Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000945-74.2019.4.03.6313
Relator(a)
Juiz Federal MARISA REGINA AMOROSO QUEDINHO CASSETTARI
Órgão Julgador
9ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
03/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 11/11/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. ART. 20 DA LEI Nº 8.742/93.
CRITÉRIO SUBJETIVO DEMONSTRADO NOS AUTOS. AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE.
NÃO COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. MANUTENÇÃO DO AUTOR
PROVIDA POR SUA FAMÍLIA. RECURSO IMPROVIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
9ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000945-74.2019.4.03.6313
RELATOR:26º Juiz Federal da 9ª TR SP
RECORRENTE: D. H. M. D. S. D. A.
Advogado do(a) RECORRENTE: DOUGLAS GONCALVES CAMPANHA - SP350073-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000945-74.2019.4.03.6313
RELATOR:26º Juiz Federal da 9ª TR SP
RECORRENTE: D. H. M. D. S. D. A.
Advogado do(a) RECORRENTE: DOUGLAS GONCALVES CAMPANHA - SP350073-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora em face da sentença que julgou
improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial.
Alega, em síntese, que preenche os requisitos legais necessários para o reconhecimento do
direito à assistência pleiteada, previstos no artigo 20, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.742/93.
Requer a reforma da sentença, para que seja julgado procedente o pedido, a fim de que lhe
seja concedido o benefício de amparo social à pessoa com deficiência.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000945-74.2019.4.03.6313
RELATOR:26º Juiz Federal da 9ª TR SP
RECORRENTE: D. H. M. D. S. D. A.
Advogado do(a) RECORRENTE: DOUGLAS GONCALVES CAMPANHA - SP350073-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Estabelece o artigo 20 da Lei nº 8.742/93, combinado com o artigo 34 do Estatuto do Idoso, que
o benefício assistencial é concedido a partir da verificação de dois requisitos: deficiência ou
idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos, e hipossuficiência individual ou familiar
para prover a subsistência da pessoa deficiente ou idosa.
Não obstante, nos termos do que dispõe o § 4º, do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com redação
conferida pela Lei nº 12.435, de 2011, o benefício pleiteado na presente demanda não pode ser
acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da Seguridade Social ou de outro
regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. Na
hipótese de procedência do pedido, a efetiva implantação do Benefício Assistencial de
Prestação Continuada estará condicionada ao desligamento de qualquer outro programa
governamental de transferência direta de renda, cujo valor percebido mensalmente seja inferior
a 01 (um) salário-mínimo, como o “Bolsa Família”, por exemplo, ao qual a parte, eventualmente,
esteja inserida.
Compulsando os autos, verifico que o primeiro requisito foi suficientemente atendido.
O artigo 4º, § 1º, do Decreto n.º 6.214/2007, com redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011,
assinala que, “para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação Continuada às
crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a existência
da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da
participação social, compatível com a idade”, sendo dispensável proceder à avaliação da
incapacidade para o trabalho.
Conforme se extrai do laudo médico pericial elaborado em juízo, na especialidade “Neurologia”,
o recorrido, nascido em 16/10/2013, atualmente com 08 anos de idade, é portador de quadro
neurológico compatível com transtorno do espectro autista, e, embora seja menor impúbere, o
que prejudica a análise de incapacidade para o exercício de atividade laborativa, apresenta
baixo rendimento escolar e dificuldade para se alimentar. Em conclusão, atestou o i. jurisperito
que, do ponto de vista neurológico, o periciando possui incapacidade parcial e permanente para
as atividades habituais de sua faixa etária.
Assim, ante as conclusões do laudo pericial, as quais revelam que o autor apresenta
importantes limitações, que impedem o pleno desempenho das atividades comuns a uma
criança de sua idade, e implicam em restrição de sua participação social, compatível com sua
idade, concluo que ele se enquadra no conceito de pessoa portadora de deficiência.
Atendido o requisito subjetivo, passo à análise do pressuposto objetivo, atinente à
hipossuficiência econômica do recorrente.
Nesse ponto, importa registrar que as questões discutidas no presente recurso já foram
pacificadas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Recursos Extraordinários
567.985/MT e 580.963/PR, sob a sistemática da Repercussão Geral.
O Ministro Gilmar Mendes, relator para os acórdãos, consignou que a decisão do Supremo
Tribunal Federal proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF - a qual
considerou, na oportunidade, que o § 3º, do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 não é, por si só,
incompatível com a Constituição Federal - não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em
concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Com fundamento no princípio da proibição de proteção insuficiente, o Tribunal entendeu que o §
3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/1993 cumpriu apenas de forma parcial o dever constitucional de
efetivar o inciso V, do art. 203, da Constituição Federal; configurando, assim, omissão
inconstitucional parcial originária.
Por outro lado, a superveniente edição de leis instituidoras de programas de assistência social
no Brasil, que utilizam, atualmente, o valor de ½ salário mínimo como referencial econômico
para a concessão dos respectivos benefícios, revela, em primeiro lugar, um indicador bastante
razoável de que o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está defasado e mostra-
se atualmente inadequado como único critério para aferir a miserabilidade exigida pela lei. Em
segundo lugar, constitui um fato revelador de que o próprio legislador vem reinterpretando o art.
203 da Constituição da República segundo parâmetros econômico-sociais distintos daqueles
que serviram de base para a edição da LOAS no início da década de 1990. Esses são fatores
que razoavelmente indicam que, ao longo dos vários anos desde a sua promulgação, o § 3º do
art. 20 da LOAS teve modificada sua interpretação.
Segundo o eminente relator Ministro Gilmar Mendes, trata-se de uma inconstitucionalidade que
é resultado de um processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios
assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal negou provimento ao Recurso
Extraordinário nº 567.985 e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, para que seja analisado, em
concreto e caso a caso, a efetiva falta de meios para que o deficiente ou o idoso possa prover a
própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
De outro lado, especificamente quanto à interpretação extensiva ao parágrafo único, do art. 34,
da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), o Supremo Tribunal Federal, na mesma Sessão
Plenária, por maioria, negou provimento ao Recurso Extraordinário nº 580.963 e declarou,
incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial por omissão, sem pronúncia de nulidade, ao
fundamento de que não existe justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em
relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo.
Importa registrar, ainda, que foi editada recente Súmula pela Turma Regional de Uniformização
dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, com o seguinte teor:
SÚMULA Nº 21 - " Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério
objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a
qual poderá ser infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½
salário mínimo."
O requisito da hipossuficiência econômica, portanto, há de ser verificado de forma
individualizada pelo magistrado, de acordo com as condições socioeconômicas e
especificidades do caso concreto.
A meu ver, o limite de renda mensal familiar per capita de ½ salário mínimo recentemente
adotado como critério para aferição da miserabilidade em programas sociais como o Fome
Zero, o Renda Mínima e o Bolsa Escola, pode ser adotado como critério de apuração da
miserabilidade para concessão do benefício assistencial - LOAS, desde que os demais
elementos do laudo socioeconômico indiquem a miserabilidade, ou seja, a renda per capta
superior a 1/4 do salário mínimo e até 1/2 salário mínimo per capita, por si só, não pode impedir
a concessão do referido benefício. Ora, referida renda deve ser cotejada e analisada em
conjunto com os demais elementos de prova, em especial a descrição do quadro social do
grupo familiar.
No caso dos autos, as informações contidas no laudo socioeconômico levam à conclusão de
que o recorrente não se encontra em condição de miserabilidade.
Conforme se extrai do laudo socioeconômico anexado aos autos (visita domiciliar realizada em
16/02/2020), o recorrente, nascido em 16/10/2013, menor impúbere, estudante, reside com sua
genitora, Sra. Rafaela Aparecida Mesquita dos Santos, nascida em 26/11/1991, divorciada, com
ensino médio completo, e com sua irmã, Sara Mesquita dos Santos Aquino, nascida em
26/11/2015, estudante.
Quanto ao pai do autor, consta que o Sr. Adinei Helber dos Santos de Aquino, 27 anos,
encontra-se casado com outra pessoa, possui três filhos, trabalha junto com a atual esposa
numa casa de ração. A genitora do recorrente relatou que não sabe o endereço de residência
do Sr. Adinei, que ele não paga pensão alimentícia aos filhos, e que requereu judicialmente a
pensão e aguarda decisão.
Residem há um ano e três meses em imóvel alugado, construído em alvenaria, composto por
01 quarto, sala, cozinha e banheiro, situado em rua asfaltada, com muro e portão pequeno de
ferro. Consta que o imóvel e os móveis encontram-se em bom estado de conservação e boas
condições de higiene. Possui rede de esgoto, água tratada, luz elétrica, coleta de lixo,
transporte coletivo e posto de saúde nas proximidades da moradia.
Importa observar que os registros constantes do laudo socioeconômico, inclusive fotográficos,
concernentes ao padrão da residência, bem como ao mobiliário e outros bens localizados no
domicílio do recorrente, denotam que este não se enquadra na condição de miserabilidade
eleita pelo legislador como condicionante para a concessão do benefício pleiteado.
No que concerne à sua subsistência, consta do laudo social que “a sobrevivência do autor é
provida pela renda da mãe que faz “bico” fazendo bolo em casa e vende de porta em porta ás
quintas e sexta feiras, auferindo uma média de R$ 250,00 por mês e da ajuda do avô materno
que paga aluguel, convênio, alimentos (principalmente com leite especial neocate + pediasure),
sky, água, luz e gás de cozinha”.
Importa observar, ainda, que, segundo informado durante a perícia social, o pai do recorrente,
Sr. Adinei Helber dos Santos de Aquino, está vivo e exerce atividade remunerada. Portanto, o
pai do autor, ainda que não resida com seu filho, possui o dever legal de prestar alimentos. Tal
circunstância não pode ser ignorada, haja vista o dever de amparo imputado à família. O auxílio
estatal deve ser subsidiário, ou seja, deve ser concedido apenas quando a família não puder
suprir as necessidades da parte autora.
O benefício de prestação continuada (LOAS) é subsidiário e para sua concessão não se deve
ignorar o dever legal de prestação de alimentos previsto no Código Civil, especialmente no
presente caso, em que o requerente é portador de deficiência.
Considerando, portanto, que todas as despesas e necessidades do recorrente vem sendo
supridas por sua família, em especial por seu avô materno, que arca com os gastos referentes a
aluguel da moradia, alimentação, convênio médico, além de despesas com água, luz e gás, e,
ainda, considerando a obrigação legal de seu genitor em prestar-lhe assistência financeira,
entendo que ainda que apresente dificuldades financeiras, realidade que não se distancia da
grande maioria da população brasileira, a família do recorrente tem condições de lhe
proporcionar o mínimo necessário para sua subsistência. Não restou demonstrada, assim,
situação de vulnerabilidade social.
Saliente-se que a obrigação do Estado de garantir o mínimo à subsistência das pessoas idosas
ou deficientes é subsidiária, recaindo referida obrigação, em primeiro lugar, sobre a família do
hipossuficiente, uma vez que a Lei Orgânica da Assistência Social estabelece que o benefício
assistencial será devido a quem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-
la provida por sua família.
Importa registrar que o Código Civil, em seus artigos 1.694 a 1.710, estabelece a obrigação
recíproca de prestação de alimentos entre pais e filhos, que devem ser fixados na proporção
das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, quando quem os pretende
não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de
quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
É de se observar, por fim, que o benefício em causa não tem por fim a complementação da
renda familiar, nem tampouco possui a finalidade de proporcionar maior conforto ao
beneficiário, mas, sim, destina-se ao idoso ou ao deficiente em estado de penúria, que
comprove os requisitos legais, sob pena de ser concedido indiscriminadamente em prejuízo
daqueles que realmente necessitam, na forma da lei.
Destaque-se, ainda, que os recursos da seguridade social, como um todo, são finitos, mesmo
em um país de necessidades sociais infinitas. Por esse motivo, adota-se o princípio da
seletividade da cobertura, pelo qual são eleitos pelo legislador riscos sociais a serem
protegidos. Considerando-se os recursos disponíveis, a concessão do benefício assistencial na
presente hipótese viola não só as disposições constitucionais e infraconstitucionais já
apontadas, mas também o próprio princípio da seletividade.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso, mantendo a sentença de improcedência do pleito
autoral.
Condeno a parte recorrente ao pagamento de honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez
por cento) do valor da causa, nos termos do artigo 55 da Lei federal nº 9.099/1995 (aplicado
subsidiariamente), cujo montante deverá ser corrigido monetariamente desde a data do
presente julgamento colegiado (artigo 1º, § 1º, da Lei federal nº 6.899/1981), de acordo com os
índices da Justiça Federal (“Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça
Federal”, aprovado pela Resolução nº 134/2010, com as alterações da Resolução nº 267/2013,
ambas do Conselho da Justiça Federal – CJF).
Na hipótese, enquanto a parte autora for beneficiária de assistência judiciária gratuita, o
pagamento dos valores mencionados ficará suspenso, nos termos do artigo 98, § 3º, do Novo
Código de Processo Civil.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. ART. 20 DA LEI Nº 8.742/93.
CRITÉRIO SUBJETIVO DEMONSTRADO NOS AUTOS. AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE.
NÃO COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. MANUTENÇÃO DO AUTOR
PROVIDA POR SUA FAMÍLIA. RECURSO IMPROVIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Visto, relatado e discutido
este processo, em que são partes as acima indicadas, decide a Nona Turma Recursal do
Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por unanimidade,
negar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do voto da Juíza Federal Relatora.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Juízes Federais Marisa Regina Amoroso
Quedinho Cassettari, Alessandra de Medeiros Nogueira Reis e Danilo Almasi Vieira Santos.
São Paulo, 28 de outubro de 2021 (data do julgamento)., nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA