Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0003915-34.2021.4.03.6327
Relator(a)
Juiz Federal FERNANDA SOUZA HUTZLER
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
24/06/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 30/06/2022
Ementa
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTABELECIMENTO. PESSOA PORTADORA DE
DEFICIÊNCIA. LAUDO SÓCIO ECONÔMICO. SEM COMPROVAÇÃO DA MISERABILIDADE.
NÃO PREENCHIMENTO DE AMBOS OS REQUISITOS LEGAIS. CONFIRMAÇÃO PELOS SEUS
PRÓPRIOS FUNDAMENTOS (ART 46, LEI Nº 9099/95).
1. Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou
improcedente o pedido, em razão da ausência da miserabilidade.
2. Suficiência da renda para garantir a sobrevivência digna do grupo familiar, uma vez que o
benefício assistencial é dirigido às pessoas miseráveis (abaixo da linha da pobreza), o que não se
constatou no caso presente.
3. Recurso da parte autora não provido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003915-34.2021.4.03.6327
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: PEDRO LUIZ MANTUANI
Advogados do(a) RECORRENTE: TAINA DAMIRES RODRIGUES DOS ANJOS - SP442150-A,
MARIANA RAMIRES MASCARENHAS DO AMARAL GOMES - SP244202-A, DIRCEU
MASCARENHAS - SP55472-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003915-34.2021.4.03.6327
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: PEDRO LUIZ MANTUANI
Advogados do(a) RECORRENTE: TAINA DAMIRES RODRIGUES DOS ANJOS - SP442150-A,
MARIANA RAMIRES MASCARENHAS DO AMARAL GOMES - SP244202-A, DIRCEU
MASCARENHAS - SP55472-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou
IMPROCEDENTE o pedido de concessão do benefício de prestação continuada, pois o
magistrado de primeiro grau considerou que, embora com algumas dificuldades, a parte autora
tem sua subsistência mantida dignamente pela família.
Nas razões recursais, a parte autora argumenta que as despesas são custeadas com o valor
proveniente do benefício de pensão por morte recebido por sua mãe e os demais membros da
família não possuem condições de prestar auxílio financeiro. Acrescenta que sua mãe é idosa e
doente, não conseguindo sequer suprir suas necessidades básicas. Alega que o fato de sua
casa conter os itens básicos comuns a todas as residências não significa que tenha vida digna
com a renda de sua genitora. Por estas razões, pretende a reforma da r. sentença.
Sem contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003915-34.2021.4.03.6327
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: PEDRO LUIZ MANTUANI
Advogados do(a) RECORRENTE: TAINA DAMIRES RODRIGUES DOS ANJOS - SP442150-A,
MARIANA RAMIRES MASCARENHAS DO AMARAL GOMES - SP244202-A, DIRCEU
MASCARENHAS - SP55472-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Constituição Federal, em seu art. 203, V, dispôs sobre “a garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a
lei”.
Regulamentando a matéria, a Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis 9.720/98,
12.435/2011, 13.146/2015, 13.982/2020 e 14.176/2021 estipulou:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)(Vide Lei nº 13.985, de 2020)
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação
dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao
benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa
idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-
mínimo.(Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021)
(...)
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que
produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
(...)
Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para
avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. (Vide Lei nº 9.720, de
30.11.1998)
Portanto, o benefício assistencial pretendido pela parte autora requer dois pressupostos para a
sua concessão: de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência ou idade avançada, e de
outro lado, sob o aspecto objetivo, o estado de miserabilidade, caracterizado pela inexistência
de meios de a pessoa portadora de deficiência ou do idoso prover à própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família.
Do Caso Presente:
A r. sentença recorrida decidiu o pedido inicial de modo exauriente, analisando todas as
questões suscitadas pelas partes, revelando-se desnecessárias meras repetições de sua
fundamentação:
“(...) Feitas tais considerações, passo a apreciar o caso concreto.
Dispensada a realização de perícia médica, pois o benefício foi cessado em razão da renda
familiar, não havendo discussão acerca da presença do requisito subjetivo (deficiência).
Quanto ao requisito objetivo, qual seja, a hipossuficiência, na forma preconizada pela Lei
8.742/93, tenho que não restou devidamente demonstrada no caso dos autos.
De fato, observou a senhora perita assistente social que a parte autora reside com sua genitora
Maria da Conceição Lino Mantuani, em casa própria, com " 06 cômodos contando com o
banheiro, sendo (03) quartos, sala, cozinha e banheiro". O autor possui gratuidade no
transporte público com acompanhante e faz tratamento "com psiquiatra no SIM – Serviço
Integrado de Medicinae consultas de rotinas no posto de saúde local"
Relatou a perita social que as despesas mensais da família totalizam R$ 1.259,00, e que a
renda provém da pensão por morte recebida pela genitora, no valor de R$1.548,65.
À luz das informações prestadas no laudo, vislumbro que o grupo familiar apresenta condições
razoáveis de moradia que, por si só, não revelam situação de miserabilidade, dada a qualidade
da edificação e dos recursos mobiliários existentes.
Assim, concluo que, embora com algumas dificuldades (que são igualmente enfrentadas por
grande parte da população), a parte autora tem a sua subsistência mantida dignamente por sua
família. No ponto, assinalo que a condição de vulnerabilidade socioeconômica do grupo não
pode ser aferida mediante a contabilização de despesas ordinárias e comuns a todas as
famílias, como as com água, luz, alimentação, gás e tributos, não servindo o benefício
assistencial de prestação continuada a, simplesmente, incrementar a renda daquele que vive de
forma modesta.
(...)” – destaques no original
Em complemento, verifico que o autor, nascido em 29/06/1971, foi interditado em 30/05/1995 e
sua mãe, Maria da Conceição Lino Mantuani (nascida em 25/02/1944), foi nomeada como
curadora.
O autor vinha recebendo o benefício assistencial NB 87/551.997.090-0, com DIB em
03/05/2004, o qual foi cessado em 01/05/2021, porque sua genitora recebe benefício de pensão
por morte, no valor de R$1.405,82, com DIB em 24/08/2014.
A controvérsia consiste no requisito da renda familiar.
O laudo socioeconômico informa que o autor tem mais três irmãos, os quais prestam “apoio
emocional” e não residem com ele e a genitora, porque todos são casados.
Quanto ao irmão José, segundo o CNIS, ele ostenta vínculo laboral desde 24/10/2019, em
regime de trabalho intermitente, sem informações acerca da remuneração.
Em sua manifestação à perícia socioeconômica (ID 257013228), o INSS trouxe informações
acerca dos irmãos do autor, constando que Rosilene e Alexandre têm registros de empresas
ativos.
O CNIS do irmão Alexandre contém recolhimentos como contribuinte individual até 31/08/2020.
O CNIS da irmã Rosilene informa vínculo empregatício desde 01/06/2020, com remuneração no
valor de R$3.230,96, em 04/2022.
O imóvel é próprio, com seis cômodos, localizado em região com boa infraestrutura.
As fotografias revelam que se trata de residência simples, com mobiliário em bom estado de
conservação.
A dificuldade financeira e de saúde enfrentadas pela autora assemelha-se àquelas vividas pela
maioria das famílias brasileiras.
Convém mencionar que o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, prevê que o benefício mensal de um
salário mínimo (de LOAS ou de outro benefício previdenciário de valor mínimo), recebido por
qualquer membro da família, como única fonte de recursos, não deve ser computado para fins
do cálculo da renda familiar “per capita”.
Portanto, a constatação levada a efeito não demonstra a carência exigida para concessão do
benefício postulado. É de se ressaltar que necessidade e dificuldade financeira não se
confundem, justificando a concessão do benefício assistencial somente a extrema necessidade,
enquanto que a dificuldade financeira é experimentada por grande parcela da população, não
se revestindo de fundamento jurídico para a intervenção estatal de cunho assistencialista.
Note-se que a finalidade do benefício almejado é reverter estado de miserabilidade do idoso ou
do deficiente desprovido de condições de trabalho. No entanto, a miserabilidade não foi
constatada.
Sob o aspecto assistencial, é importante ressaltar que cabe ao conjunto familiar - veja que não
se está falando do núcleo familiar, previsto no parágrafo 1º, artigo 20 da Lei 8.742/93, mas sim
de todas as pessoas da família, ainda que não morem sob o mesmo teto - suprir as
necessidades dos mais próximos, só se admitindo a intervenção estatal quando a situação
econômica não o possibilitar. Havendo capacidade econômica de algum dos membros do grupo
familiar, sem privação do necessário à sua subsistência, o Estado não pode ser chamado. A
intervenção Estatal é, pois, subsidiária ao conjunto familiar, conforme bem preconizam os
artigos 1.694 e ss. Código Civil, a tratarem do direito a alimentos.
Ressalte-se que o já mencionado artigo 203, V, da Constituição é claro ao definir que, para fins
deste benefício, a responsabilidade do Estado é subsidiária, uma vez que deve ser concedido
somente àqueles que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-
la provida por sua família.
Ainda, é de se ressaltar, que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, fora de sua
configuração constitucional, é fator que vem ajudando a comprometer a higidez do orçamento
da Seguridade Social, com graves prejuízos à sociedade. O benefício foi previsto como um
mecanismo apto a retirar pessoas da miséria (abaixo da linha da pobreza) e não como
instrumento apto a alçar à classe média baixa os menos favorecidos ou complementar renda.
Destarte, desatendido o critério econômico/social, tenho que a parte autora não faz jus a
concessão do benefício assistencial de prestação continuada, em conformidade com o disposto
no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, restando prejudicado os demais pedidos da parte ré.
Por fim, sendo o BPC-LOAS um benefício assistencial de caráter transitório, o mesmo poderá
ser novamente requerido, caso a situação fática dos autos se altere no decorrer do tempo,
estando implícita a cláusula rebus sic stantibus.
O artigo 46, combinado com o § 5º do artigo 82, ambos da Lei nº 9.099/95, facultam à Turma
Recursal dos Juizados especiais a remissão aos fundamentos adotados na sentença.
Ademais a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a adoção
dos fundamentos contidos na sentença pela Turma Recursal não contraria o art. 93, inciso IX,
da Constituição Federal, vejamos, por exemplo, o seguinte julgado:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. JUIZADO ESPECIAL. REMISSÃO AOS
FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA.
1. Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição
do Brasil.
2. O artigo 46 da Lei nº 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a remissão
aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao artigo 93, IX, da
Constituição do Brasil.
Agravo Regimental a que se nega provimento. (AI 726.283-7-AgR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª
Turma, DJe nº 227, Publicação 28/11/2008).
O parágrafo 5º do artigo 82 da Lei nº 9.099/95, dispõe “se a sentença for confirmada pelos
próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.”
O dispositivo legal prevê, expressamente, a possibilidade de o órgão revisor adotar como razão
de decidir os fundamentos do ato impugnado, o que não implica violação do artigo 93, IX, da
Constituição Federal.
Assim, considerando que a r. sentença recorrida bem decidiu a questão, deve ser mantida nos
termos do artigo 46 da Lei nº 9.099/95.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso da parte autora.
Condeno o Recorrente vencido ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em
10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 55, caput, da Lei 9.099/95
c/c art. 85, § 3º, do CPC – Lei nº 13.105/15. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de
assistência judiciária gratuita e recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados
ficará suspenso nos termos do § 3º do art. 98, do CPC – Lei nº 13.105/15.
É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTABELECIMENTO. PESSOA PORTADORA DE
DEFICIÊNCIA. LAUDO SÓCIO ECONÔMICO. SEM COMPROVAÇÃO DA MISERABILIDADE.
NÃO PREENCHIMENTO DE AMBOS OS REQUISITOS LEGAIS. CONFIRMAÇÃO PELOS
SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS (ART 46, LEI Nº 9099/95).
1. Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou
improcedente o pedido, em razão da ausência da miserabilidade.
2. Suficiência da renda para garantir a sobrevivência digna do grupo familiar, uma vez que o
benefício assistencial é dirigido às pessoas miseráveis (abaixo da linha da pobreza), o que não
se constatou no caso presente.
3. Recurso da parte autora não provido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, visto, relatado e discutido
este processo, em que são partes as acima indicadas, decide a Décima Quarta Turma Recursal
do Juizado Especial Federal da Terceira Região Seção Judiciária de São Paulo, por
unanimidade, negar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do voto da Juíza
Federal Relatora Fernanda Souza Hutzler., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
