APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5347740-43.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: V. B. R.
REPRESENTANTE: CIRLEIA ARAUJO BEZERRA
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO ANTONIO TEIXEIRA - SP260383-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5347740-43.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: V. B. R.
REPRESENTANTE: CIRLEIA ARAUJO BEZERRA
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO ANTONIO TEIXEIRA - SP260383-N,
R E L A T Ó R I O
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp 1355052 /SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015)
"Art.4º Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
(...)
§ 1º Para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação Continuada às crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social, compatível com a idade".
As moléstias que acometem o requerente acarretam limitação de sua atividade cognitiva, restringindo sua participação social, conforme se depreende do laudo médico e, bem como, do relato da instituição de ensino frequentada pelo Autor (id 145503734, pág. 10/11), portanto, vislumbro caracterizada a sua deficiência, nos termos da Lei assistencial (art. 20, § 2°: "...considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas").
No tocante à miserabilidade, o estudo social (id 145503733), de 29.11.2019, informou que o Autor vive com seus genitores, em imóvel alugado, de alvenaria, com “piso cerâmica e chão de terra batida”, contendo “cama, colchão, guarda-roupa, DVD e uma TV para uso pessoal do Autor que tem atenção e interesse por filmes e vídeos infantis... adaptação do banheiro com colocação de barras de apoio para facilitar a higienização (banho) do Autor que não permanece sentado em cadeira (de banho); móveis, eletrodomésticos, TV, e objetos para compor o ambiente do lar, trazendo o mínimo de conforto e bem estar ao Autor e seus genitores”.
A renda familiar advém de labor informal exercido pelo genitor do Autor, no valor aproximado de R$ 560,00.
As despesas alegadas alcançam o total de R$ 790,50, dentre as quais friso as com aluguel de R$ 300,00 e medicamentos de R$ 156,00.
Concluiu a Assistente Social que “a baixa renda per capita faz com que o Autor enfrente dificuldades financeiras, a medida em que não vem sendo atendido na totalidade de suas necessidades pessoais básicas, principalmente em relação ao aspecto saúde, o que o expõe a situação de risco e vulnerabilidade social, conforme foi demonstrado no decorrer deste Estudo Socioeconômico”.
Destarte, entendo que o Autor está submetido a risco social.
Assim sendo, diante do conteúdo probatório dos autos, entendo que restaram preenchidos os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial, sendo de rigor a manutenção da r. sentença de procedência do pedido autoral, nos termos da r. sentença.
Saliento que os rendimentos auferidos pelo genitor nos meses de maio e junho de 2020 (R$ 3.072,26 e R$ 3.174,30, respectivamente), a despeito de constituírem valores elevados, perduraram por somente dois meses, sendo insuficientes para afastar a miserabilidade demonstrada.
TERMO INICIAL
O dies a quo do benefício de prestação continuada deve corresponder à data em que a Autarquia Previdenciária tomou conhecimento do direito da parte autora e se recusou a concedê-lo.
Conforme dados constantes do sistema CNIS, verifico que o genitor do Autor, à época do requerimento administrativo (julho de 2018) e meses posteriores, auferiu os seguintes salários: no ano de 2018, em julho, auferiu R$ 1.341,18, em agosto R$ 1.579,46, em setembro R$ 2.016,40, em outubro R$ 1.694,29, em novembro R$ 2.665,79 (sem renda em dezembro) e em 2019 (de janeiro a março sem salários), em abril, R$ 1.653,08, em maio R$ 3.782,71, em junho R$ 3.782,71, em julho R$ 3.102,94, em agosto R$ 3.794,09, em setembro R$ 3.908,92 e em outubro R$ 1.575,16 (permanecendo sem rendimentos até maio e junho de 2020, quando percebeu R$ 3.072,26 e R$ 3.174,30).
Assim sendo, a renda do genitor do Autor, a partir da data do requerimento administrativo (02.07.2018), resulta em renda familiar incompatível com a alegada miserabilidade até outubro de 2019.
Nestes termos, não havendo demonstração do preenchimento do requisito da miserabilidade quando do requerimento administrativo, acolho o parecer do Ministério Público Federal e fixo o termo inicial na data de realização do estudo social, ou seja, em 29.11.2019 (id 145503733, pág. 3), quando preenchidos os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência.
Ante o exposto, acolho o parecer do Ministério Público Federal e dou parcial provimento à apelação do INSS, para fixar o termo inicial do benefício na data de realização do estudo social, observados os honorários advocatícios, na forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Comprovado nos autos a deficiência e a miserabilidade.
- O CNIS juntado aos autos (id 145503786), informa que o genitor da parte autora percebeu nos meses de maio/2020 e junho/2020 valores que afastam a necessária miserabilidade para fins do recebimento do benefício assistencial (R$ 3.072,26 e R$ 3.174,30, respectivamente).
- Termo inicial na data de realização do estudo social, ou seja, em 29.11.2019 (id 145503733, pág. 3), quando preenchidos os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.
- A fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal. Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência.
- Recurso do INSS parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu acolher o parecer do Ministério Público Federal e, por maioria, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Desembargador Federal Batista Gonçalves, que foi acompanhado pela Desembargadora Federal Daldice Santana e pela Juíza Federal Convocada Leila Paiva (4º voto). Vencido o Relator, que dava parcial provimento à apelação do INSS em menor extensão. Julgamento nos termos do disposto no art. 942, caput e § 1º, do CPC. Lavrará acórdão o Desembargador Federal Batista Gonçalves, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.