Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000443-73.2021.4.03.6311
Relator(a)
Juiz Federal MARISA REGINA AMOROSO QUEDINHO CASSETTARI
Órgão Julgador
9ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
03/12/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA. REQUISITOS. ART. 20 DA LEI Nº 8.742/93.
COMPROVAÇÃO. AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DA
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. JULGAMENTO DO TEMA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL NOS AUTOS DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS 567.985 E 580.963,
SOB A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO IMPROVIDO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
9ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000443-73.2021.4.03.6311
RELATOR:26º Juiz Federal da 9ª TR SP
RECORRENTE: LAURICEIA SANT ANA DOS SANTOS
Advogado do(a) RECORRENTE: DIEGO SOUZA AZZOLA - SP315859-N
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000443-73.2021.4.03.6311
RELATOR:26º Juiz Federal da 9ª TR SP
RECORRENTE: LAURICEIA SANT ANA DOS SANTOS
Advogado do(a) RECORRENTE: DIEGO SOUZA AZZOLA - SP315859-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou
improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial.
Alega, em síntese, que preenche os requisitos legais necessários para o reconhecimento do
direito à assistência pleiteada, previstos no artigo 20, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.742/93.
Sustenta que, conforme se extrai do laudo social produzido em juízo, se encontrava em
situação de vulnerabilidade social até a concessão do benefício de pensão pela morte de seu
cônjuge, não possuindo condições de prover seu sustento.
Requer a reforma da sentença, para que seja julgado procedente o pedido, a fim de que lhe
seja concedido o benefício.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000443-73.2021.4.03.6311
RELATOR:26º Juiz Federal da 9ª TR SP
RECORRENTE: LAURICEIA SANT ANA DOS SANTOS
Advogado do(a) RECORRENTE: DIEGO SOUZA AZZOLA - SP315859-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso da parte autora não comporta acolhimento.
Estabelece o artigo 20 da Lei nº 8.742/93, combinado com o artigo 34 do Estatuto do Idoso, que
o benefício assistencial é concedido a partir da verificação de dois requisitos: deficiência ou
idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos, e hipossuficiência individual ou familiar
para prover a subsistência da pessoa deficiente ou idosa.
Não obstante, nos termos do que dispõe o § 4º, do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com redação
conferida pela Lei nº 12.435, de 2011, o benefício pleiteado na presente demanda não pode ser
acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da Seguridade Social ou de outro
regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. Na
hipótese de procedência do pedido, a efetiva implantação do Benefício Assistencial de
Prestação Continuada estará condicionada ao desligamento de qualquer outro programa
governamental de transferência direta de renda, cujo valor percebido mensalmente seja inferior
a 01 (um) salário-mínimo, como o “Bolsa Família”, por exemplo, ao qual a parte, eventualmente,
esteja inserida.
No caso em exame, a documentação acostada à petição inicial demonstra que a parte autora
nasceu em 17 de fevereiro de 1935, contando, atualmente, com 86 (oitenta e seis) anos de
idade. Logo, a recorrente contava com mais de 65 anos por ocasião do requerimento
administrativo do benefício (30/09/2019), sendo, portanto, idosa nos termos da lei.
Contudo, no que tange ao requisito da hipossuficiência econômica, entendo que não restou
efetivamente comprovado o estado de miserabilidade.
Nesse ponto, importa registrar que as questões discutidas no presente recurso já foram
pacificadas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Recursos Extraordinários
567.985/MT e 580.963/PR, sob a sistemática da Repercussão Geral.
O Ministro Gilmar Mendes, relator para os acórdãos, consignou que a decisão do Supremo
Tribunal Federal proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF - a qual
considerou, na oportunidade, que o § 3º, do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 não é, por si só,
incompatível com a Constituição Federal - não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em
concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Com fundamento no princípio da proibição de proteção insuficiente, o Tribunal entendeu que o §
3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/1993 cumpriu apenas de forma parcial o dever constitucional de
efetivar o inciso V, do art. 203, da Constituição Federal; configurando, assim, omissão
inconstitucional parcial originária.
Por outro lado, a superveniente edição de leis instituidoras de programas de assistência social
no Brasil, que utilizam, atualmente, o valor de ½ salário mínimo como referencial econômico
para a concessão dos respectivos benefícios, revela, em primeiro lugar, um indicador bastante
razoável de que o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está defasado e mostra-
se atualmente inadequado como único critério para aferir a miserabilidade exigida pela lei. Em
segundo lugar, constitui um fato revelador de que o próprio legislador vem reinterpretando o art.
203 da Constituição da República segundo parâmetros econômico-sociais distintos daqueles
que serviram de base para a edição da LOAS no início da década de 1990. Esses são fatores
que razoavelmente indicam que, ao longo dos vários anos desde a sua promulgação, o § 3º do
art. 20 da LOAS teve modificada sua interpretação.
Segundo o eminente relator Ministro Gilmar Mendes, trata-se de uma inconstitucionalidade que
é resultado de um processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios
assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal negou provimento ao Recurso
Extraordinário nº 567.985 e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, para que seja analisado, em
concreto e caso a caso, a efetiva falta de meios para que o deficiente ou o idoso possa prover a
própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
De outro lado, especificamente quanto à interpretação extensiva ao parágrafo único, do art. 34,
da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), o Supremo Tribunal Federal, na mesma Sessão
Plenária, por maioria, negou provimento ao Recurso Extraordinário nº 580.963 e declarou,
incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial por omissão, sem pronúncia de nulidade, ao
fundamento de que não existe justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em
relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo.
O requisito da hipossuficiência econômica, portanto, há de ser verificado de forma
individualizada pelo magistrado, de acordo com as condições socioeconômicas e
especificidades do caso concreto.
A meu ver, o limite de renda mensal familiar per capita de ½ salário mínimo recentemente
adotado como critério para aferição da miserabilidade em programas sociais como o Fome
Zero, o Renda Mínima e o Bolsa Escola, pode ser adotado como critério de apuração da
miserabilidade para concessão do benefício assistencial - LOAS, desde que os demais
elementos do laudo socioeconômico indiquem a miserabilidade, ou seja, a renda per capta
superior a 1/4 do salário mínimo e até 1/2 salário mínimo per capita, por si só, não pode impedir
a concessão do referido benefício. Ora, referida renda deve ser cotejada e analisada em
conjunto com os demais elementos de prova, em especial a descrição do quadro social do
grupo familiar.
No caso dos autos, a situação econômica e social em que vive a recorrente, demonstrada no
laudo socioeconômico, não aponta à sua condição de miserabilidade.
Conforme se extrai do laudo social elaborado em juízo (visita domiciliar realizada em
28/04/2021), o núcleo familiar da recorrente era composto por ela, seu cônjuge, Sr. Benedito
dos Santos, que faleceu em 02/01/2021, e era aposentado, e seu filho, Sr. Marcelo Luis dos
Santos, nascido em 28/06/1970, solteiro, com ensino fundamental completo, beneficiário de
amparo social à pessoa portadora de deficiência. Nos fundos do terreno há outra residência
onde vive outro filho da autora, Sr. André Benedito dos Santos, nascido em 27/01/1974, solteiro,
ensino médio completo, técnico em mecânica, beneficiário de auxílio-acidente previdenciário.
A família da periciada reside em imóvel próprio. A Sra. Assistente Social apresentou as
seguintes informações: “sobrado construído em alvenaria medindo cerca de 100m² distribuídos
em dois andares sendo que no térreo ficam uma sala, cozinha, um dormitório, banheiro, área de
serviço, quintal, garagem, e um quarto na parte da frente ao qual não tivemos acesso. No piso
superior ficam mais três dormitórios (um deles não tivemos acesso e segundo o Sr Mauricio era
do seu irmão (?) e estava fechado e não podia entrar), um banheiro e um outro cômodo que
também não tivemos acesso. Ao perguntarmos para a autora quanto aos cômodos fechados a
mesma mostrou –se irritada e disse que era de um dos seus filhos , que as vezes ficava na sua
casa e deixava suas coisas no local, e os outros estavam sofrendo uma pequena reforma, mas
no momento estava tudo parada por falta de dinheiro.”
A renda familiar provinha, até o falecimento do Sr. Benedito, do benefício previdenciário de
aposentadoria recebido pelo cônjuge da recorrente, em relação ao qual não foram
apresentadas informações, e do benefício de amparo social à pessoa portadora de deficiência
recebido pelo filho da recorrente, com renda mensal no valor de 01 salário-mínimo.
Pertinente observar que, descontado o valor de um salário-mínimo, a ser integralmente
destinado a um dos familiares da recorrente, por interpretação extensiva ao parágrafo único, do
art. 34, da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), o que, na hipótese de haver mais de um
familiar que se enquadre na condição de idoso ou deficiente, deve ser aplicado a apenas um
deles, o valor remanescente, dividido pelos demais membros do núcleo familiar, gera uma
renda mensal familiar per capita em valor correspondente a ½ salário-mínimo.
Importa registrar ainda que, segundo informado no laudo socioeconômico, além dos filhos
Marcelo e André, que reside residem no mesmo endereço da autora, esta possui outros 07
(sete) filhos adultos. Ainda que os filhos da autora tenham constituído seus próprios núcleos
familiares, não é possível crer que os irmãos, ainda que de forma singela, dentro de suas
possibilidades, não possam somar esforços para auxiliar sua genitora com o mínimo necessário
à sua subsistência.
Importa salientar que a obrigação do Estado de garantir o mínimo à subsistência das pessoas
idosas ou deficientes é subsidiária, recaindo referida obrigação, em primeiro lugar, sobre a
família do hipossuficiente, uma vez que a Lei Orgânica da Assistência Social estabelece que o
benefício assistencial será devido a quem não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
Ademais, estabelece o art. 229 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que
“os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade”.
Não obstante, o Código Civil, em seus artigos 1.694 a 1.710, estabelece a obrigação recíproca
de prestação de alimentos entre pais e filhos, que devem ser fixados na proporção das
necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, quando quem os pretende
não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de
quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Assim, analisando detidamente a prova documental produzida nestes autos, concluo que não
restou comprovado que a recorrente se encontrasse em estado de miserabilidade a merecer o
benefício pleiteado.
É de se observar, por fim, que o benefício em causa não tem por fim a complementação da
renda familiar, nem tampouco possui a finalidade de proporcionar maior conforto ao
beneficiário, mas, sim, destina-se ao idoso ou ao deficiente em estado de penúria, que
comprove os requisitos legais, sob pena de ser concedido indiscriminadamente em prejuízo
daqueles que realmente necessitam, na forma da lei.
Destaque-se, ainda, que os recursos da seguridade social, como um todo, são finitos, mesmo
em um país de necessidades sociais infinitas. Por esse motivo, adota-se o princípio da
seletividade da cobertura, pelo qual são eleitos pelo legislador riscos sociais a serem
protegidos. Considerando-se os recursos disponíveis, a concessão do benefício assistencial na
presente hipótese viola não só as disposições constitucionais e infraconstitucionais já
apontadas, mas também o próprio princípio da seletividade.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso interposto pela parte autora.
Condeno a parte recorrente ao pagamento de honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez
por cento) do valor da causa, nos termos do artigo 55 da Lei federal nº 9.099/1995 (aplicado
subsidiariamente), cujo montante deverá ser corrigido monetariamente desde a data do
presente julgamento colegiado (artigo 1º, § 1º, da Lei federal nº 6.899/1981), de acordo com os
índices da Justiça Federal (“Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça
Federal”, aprovado pela Resolução nº 134/2010, com as alterações da Resolução nº 267/2013,
ambas do Conselho da Justiça Federal – CJF).
Na hipótese, enquanto a parte autora for beneficiária de assistência judiciária gratuita, o
pagamento dos valores mencionados ficará suspenso, nos termos do artigo 98, § 3º, do Novo
Código de Processo Civil.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA. REQUISITOS. ART. 20 DA LEI Nº
8.742/93. COMPROVAÇÃO. AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DA
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. JULGAMENTO DO TEMA PELO PLENÁRIO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOS AUTOS DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS
567.985 E 580.963, SOB A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO
IMPROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Visto, relatado e discutido
este processo, em que são partes as acima indicadas, decide a Nona Turma Recursal do
Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por unanimidade,
negar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do voto da Juíza Federal Relatora.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Juízes Federais Marisa Regina Amoroso
Quedinho Cassettari, Danilo Almasi Vieira Santos e Márcio Rached Millani., nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
