Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002877-46.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
07/01/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 09/01/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. PREENCHIMENTO.
I - O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus
princípios norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento
da pobreza no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e
III, da Constituição Federal, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente
necessitam. A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no
mencionado art. 203, V, da Constituição Federal. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para
a concessão do benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos
ou mais - idade posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos,
sem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família. O Estatuto do Idoso -
Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65 anos - art. 34. O art. 20
da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de 06.7.2011,
publicada no DOU 07.7.2011, que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65
(sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
II - A condição de pessoa com deficiência restou incontroverso, não havendo insurgência do
apelante, nesse aspecto.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
III – A situação é precária e de miserabilidade, dependendo a autora do benefício assistencial
para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade
exigida pela Constituição Federal. Assim, preenche a autora todos os requisitos necessários ao
deferimento do benefício. Demonstrada a indevida cessação do amparo social na via
administrativa, o benefício é devido desde essa data.
IV – Improvida a apelação do INSS.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5002877-46.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GLADIS BARROS
PROCURADOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO DO
SUL
APELAÇÃO (198) Nº 5002877-46.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: GLADIS BARROS
PROCURADOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO DO
SUL
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL, objetivando o restabelecimento do benefício assistencial previsto no art. 203,
V, da Constituição Federal.
A tutela antecipada foi deferida (id2249361- p.23/26).
A sentença (id2249362-p.77/82) julgou procedente o pedido e condenou o INSS a conceder o
benefício, acrescido dos consectários que especifica.
Em razões recursais (2249362-p.91/99), pugna a Autarquia Previdenciária pela reforma da
sentença, ao argumento de que não restou demonstrada a miserabilidade.
Em contrarrazões (id2249362-p.102/108), prequestiona a autora a matéria.
Subiram os autos a esta Corte.
Parecer do Ministério Público Federal (id3125087), no sentido do desprovimento do recurso.
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Cuida-se de declarar o voto proferido no julgamento da apelação interposta pelo INSS contra
sentença que julgou procedente o pedido de concessão de benefício assistencial.
Na sessão de julgamento de 18 de julho de 2018, o senhor Relator deu provimento à apelação
para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido, revogando a tutela antecipada, sendo
divergente o voto desta Magistrada, que lhe negava provimento.
Passo a declarar o voto.
O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios
norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza
no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da
Constituição Federal, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.
A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art.
203, V, da Constituição Federal. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do
benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade
posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições
de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família.
O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65
anos - art. 34.
O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de
06.7.2011, publicada no DOU 07.7.2011, que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a
idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 2º do art. 20 passou
a dispor:
§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS - Lei Orgânica
da Assistência Social foi arguida na ADIN nº 1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos
pelo Plenário do STF.
A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a
adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da
necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º
do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a
família com renda mensal per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo encontra-se em
estado de penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício,
dispensando outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de
prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na
situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
Nesse sentido o entendimento do STJ, no Recurso Especial nº 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min.
Edson Vidigal, j. 04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190:
"A Lei 8742/93, Art. 20, § 3º, quis apenas definir que a renda familiar inferior a ¼ do salário-
mínimo é, objetivamente considerada, insuficiente para a subsistência do idoso ou portador de
deficiência; tal regra não afasta, no caso em concreto, outros meios de prova da condição de
miserabilidade da família do necessitado".
A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que
reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT,
Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em
03.10.2013:
"... O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patentemiserabilidade social fossem consideradas
fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta
de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade
do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos
e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do
Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em
concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu
inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela
LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou
deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a
concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa
Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei
10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder
apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados
a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a
rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-
se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade,
do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento"
(destaquei).
Continuo mantendo o entendimento anterior porque, a meu ver, a fixação da renda per capita
familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da
Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social.
A fixação do salário mínimo como garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua
manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade,
representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive
aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de
concessão do benefício assistencial de prestação continuada, previsto no art. 203, da Lei Maior,
não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para dentro do sistema de
Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com deficiência. Seria dar a todos,
dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de dignidade e de bem-estar,
reduzindo desigualdades sociais.
A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência
Social, na prática, resulta na inexistência de critério, abrindo a possibilidade de o intérprete utilizar
todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria que a lei quer
remediar.
Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do
benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art.
194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar
as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de
beneficiários e o orçamento de que dispõe.
A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao
princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da
isonomia.
A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante
do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que
substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de
miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salário mínimo vigente,
para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real
necessidade de concessão do benefício.
No caso dos autos, a condição de pessoa com deficiência restou incontroverso, não havendo
insurgência do apelante, nesse aspecto.
O estudo social realizado em 24.09.2015 dá conta de que a autora, de 60 anos, reside com a
genitora, de 75 anos, em casa própria, antiga, de alvenaria, “composta por seis peças com piso
acimentado e com forro em apenas três”, em péssimo estado de conservação. Consta que a
fiação elétrica está exposta, representando perigo para as moradoras. A renda familiar é
composta pela aposentadoria da genitora e pelo benefício assistencial recebido pela requerente,
ambos no valor de um salário mínimo, além do aluguel de um imóvel situado ao lado da
residência, onde funciona uma mercearia. Segundo informado, o valor do aluguel “é de um salário
mínimo, que ela recebe parte em dinheiro e parte em mercadorias”. Quanto às despesas, não há
informação de valores.
As fotos que constam dos autos revelam que a casa está em péssimas condições de habitação,
guarnecida com poucos móveis e utensílios domésticos.
A consulta ao Plenus indica que a genitora é beneficiária de amparo social ao idoso – e não
aposentadoria, como consta do estudo social -, benefício que deve ser excluído no cômputo da
renda familiar, nos termos do art. 34, par. único, da Lei nº 10.741/2003.
A autora vem recebendo benefício assistencial por força da tutela antecipada concedida nos
autos.
O aluguel que recebem é de meio salário mínimo, tendo em vista que a outra metade é paga em
mercadorias.
Assim, a renda familiar per capita é inferior à metade do salário mínimo.
A assistente social deixou consignado que a autora e sua mãe estão com a saúde comprometida,
o que dificulta a realização de tarefas simples do cotidiano, que “as condições de habitabilidade
são precárias, não oferece segurança, conforto mínimo e higienização adequada” e que
“encontram-se em situação de vulnerabilidade”.
Dessa forma, levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais
condições apresentadas, entendo que não justifica o indeferimento do benefício.
A situação é precária e de miserabilidade, dependendo a autora do benefício assistencial para
suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida
pela Constituição Federal.
Assim, preenche a autora todos os requisitos necessários ao deferimento do benefício.
Demonstrada a indevida cessação do amparo social na via administrativa, o benefício é devido
desde essa data.
Pedindo vênia ao senhor Relator, NEGO PROVIMENTO à apelação, mantendo a antecipação da
tutela.
É o voto.
APELAÇÃO (198) Nº 5002877-46.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: GLADIS BARROS
PROCURADOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO DO
SUL
V O T O
Inicialmente, tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade
recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
1. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-
constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido
da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de
direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual,
ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem
econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a
realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo
para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como
indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da
Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social
e o art. 203, IV, que instituiu o benefício do amparo social.
A Lei nº 6.179/74 instituiu, em nosso ordenamento jurídico, a renda mensal vitalícia, passando a
ser amparados pela Previdência Social os maiores de 70 anos e os inválidos, definitivamente
incapacitados para o trabalho, desde que não exercessem atividades remuneradas ou não
auferissem rendimentos. O valor do benefício correspondia à metade do maior salário-mínimo
vigente no país, arredondada para a unidade de cruzeiro imediatamente superior, não podendo
ultrapassar 60% do valor do salário-mínimo do local de pagamento.
Com a promulgação da Carta Magna, em 05 de outubro de 1988, o valor do benefício foi
aumentado para 1 (um) salário-mínimo, pelo art. 203, inciso V:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia
da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos.
O art. 139 da Lei n.º 8.213/91 dispunha que a renda mensal vitalícia continuaria integrando o
elenco de benefícios da Previdência Social, até que o artigo constitucional fosse regulamentado.
A Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, deu eficácia ao inciso V do art. 203 da Constituição
Federal e extinguiu a renda mensal vitalícia em seu art. 40, resguardando, entretanto, o direito
daqueles que o requeressem até o dia 31 de dezembro de 1995, desde que preenchidos os
requisitos previstos na Lei Previdenciária.
A Lei de Assistência foi regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos
para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso,
com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem
tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º
de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art.
34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº
12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa portadora de
deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família.
Pessoa portadora de deficiência é a incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em
decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na redação dada pela Lei nº
12.470, de 31 de agosto de 2011.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo
de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade para a vida independente, por sua vez, não há que ser entendida como aquela
que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o
auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento sem o amparo
de alguém.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro
Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do
benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, de acordo com a Medida Provisória nº 1.473-34,
de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, definiu-se o conceito de família como o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/2011, fora estabelecido, expressamente para os fins
do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art.
20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo, anoto
que fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, pelo Procurador-Geral da
República, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a
constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Os debates, entretanto, não cessaram, por ser tormentosa a questão e envolver princípios
fundamentais contidos na Carta da República, situação que culminou, inclusive, com o
reconhecimento, pelo mesmo STF, da ocorrência de repercussão geral.
A Suprema Corte acabou por declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal,
inclusive por considerar defasada essa forma meramente aritmética de se apreciar a situação de
miserabilidade dos idosos ou deficientes que visam a concessão do benefício assistencial
(Plenário, RCL 4374, j. 18.04.2013, DJE de 04/09/2013).
No entanto, é preciso que se tenha a possibilidade de ao menos entrever, a partir da renda
informada, eventual quadro de pobreza em função da situação específica de quem pleiteia o
benefício, até que o Poder Legislativo estabeleça novas regras.
Para tanto, faz-se necessário o revolvimento de todo o conjunto probatório, através do qual se
possa aferir eventual miserabilidade. E assim o é diante do princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, já mencionado no início desta decisão, com vistas à garantia de suas
necessidades básicas de subsistência, o que leva o julgador a interpretar a normação legal de
sorte a conceder proteção social ao cidadão economicamente vulnerável, tal como assentado no
REsp 1112557 julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73.
Confira-se:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Por outro lado, observo que a Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, passou a considerar como
de "baixa renda" a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos, ainda que para os fins específicos de
custeio ali limitado. Na mesma trilha, as Leis que criaram o Bolsa Família (10.836/04), Programa
Nacional de Acesso à Alimentação (10.689/03) e o Bolsa Escola (10.219/01) estabeleceram
parâmetros mais coerentes de renda familiar mínima quanto em cotejo com aquele estabelecido
de ¼ do salário mínimo, agora declarado inconstitucional.
Por fim, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 580.963/PR (DJe 14.11.2013),
assentou a inconstitucionalidade por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso,
considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em
relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo."
Assim, entendo que deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor decorrente de
benefício de valor mínimo recebido por idoso ou inválido, pertencente ao núcleo familiar.
Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1355052, submetido ao
regimento do art. 543-C do CPC, assentou que não se computa o valor de um salário mínimo
percebido por idoso a título de beneficio assistencial ou previdenciário para aferição de
hipossuficiência de núcleo familiar.
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp 1355052 /SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
25/02/2015, DJe 05/11/2015)
Feitas essas considerações, passo à análise do conjunto probatório formado nestes autos.
2. DO CASO DOS AUTOS
No caso dos autos, o preenchimento do requisito legal da deficiência restou incontroverso, ante a
ausência de impugnação do réu em apelo.
Passo à análise da miserabilidade.
A ausência de condições de prover o seu sustento ou tê-lo provido pela família não restou
demonstrada. O estudo social datado de 5 de outubro de 2015 (id2249362-p.23/25) informa que a
requerente reside com a genitora, em imóvel próprio em péssimo estado. Os móveis que o
guarnecem também estão mal conservados.
A residência “é composta por seis peças com piso acimentado e com forro em apenas três; a
fiação elétrica de alguns ambientes está exposta e a altura da cabeça, o que pode significar
perigo para as moradoras. A casa é guarnecida com mobília mal conservada, observou-se ainda
que o ambiente doméstico não é higienizada há tempos, as teias de aranha se acumulam no
telhado e paredes e os moveis estão com poeira acumulada”.
A renda familiar deriva do benefício assistencial recebido pela genitora e de aluguel do imóvel
localizado ao lado da casa da autora, no qual funciona uma mercearia, no valor de um salário
mínimo. O benefício assistencial recebido pela genitora não pode ser computado para apuração
da renda per capita, nos termos da fundamentação.
Parte do aluguel é retirado em mercadorias e parte pago em dinheiro.
A autora recebeu benefício assistencial desde 2005, assim como sua genitora (id2249361-p.49 e
id2249362-p.76).
Embora a família resida em imóvel em péssimas condições, a renda mensal recebida,
objetivamente analisada, não se amolda à condição de miserabilidade.
Por outro lado, a percepção do benefício assistencial pela autora e por sua genitora, por longo
período, não foi suficiente a retirá-las do imóvel em que atualmente habitam ou a determinar a
promoção das melhorias necessárias. Isso porque, ao que se afere do conjunto probatório, a
situação de vulnerabilidade não se encontra no âmbito econômico propriamente dito.
Como menciona o parecer social, a autora e sua genitora “necessitam de assistência e
orientação”, ou seja, faz-se necessário, no caso, o acompanhamento de entidade assistencial,
nos termos do que também sugerido no parecer social.
Desta forma, do conjunto probatório dos autos, não verifico situação de hipossuficiência apta a
determinar a concessão do benefício, sendo de rigor a rejeição do pedido inicial.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00, a teor
do disposto no art. 85, §8, do CPC/2015, suspensa sua exigibilidade, por ser a parte autora
beneficiária da justiça gratuita, nos termos do § 3º do art. 98 do CPC.
Por derradeiro, cumpre salientar que, diante de todo o explanado, o ora decidido não ofendeu
qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento suscitado pela parte autora.
3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, douprovimento à apelação do réu, para reformar a sentença e julgar
improcedente o pedido, na forma acima fundamentada. Revogo a tutela antecipada. Comunique-
se ao INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. PREENCHIMENTO.
I - O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus
princípios norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento
da pobreza no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e
III, da Constituição Federal, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente
necessitam. A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no
mencionado art. 203, V, da Constituição Federal. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para
a concessão do benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos
ou mais - idade posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos,
sem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família. O Estatuto do Idoso -
Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65 anos - art. 34. O art. 20
da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de 06.7.2011,
publicada no DOU 07.7.2011, que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65
(sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
II - A condição de pessoa com deficiência restou incontroverso, não havendo insurgência do
apelante, nesse aspecto.
III – A situação é precária e de miserabilidade, dependendo a autora do benefício assistencial
para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade
exigida pela Constituição Federal. Assim, preenche a autora todos os requisitos necessários ao
deferimento do benefício. Demonstrada a indevida cessação do amparo social na via
administrativa, o benefício é devido desde essa data.
IV – Improvida a apelação do INSS. ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes
as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria, decidiu negar provimento à apelação do réu, nos
termos do voto da Desembargadora Federal Marisa Santos, que foi acompanhada pela
Desembargadora Federal Ana Pezarini e pela Desembargadora Federal Inês Virgínia (que
votaram nos termos do art. 942 caput e §1º do CPC). Vencido o Relator que lhe dava provimento,
que foi acompanhado pelo Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias. Julgamento nos termos
do disposto no artigo 942 caput e § 1º do CPC. Lavrará acórdão a Desembargadora Federal
Marisa Santos , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
