Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5063696-46.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal TANIA REGINA MARANGONI
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
06/03/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/03/2019
Ementa
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS NECESSÁRIOS PARA A
CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS.
IMPOSSIBILIDADE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. CARÁTER ALIMENTAR DO BENEFÍCIO.
- O benefício assistencial está previsto no art. 203 da Constituição Federal, c.c. o art. 20 da Lei nº
8.742/93 e é devido à pessoa que preencher os requisitos legais necessários, quais sejam: 1) ser
pessoa portadora de deficiência que a incapacite para o trabalho, ou idoso com 65 (sessenta e
cinco) anos ou mais, conforme o artigo 34, do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.471/2003) e 2) não
possuir meios de subsistência próprios ou de seus familiares, cuja renda mensal per capita deve
ser inferior a ¼ do salário mínimo.
- O autor, nascido em 16/06/1946, instrui a inicial com documentos.
- Constam dos autos documentos, demonstrando que o autor recebeu, por concessão judicial,
benefício assistencial, no período de 27/07/2000 a 01/07/2016.
- Veio o estudo social e complementação, informando que o autor, com 71 anos de idade, reside
com a esposa, 66. A casa é própria, composta por 5 cômodos, simples, sem forro, guarnecida
com móveis básicos. Não possui telefone fixo, nem celular. Declara que a renda familiar é
totalmente comprometida com as despesas fixas de luz, água, alimentação e medicamentos. O
requerente apresenta problemas de saúde e necessita de medicamentos de uso contínuo. A
renda familiar é proveniente da aposentadoria da esposa, no valor mínimo.
- Além do cumprimento o requisito etário, a hipossuficiência está comprovada, eis que, o autor
não possui renda e os valores auferidos pela esposa são insuficientes para prover suas
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
necessidades básicas, restando demonstrado que sobrevive com dificuldade, considerando,
sobretudo, um núcleo familiar composto por dois idosos, com diversos problemas de saúde.
- A sentença deve ser mantida, para que seja concedido o benefício ao requerente, tendo
comprovado tratar-se de pessoa idosa em situação de miserabilidade, à luz das decisões
referidas, em conjunto com os demais dispositivos da Constituição Federal de 1988, uma vez que
não tem condições de manter seu próprio sustento nem de tê-lo provido por sua família.
- Deve haver de revisão do benefício a cada dois anos, a fim de avaliar as condições que
permitem a continuidade do benefício, em face da expressa previsão legal (art. 21, da Lei nº
8.742/93).
- O termo inicial do benefício deve ser mantido na data da cessação do benefício, eis que o
conjunto probatório demonstra que desde aquele momento já estavam presentes os requisitos
necessários à concessão do amparo social.
- Com relação aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora, deve ser observado o
julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947, bem como o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal em vigor por ocasião da execução do julgado.
- Por ocasião da liquidação, a Autarquia deverá proceder à compensação dos valores recebidos
administrativamente ou em função da tutela antecipada, em razão do impedimento de cumulação.
- Cuidando-se de prestação de natureza alimentar, presentes os pressupostos do art. 300 c.c.
497 do C.P.C., é possível a concessão da tutela de urgência.
- Com base em seu poder de autotutela a Autarquia Previdenciária, pode a qualquer tempo rever
os seus atos para cancelar ou suspender benefícios, quando eivados de vícios que os tornem
ilegais (Súmula 473 do E. STF).
- O C. STJ firmou entendimento segundo o qual demonstrado o recebimento de boa-fé pelo
segurado ou beneficiário, não são passíveis de devolução os valores recebidos a título de
benefício previdenciário ou assistencial, posto que se destinam à sua própria sobrevivência,
circunstância que o reveste de nítido caráter alimentar.
- O recorrido recebeu benefício assistencial, concedido por decisão judicial e cessado pela
Autarquia ao constatar, posteriormente, que a renda mensal da beneficiária era superior a ¼ do
salário mínimo.
- Não se exige a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, notadamente em
razão da natureza alimentar dos benefícios previdenciários e assistenciais.
- Apelo do INSS não provido. Mantida a tutela de urgência.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5063696-46.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. TÂNIA MARANGONI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROQUE PAULO DOMINGUES
Advogados do(a) APELADO: ANA CLAUDIA FURQUIM PINHEIRO - SP247567-N, GUSTAVO
MARTINI MULLER - SP87017-N, HARON GUSMAO DOUBOVETS PINHEIRO - SP279982-N,
ANDREIA DO ESPIRITO SANTO FOGACA - SP327046-N, VICENTE PINHEIRO NETO -
SP361948-N
APELAÇÃO (198) Nº 5063696-46.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. TÂNIA MARANGONI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROQUE PAULO DOMINGUES
Advogados do(a) APELADO: VICENTE PINHEIRO NETO - SP361948-N, ANDREIA DO
ESPIRITO SANTO FOGACA - SP327046-N, HARON GUSMAO DOUBOVETS PINHEIRO -
SP279982-N, GUSTAVO MARTINI MULLER - SP87017-N, ANA CLAUDIA FURQUIM PINHEIRO
- SP247567-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL TÂNIA MARANGONI: Cuida-se de pedido de
concessão de benefício assistencial.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido e condenou o INSS a conceder ao autor o
benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da CF, no valor de um salário mínimo, a partir da
cessação do pagamento do benefício, em 01/07/2016, corrigidos monetariamente e com juros de
mora. Declarou a inexigibilidade do débito relativo aos valores recebidos no período de
01/12/2009 a 31/05/2016. Concedeu a tutela de urgência.
Inconformada apela a Autarquia, sustentando, em síntese, o não preenchimento dos requisitos
legais necessários para concessão do benefício. Pugna pela revogação da tutela de urgência e
pela devolução dos valores recebidos. Subsidiariamente, requer a modificação dos critérios de
incidência de correção monetária.
Processado o recurso, subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
cmagalha
APELAÇÃO (198) Nº 5063696-46.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. TÂNIA MARANGONI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROQUE PAULO DOMINGUES
Advogados do(a) APELADO: VICENTE PINHEIRO NETO - SP361948-N, ANDREIA DO
ESPIRITO SANTO FOGACA - SP327046-N, HARON GUSMAO DOUBOVETS PINHEIRO -
SP279982-N, GUSTAVO MARTINI MULLER - SP87017-N, ANA CLAUDIA FURQUIM PINHEIRO
- SP247567-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL TÂNIA MARANGONI: A questão em debate
consiste em saber se a parte autora faz jus ao benefício que pretende receber, à luz do inciso V
do art. 203 da Constituição Federal e art. 20 da Lei nº 8.742 de 07/12/1993. Para tanto, é
necessário o preenchimento de dois requisitos estabelecidos pelo artigo 20, da Lei Orgânica da
Assistência Social: I) ser pessoa portadora de deficiência que incapacite para o trabalho ou idoso
com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, conforme o artigo 34, do Estatuto do Idoso (Lei nº
10.741/2003) e II) não possuir meios de subsistência próprios ou de familiares.
Importante ressaltar que a Lei 12.435/11 alterou o conceito de família, dando nova redação ao art.
20, § 1º, da Lei nº 8.742/93, não mais remetendo ao art. 16 da Lei nº 8.213/91 para identificação
dos componentes do grupo familiar.
Destaco acerca do parâmetro da renda, que por decisão do Plenário do C. STF, em 18.04.2013,
por ocasião do julgamento do RE 567985 RG/MT, submetido à Repercussão Geral, de relatoria
do e. Ministro Marco Aurélio e relator para o acórdão o e. Min. Gilmar Mendes, foi declarada a
inconstitucionalidade por omissão parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº
8.742/93, que considera hipossuficiente o idoso ou portador de deficiência cuja renda mensal per
capita não atinge ¼ do salário mínimo, nos seguintes termos:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na
ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais
contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos
critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não
pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita
estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se
contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas
leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O
Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do
processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas,
econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade,
do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
Acrescente-se, ainda que o artigo 34, da Lei nº 10.741/2003, prevê que é assegurado o
pagamento de benefício assistencial ao idoso, a partir de 65 anos, desde que não possua
condições de prover o próprio sustento ou tê-lo previsto por sua família. O parágrafo único do
dispositivo citado estabelece que o benefício já concedido a qualquer membro da família não será
computado para fins da apuração da renda per capta a que se refere a LOAS.
Inicialmente, o E. Superior Tribunal de Justiça interpretou de forma restritiva o normativo, entendo
que deveria ser excluído do cálculo da renda per capta tão somente o benefício assistencial
recebido por outro membro do núcleo familiar.
Posteriormente, considerou que também o benefício previdenciário de valor mínimo recebido por
maior de 65 anos não deveria ser considerado no cálculo da renda familiar per capta.
Recentemente, o C. Superior Tribunal de Justiça assentou no julgamento do RESP n.º
1.355.052/SP que o comando normativo previsto no art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/03
(Estatuto do Idoso) deve ser aplicado, por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por
deficiente, em condições de vulnerabilidade social, a fim de que o benefício previdenciário, no
valor de um salário mínimo, recebido por idoso que integra o núcleo familiar, não seja computado
no cálculo da renda per capta.
Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
25/02/2015, DJe 05/11/2015, grifei)
Destaca-se que o E. Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 580.963/MT, julgado sob o
rito da repercussão geral, negou provimento a recurso do INSS e declarou incidenter tantum, a
inconstitucionalidade por omissão parcial, sem pronuncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único
do Estatuto do Idoso.
A Suprema Corte assentou no referido julgado o entendimento de que não há justificativa para a
discriminação dos deficientes em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários do
amparo social ou de benefício previdenciário no valor mínimo.
No caso analisado, o autor, nascido em 16/06/1946, instrui a inicial com documentos.
Constam dos autos documentos, demonstrando que o autor recebeu, por concessão judicial,
benefício assistencial, no período de 27/07/2000 a 01/07/2016.
Veio o estudo social e complementação, informando que o autor, com 71 anos de idade, reside
com a esposa, 66. A casa é própria, composta por 5 cômodos, simples, sem forro, guarnecida
com móveis básicos. Não possui telefone fixo, nem celular. Declara que a renda familiar é
totalmente comprometida com as despesas fixas de luz, água, alimentação e medicamentos. O
requerente apresenta problemas de saúde e necessita de medicamentos de uso contínuo. A
renda familiar é proveniente da aposentadoria da esposa, no valor mínimo.
Neste caso, além do cumprimento o requisito etário, a hipossuficiência está comprovada, eis que,
o autor não possui renda e os valores auferidos pela esposa são insuficientes para prover suas
necessidades básicas, restando demonstrado que sobrevive com dificuldade, considerando,
sobretudo, um núcleo familiar composto por dois idosos, com diversos problemas de saúde.
A sentença deve ser mantida, para que seja concedido o benefício ao requerente, tendo
comprovado tratar-se de pessoa idosa, em situação de miserabilidade, à luz das decisões
referidas, em conjunto com os demais dispositivos da Constituição Federal de 1988, uma vez que
não tem condições de manter seu próprio sustento nem de tê-lo provido por sua família.
Deve haver de revisão do benefício a cada dois anos, a fim de avaliar as condições que permitem
a continuidade do benefício, em face da expressa previsão legal (art. 21, da Lei nº 8.742/93).
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data da cessação do pagamento do benefício,
em 01/07/2016, eis que o conjunto probatório demonstra que desde aquele momento já estavam
presentes os requisitos necessários à concessão do amparo social.
Com relação aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora, deve ser observado o
julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947, bem como o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal em vigor por ocasião da execução do julgado.
Esclareça-se que, por ocasião da liquidação, a Autarquia deverá proceder à compensação dos
valores recebidos administrativamente ou em função da tutela antecipada, em razão do
impedimento de cumulação.
Por fim, cuidando-se de prestação de natureza alimentar, presentes os pressupostos do art. 300
c.c. 497 do C.P.C., é possível a concessão da tutela de urgência.
A propósito da devolução dos valores recebidos a título de amparo social, não obstante o poder
de autotutela a Autarquia Previdenciária, que pode a qualquer tempo rever os seus atos para
cancelar ou suspender benefícios, quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmula 473
do E. STF), o C. STJ firmou entendimento de que, demonstrado o recebimento de boa-fé pelo
segurado ou beneficiário, não são passíveis de devolução os valores recebidos a título de
benefício previdenciário, posto que se destinam à sua própria sobrevivência, circunstância que o
reveste de nítido caráter alimentar.
Confira-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO A MAIOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS
INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO AO INSS. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSILIDADE.
BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA
DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.
1. A violação constitucional dependente da análise do malferimento de dispositivo
infraconstitucional encerra violação reflexa e oblíqua, tornando inadmissível o recurso
extraordinário.
2. O princípio da reserva de plenário não resta violado, nas hipóteses em que a norma em
comento (art. 115 da Lei 8.213/91) não foi declarada inconstitucional nem teve sua aplicação
negada pelo Tribunal a quo, vale dizer: a controvérsia foi resolvida com a fundamento na
interpretação conferida pelo Tribunal de origem a norma infraconstitucional que disciplina a
espécie. Precedentes: AI 808.263-AgR, Primeira Turma Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 16.09.2011;
Rcl. 6944, Pleno, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Dje de 13.08.2010; RE 597.467-AgR, Primeira
Turma, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI Dje de 15.06.2011 AI 818.260-AgR, Segunda
Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Dje de 16.05.2011, entre outros.
3. In casu, o acórdão recorrido assentou: "PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO. COBRANÇA DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER
ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. Esta Corte vem se manifestando no
sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o
caráter aslimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II,
da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Hipótese em que, diante do princípio
da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores
recebidos indevidamente pelo segurado, a título de aposentadoria por tempo de contribuição."
4. Agravo regimental desprovido.
(STF; AI-AgR - AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO; Processo nº 849529; Data do
julgamento: 14.2.2012; Relator: Ministro LUIZ FUX
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, DO CPC. PENSÃO POR MORTE.
REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. PRINCÍPIO DA
IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS.
1. O beneficio de pensão por morte está previsto nos arts. 74 a 79 da Lei n.º 8.213, de
24.07.1991. Para a sua concessão depende cumulativamente da comprovação: a) do óbito ou
morte presumida de pessoa que seja segurada (obrigatória ou facultativa); b) da existência de
beneficiário dependente do de cujus, em idade hábil ou com outras condições necessárias para
receber a pensão; e c) da qualidade de segurado do falecido.
2. Óbito, condição de segurado e qualidade de dependente devidamente comprovados.
3. Não há que se falar em devolução dos valores pagos a mais as beneficiárias Simone Cristina
de Macedo e Maria Aparecida dos Santos. Em razão do princípio da irrepetibilidade dos
alimentos, da boa-fé e da natureza alimentar do benefício previdenciário, não há que se falar em
devolução dos valores pagos. Precedente.
4. Recurso de Agravo legal a que se nega provimento.
(Tribunal Regional Federal da 3ª Região; AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1577002; Processo nº
00062140720084036111; Órgão Julgador: SÉTIMA TURMA; Fonte: e-DJF3 Judicial 1
DATA:18/09/2013; Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS)
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO. AUXÍLIO-DOENÇA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES
PERCEBIDOS. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. PRINCÍPIO DA
IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS.
I - A jurisprudência é pacífica no sentido de ser indevida a restituição das verbas de caráter
alimentar percebidas de boa-fé, indiscutível no caso dos autos, e em respeito ao princípio da
irrepetibilidade dos alimentos.
II - Não se trata de propiciar o enriquecimento sem causa, mas sim de, em obediência ao
princípio constitucional da proporcionalidade, render-se aos ditames da dignidade da pessoa
humana.
III - Agravo a que se nega provimento.
(Tribunal Regional Federal da 3ª Região; AMS - APELAÇÃO CÍVEL - 333516; Processo nº
00016188720114036106; Órgão Julgador: DÉCIMA TURMA; Fonte: -DJF3 Judicial 1
DATA:28/08/2013; Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL WALTER DO AMARAL)
No caso dos autos, o recorrida recebeu benefício assistencial, concedida por decisão judicial e
cessado pela Autarquia ao constatar, posteriormente, que a renda mensal do beneficiário era
superior a ¼ do salário mínimo.
Assim, não se exige a devolução dos valores recebidos de boa-fé pela segurada, notadamente
em razão da natureza alimentar dos benefícios previdenciários e assistenciais.
Logo, nego provimento à apelação do INSS.
Benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, com DIB em 13/07/2016 (data do
requerimento na via administrativa). Mantenho a tutela de urgência.
É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS NECESSÁRIOS PARA A
CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS.
IMPOSSIBILIDADE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. CARÁTER ALIMENTAR DO BENEFÍCIO.
- O benefício assistencial está previsto no art. 203 da Constituição Federal, c.c. o art. 20 da Lei nº
8.742/93 e é devido à pessoa que preencher os requisitos legais necessários, quais sejam: 1) ser
pessoa portadora de deficiência que a incapacite para o trabalho, ou idoso com 65 (sessenta e
cinco) anos ou mais, conforme o artigo 34, do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.471/2003) e 2) não
possuir meios de subsistência próprios ou de seus familiares, cuja renda mensal per capita deve
ser inferior a ¼ do salário mínimo.
- O autor, nascido em 16/06/1946, instrui a inicial com documentos.
- Constam dos autos documentos, demonstrando que o autor recebeu, por concessão judicial,
benefício assistencial, no período de 27/07/2000 a 01/07/2016.
- Veio o estudo social e complementação, informando que o autor, com 71 anos de idade, reside
com a esposa, 66. A casa é própria, composta por 5 cômodos, simples, sem forro, guarnecida
com móveis básicos. Não possui telefone fixo, nem celular. Declara que a renda familiar é
totalmente comprometida com as despesas fixas de luz, água, alimentação e medicamentos. O
requerente apresenta problemas de saúde e necessita de medicamentos de uso contínuo. A
renda familiar é proveniente da aposentadoria da esposa, no valor mínimo.
- Além do cumprimento o requisito etário, a hipossuficiência está comprovada, eis que, o autor
não possui renda e os valores auferidos pela esposa são insuficientes para prover suas
necessidades básicas, restando demonstrado que sobrevive com dificuldade, considerando,
sobretudo, um núcleo familiar composto por dois idosos, com diversos problemas de saúde.
- A sentença deve ser mantida, para que seja concedido o benefício ao requerente, tendo
comprovado tratar-se de pessoa idosa em situação de miserabilidade, à luz das decisões
referidas, em conjunto com os demais dispositivos da Constituição Federal de 1988, uma vez que
não tem condições de manter seu próprio sustento nem de tê-lo provido por sua família.
- Deve haver de revisão do benefício a cada dois anos, a fim de avaliar as condições que
permitem a continuidade do benefício, em face da expressa previsão legal (art. 21, da Lei nº
8.742/93).
- O termo inicial do benefício deve ser mantido na data da cessação do benefício, eis que o
conjunto probatório demonstra que desde aquele momento já estavam presentes os requisitos
necessários à concessão do amparo social.
- Com relação aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora, deve ser observado o
julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947, bem como o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal em vigor por ocasião da execução do julgado.
- Por ocasião da liquidação, a Autarquia deverá proceder à compensação dos valores recebidos
administrativamente ou em função da tutela antecipada, em razão do impedimento de cumulação.
- Cuidando-se de prestação de natureza alimentar, presentes os pressupostos do art. 300 c.c.
497 do C.P.C., é possível a concessão da tutela de urgência.
- Com base em seu poder de autotutela a Autarquia Previdenciária, pode a qualquer tempo rever
os seus atos para cancelar ou suspender benefícios, quando eivados de vícios que os tornem
ilegais (Súmula 473 do E. STF).
- O C. STJ firmou entendimento segundo o qual demonstrado o recebimento de boa-fé pelo
segurado ou beneficiário, não são passíveis de devolução os valores recebidos a título de
benefício previdenciário ou assistencial, posto que se destinam à sua própria sobrevivência,
circunstância que o reveste de nítido caráter alimentar.
- O recorrido recebeu benefício assistencial, concedido por decisão judicial e cessado pela
Autarquia ao constatar, posteriormente, que a renda mensal da beneficiária era superior a ¼ do
salário mínimo.
- Não se exige a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, notadamente em
razão da natureza alimentar dos benefícios previdenciários e assistenciais.
- Apelo do INSS não provido. Mantida a tutela de urgência. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
