessidades financeiras são supridas pela irmã do autor.
Convém mencionar que o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, prevê que o benefício mensal de um
salário mínimo (de LOAS ou de outro benefício previdenciário de valor mínimo), recebido por
qualquer membro da família, como única fonte de recursos, não deve ser computado para fins
do cálculo da renda familiar “per capita”.
Portanto, a constatação levada a efeito não demonstra a carência exigida para concessão do
benefício postulado. É de se ressaltar que necessidade e dificuldade financeira não se
confundem, justificando a concessão do benefício assistencial somente a extrema necessidade,
enquanto que a dificuldade financeira é experimentada por grande parcela da população, não
se revestindo de fundamento jurídico para a intervenção estatal de cunho assistencialista.
Note-se que a finalidade do benefício almejado é reverter estado de miserabilidade do idoso ou
do deficiente desprovido de condições de trabalho. No entanto, a miserabilidade não foi
constatada.
Sob o aspecto assistencial, é importante ressaltar que cabe ao conjunto familiar - veja que não
se está falando do núcleo familiar, previsto no parágrafo 1º, artigo 20 da Lei 8.742/93, mas sim
de todas as pessoas da família, ainda que não morem sob o mesmo teto - suprir as
necessidades dos mais próximos, só se admitindo a intervenção estatal quando a situação
econômica não o possibilitar. Havendo capacidade econômica de algum dos membros do grupo
familiar, sem privação do necessário à sua subsistência, o Estado não pode ser chamado. A
intervenção Estatal é, pois, subsidiária ao conjunto familiar, conforme bem preconizam os
artigos 1.694 e ss. Código Civil, a tratarem do direito a alimentos.
Ressalte-se que o já mencionado artigo 203, V, da Constituição é claro ao definir que, para fins
deste benefício, a responsabilidade do Estado é subsidiária, uma vez que deve ser concedido
somente àqueles que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-
la provida por sua família.
Ainda, é de se ressaltar, que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, fora de sua
configuração constitucional, é fator que vem ajudando a comprometer a higidez do orçamento
da Seguridade Social, com graves prejuízos à sociedade. O benefício foi previsto como um
mecanismo apto a retirar pessoas da miséria (abaixo da linha da pobreza) e não como
instrumento apto a alçar à classe média baixa os menos favorecidos ou complementar renda.
Destarte, desatendido o critério econômico/social, tenho que a parte autora não faz jus a
concessão do benefício assistencial de prestação continuada, em conformidade com o disposto
no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, restando prejudicado os demais pedidos da parte ré.
Por fim, sendo o BPC-LOAS um benefício assistencial de caráter transitório, o mesmo poderá
ser novamente requerido, caso a situação fática dos autos se altere no decorrer do tempo,
estando implícita a cláusula rebus sic stantibus.
O artigo 46, combinado com o § 5º do artigo 82, ambos da Lei nº 9.099/95, facultam à Turma
Recursal dos Juizados especiais a remissão aos fundamentos adotados na sentença.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso da parte autora.
Condeno o Recorrente vencido ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em
10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 55, caput, da Lei 9.099/95
c/c art. 85, § 3º, do CPC – Lei nº 13.105/15. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de
assistência judiciária gratuita e recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados
ficará suspenso nos termos do § 3º do art. 98, do CPC – Lei nº 13.105/15.
É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. LAUDO SÓCIO
ECONÔMICO. SEM COMPROVAÇÃO DA MISERABILIDADE. NÃO PREENCHIMENTO DE
AMBOS OS REQUISITOS LEGAIS. CONFIRMAÇÃO PELOS SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS (ART 46, LEI Nº9099/95).
1. Trata-se de recurso interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou
improcedente o pedido, em razão da ausência da miserabilidade da parte autora.
2. Suficiência da renda familiar para garantir a sobrevivência digna do grupo familiar, uma vez
que o benefício assistencial é dirigido às pessoas miseráveis (abaixo da linha da pobreza), o
que não se constatou no caso presente.
4. Recurso da parte autora que se nega provimento. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, visto, relatado e discutido
este processo, em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma Recursal do
Juizado Especial Federal da Terceira Região, Seção Judiciária de São Paulo decidiu, por
unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Juíza Federal Relatora
Fernanda Souza Hutzler, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
