Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0009239-39.2014.4.03.6104
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
28/11/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 02/12/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL RECEBIDO DE BOA FÉ. ERRO DA
ADMINISTRAÇÃO. NATUREZA ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES.
DESCONTOS JÁ EFETUADOS. DESNECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO PELA
ADMINISTRAÇÃO.
1. Restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal, ser desnecessária a restituição dos
valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da
irrepetibilidade dos alimentos (MS 26085, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno; RE
587371, Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno; RE 638115, RE 638115, Relator Ministro
Gilmar Mendes, Tribunal Pleno).
2. De sua vez, o e. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de ser indevida a
restituição de valores recebidos de boa fé em decorrência de erro da Administração.
3. Quanto aos descontos já efetuados pelo INSS, não há que se falar em restituição à parte
autora, uma vez que foram realizados no âmbito administrativo, no exercício do poder-dever da
autarquia de apurar os atos ilegais, nos termos da Súmula 473, do STF. Uma vez descontado
pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores, compelindo a Administração
a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do benefício não abarca as
prestações já descontadas e que não eram devidas pelo INSS.
4. Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições contidas
nos §§ 2º, 3º, I, e 4º do Art. 85, e no Art. 86, do CPC.
5. Apelaçãoprovida em parte.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0009239-39.2014.4.03.6104
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: MARIA CLARA FELICIANO SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ARTHUR FRUMENTO JR - SP247197
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0009239-39.2014.4.03.6104
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: MARIA CLARA FELICIANO SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ARTHUR FRUMENTO JR - SP247197
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta nos autos de ação de conhecimento em que se objetiva seja
declarada a inexistência do valor de R$60.755,35, recebido a título de benefício assistencial (NB
570.055.897-8), com a cessação dos descontos mensais em sua pensão por morte, bem como a
devolução dos valores já descontados.
O MM. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora nos honorários
advocatícios de 10% sobre o valor da causa, observando tratar-se de beneficiária da justiça
gratuita.
Inconformada, pleiteia a parte autora a reforma da r. sentença.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0009239-39.2014.4.03.6104
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: MARIA CLARA FELICIANO SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ARTHUR FRUMENTO JR - SP247197
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A autora é titular de benefício de pensão por morte desde 13/03/2014 (ID 90062535,p. 19) e
recebeu benefício assistencial no período de 18/07/06 a 12/03/14.
A apelante, quando do requerimento do benefício assistencial em 18/07/06, declarou que era
casada, mas que residia sozinha (ID 90062535, págs. 51/52).
Apresentou, ainda, a declaração de que não possuía nenhuma fonte de rendimento e
esporadicamente recebia ajuda de terceiros (ID 90062535, p. 54).
Forneceu a declaração de separação de corpos com seu esposo, Sr. Milton Santos, de 03/07/06
(ID 90062535,p. 55), que já perdurava03 (três) anos separados.
Na certidão de casamento dos autos não consta qualquer averbação (ID 90062535, p. 57).
O INS,S no processo administrativo, alega que a autora, quando requereu a pensão por morte
apresentou a certidão sem averbação, motivo pelo qual a união conjugal nunca foi rompida (ID
90062535, p. 49).
É sabido que a simples separação de corpos não é averbada na certidão de casamento.
Ademais, a separação, por si só, não impede a concessão da pensão por morte.
A autarquia informa ainda no processo administrativoas testemunhas inquiridas afirmaram que a
autora e o Sr. Milton Santos nunca romperam a relação conjugal, todavia, não trouxe aos autos o
depoimento de tais testemunhas.
A autora, no momento do requerimento administrativo do benefício assistencial em 2006,
informou, sim, que era casada, mas que morava sozinha pois estava separada de fato, o que
demonstra que não tinha qualquer intenção de mentir sobre seu real estado civil.
Se a autarquia, com todas estas informações, ainda tivesse dúvidas sobre as declarações
prestadas pela autora quando do requerimento do benefício assistencial, lhe restava indeferir ou
requerer mais provas. Mas assim não o fez e deferiu o benefício.
Assim, pelo que consta dos autos, os valores foram recebidos de boa-fé e por erro da
Administração. Em razão da natureza alimentar do benefício recebido, não há que se falar em
restituição desses valores.
Restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal, ser desnecessária a restituição dos valores
recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos
alimentos.
Confira-se:
"MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO QUE
CONSIDEROU ILEGAL APOSENTADORIA E DETERMINOU A RESTITUIÇÃO DE VALORES.
ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS DE PROFESSOR. AUSÊNCIA DE COMPATIBILIDADE
DE HORÁRIOS. UTILIZAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA OBTENÇÃO DE VANTAGENS
EM DUPLICIDADE (ARTS. 62 E 193 DA LEI N. 8.112/90). MÁ- FÉ NÃO CONFIGURADA.
DESNECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS. INOCORRÊNCIA DE
DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AO DIREITO ADQUIRIDO.
1. A compatibilidade de horários é requisito indispensável para o reconhecimento da licitude da
acumulação de cargos públicos. É ilegal a acumulação dos cargos quando ambos estão
submetidos ao regime de 40 horas semanais e um deles exige dedicação exclusiva.
2. O § 2º do art. 193 da Lei n. 8.112/1990 veda a utilização cumulativa do tempo de exercício de
função ou cargo comissionado para assegurar a incorporação de quintos nos proventos do
servidor (art. 62 da Lei n. 8.112/1990) e para viabilizar a percepção da gratificação de função em
sua aposentadoria (art. 193, caput, da Lei n. 8.112/1990). É inadmissível a incorporação de
vantagens sob o mesmo fundamento, ainda que em cargos públicos diversos.
3. O reconhecimento da ilegalidade da cumulação de vantagens não determina,
automaticamente, a restituição ao erário dos valores recebidos, salvo se comprovada a má- fé do
servidor, o que não foi demonstrado nos autos.
4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem-se firmado no sentido de que, no exercício
da competência que lhe foi atribuída pelo art. 71, inc. III, da Constituição da República, o Tribunal
de Contas da União cumpre os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo
legal quando garante ao interessado - como se deu na espécie - os recursos inerentes à sua
defesa plena.
5. Ato administrativo complexo, a aposentadoria do servidor, somente se torna ato perfeito e
acabado após seu exame e registro pelo Tribunal de Contas da União.
6. Segurança parcialmente concedida.
(STF , MS 26085, Relatora Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2008, DJe-107
divulg 12-06-2008 public 13-06-2008 ement vol-02323-02 PP-00269 RTJ VOL-00204-03 PP-
01165)".
Ainda, no julgamento do RE 587.371, o Pleno do STF ressaltou, conforme excerto do voto do
Ministro Relator: "... 2) preservados, no entanto, os valores da incorporação já percebidos pelo
recorrido, em respeito ao princípio da boa - fé , (...)" ( STF , RE 587371, Relator: Min. Teori
Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/2013, acórdão eletrônico Repercussão Geral - Mérito,
DJe-122 divulg 23.06.2014, public 24.06.2014).
E, o Pleno do STF, ao julgar o RE 638115, novamente decidiu pela irrepetibilidade dos valores
recebidos de boa fé, conforme a ata de julgamento de 23.03.2015, abaixo transcrita:
"Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, apreciando o tema 395 da repercussão geral,
conheceu do recurso extraordinário, vencidos os Ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia
e Celso de Mello. Em seguida, o Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário,
vencidos os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello. O Tribunal, por maioria, modulou
os efeitos da decisão para desobrigar a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelos
servidores até esta data, nos termos do voto do relator, cessada a ultra-atividade das
incorporações concedidas indevidamente, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os
efeitos da decisão. Impedido o Ministro Roberto Barroso. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo
Lewandowski. Plenário, 19.03.2015.
(RE 638115, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2015, processo
eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-151 divulg 31-07-2015 public 03-08-2015)".
De sua vez, o e. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de ser indevida a
restituição de valores recebidos de boa fé em decorrência de erro da Administração:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULA 211/STJ. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. PENSÃO POR
MORTE. FILHA MAIOR SOLTEIRA NÃO OCUPANTE DE CARGO PÚBLICO. UNIÃO ESTÁVEL.
CONDIÇÃO DE SOLTEIRA. AUSÊNCIA DE REQUISITO LEGAL. DESCARACTERIZAÇÃO.
IRREPETIBILIDADE DAS VERBAS ALIMENTARES RECEBIDAS DE BOA-FÉ. ENTENDIMENTO
CONSOLIDADO DO STJ. PRECEDENTES. SÚMULA 83 DO STJ.
1. ... "omissis".
2. ... "omissis".
3. Na hipótese dos autos, a jurisprudência pacífica do STJ é no sentido da impossibilidade de
devolução, em razão do caráter alimentar aliado à percepção de boa-fé, dos valores percebidos
por beneficiário da Previdência Social, por erro da Administração, aplicando ao caso o princípio
da irrepetibilidade dos alimentos.
4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(REsp 1721750/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
19/04/2018, DJe 23/05/2018);
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. DESCONTO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
DA APOSENTADORIA DO SEGURADO. IMPOSSIBILIDADE. CARÁTER ALIMENTAR DO
BENEFÍCIO. RESTITUIÇÃO. PRECEDENTES: RESP 1.550.569/SC, REL. MIN. REGINA
HELENA COSTA, DJE 18.5.2016; RESP 1.553.521/CE, REL. MIN. HERMAN BENJAMIN, DJE
2.2.2016; AGRG NO RESP 1.264.742/PR, REL. MIN. NEFI CORDEIRO, DJE 3.9.2015. AGRAVO
DESPROVIDO.
1. Esta Corte tem o entendimento de que, em face da hipossuficiência do segurado e da natureza
alimentar do benefício, e tendo a importância sido recebida de boa-fé por ele, mostra-se inviável
impor ao benefíciário a restituição das diferenças recebidas.
Precedentes: REsp. 1.550.569/SC, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 18.5.2016; REsp.
1.553.521/CE, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 2.2.2016; AgRg no REsp. 1.264.742/PR, Rel.
Min. NEFI CORDEIRO, DJe 3.9.2015.
2. Ressalta-se que o presente julgamento debate tema distinto daquele sedimentado na
apreciação do REsp. 1.401.560/MT, representativo de controvérsia, não se referindo à devolução
de verbas conferidas por decisão precária, a título de tutela antecipada.
3. Agravo Interno do INSS desprovido.
(AgInt no REsp 1441615/SE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 24/08/2016)".
Todavia, em relação aos descontos já efetuados pelo INSS, não há que se falar em restituição à
parte autora, uma vez que foram realizados no âmbito administrativo, no exercício do poder-dever
da autarquia de apurar os atos ilegais, nos termos da Súmula 473, do STF:
"A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais,
porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Uma vez descontado pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores,
compelindo a Administração a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do
benefício não abarca as prestações já descontadas e que não eram devidas pela autarquia.
Destarte, é de se reformar a r. sentença para declarar a inexigibilidade da cobrança dos valores
recebidos a título de benefício assistencial, todavia sem a devolução dos valores já descontados
na pensão por morte.
Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições contidas nos
§§ 2º, 3º, I, e 4º do Art. 85, e no Art. 86, do CPC. A autarquia previdenciária está isenta das
custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A, da Lei 9.028/95,
com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93 e a parte
autora, por ser beneficiária da assistência judiciária integral e gratuita, está isenta de custas,
emolumentos e despesas processuais.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL RECEBIDO DE BOA FÉ. ERRO DA
ADMINISTRAÇÃO. NATUREZA ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES.
DESCONTOS JÁ EFETUADOS. DESNECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO PELA
ADMINISTRAÇÃO.
1. Restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal, ser desnecessária a restituição dos
valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da
irrepetibilidade dos alimentos (MS 26085, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno; RE
587371, Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno; RE 638115, RE 638115, Relator Ministro
Gilmar Mendes, Tribunal Pleno).
2. De sua vez, o e. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de ser indevida a
restituição de valores recebidos de boa fé em decorrência de erro da Administração.
3. Quanto aos descontos já efetuados pelo INSS, não há que se falar em restituição à parte
autora, uma vez que foram realizados no âmbito administrativo, no exercício do poder-dever da
autarquia de apurar os atos ilegais, nos termos da Súmula 473, do STF. Uma vez descontado
pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores, compelindo a Administração
a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do benefício não abarca as
prestações já descontadas e que não eram devidas pelo INSS.
4. Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições contidas
nos §§ 2º, 3º, I, e 4º do Art. 85, e no Art. 86, do CPC.
5. Apelaçãoprovida em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Decima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento a apelacao, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
