
| D.E. Publicado em 04/04/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0024624-40.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial, havida como submetida e apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 02/08/2016, em que se busca a concessão do benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente, incapaz, representada por seus guardiões.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o réu a conceder o benefício assistencial à parte autora, no valor de um salário mínimo, desde a data do requerimento administrativo (01/06/2016), pagar as prestações vencidas acrescidas de correção monetária e juros de mora, e honorários advocatícios de 10% sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença. Tutela antecipada concedida, para determinar a implantação do benefício no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária de R$200,00, limitada a R$50.000,00.
Apela o réu, pleiteando o recebimento do recurso no efeito suspensivo. Quanto ao mérito, sustenta que o autor não faz jus ao benefício assistencial, vez que não preenchido o requisito econômico. Subsidiariamente, argumenta ser descabida a imposição de multa pecuniária, bem como a impossibilidade de extensão do benefício sem prévia indicação da correspondente fonte de custeio e requer seja observado o disposto no Art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09, no que tange à correção monetária e juros de mora. Prequestiona a matéria debatida.
Subiram os autos, com contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo parcial provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Por primeiro, em relação ao pedido de efeito suspensivo, tratando-se de benefícios previdenciários ou assistenciais, o perigo de grave lesão existe para o segurado ou necessitado, e não para o ente autárquico, haja vista o caráter alimentar das verbas.
Passo à análise da matéria de fundo.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Matheus Enrique Campanholi Borim, nascido aos 17/05/2006, apresenta deficiência mental desde o seu nascimento, concluindo o experto que a incapacidade é total e permanente e que o periciando necessita de acompanhamento ambulatorial (fls. 50/59).
Malgrado se tratar de uma criança, que na data da perícia contava com nove anos de idade, estando, portanto, proibida de exercer atividade laboral, por força do Art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, da Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/1998 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, cabe salientar que tal fato não constitui impedimento para a percepção do benefício assistencial.
Com efeito, nos termos da redação vigente do § 2º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, dada pela Lei 13.146, de 2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência, a incapacidade total e permanente para o exercício de atividade laborativa deixou de ser condição sine qua non para a concessão do benefício assistencial, passando a ser considerada pessoa com deficiência "aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
Noutro giro, o Art. 4º, § 1º, do Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta a concessão do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência e ao idoso, também dispõe acerca da concessão da benesse às crianças e aos adolescentes menores de 16 anos, nesses termos:
Como se vê, o benefício prescinde da avaliação da incapacidade para o trabalho, bastando que a criança ou o adolescente comprove que a sua doença ou deficiência acarreta significativa limitação no desempenho de atividades e restrição da participação social, quando comparada a outros indivíduos da mesma faixa etária.
No caso dos autos, trata-se de uma criança nascida aos 17/05/2006, que apresenta deficiência mental desde o nascimento, que segundo o laudo médico, não aprendeu a ler e nem a escrever, não tem comportamento adequado e é inquieto. De outro norte, os documentos que instruíram a inicial dão conta que o autor está regularmente matriculado na APAE e que deve permanecer na unidade por tempo indeterminado, devido ao fraco desempenho escolar, associado a alto nível de hiperatividade (fls. 18/20).
Assim, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que a doença acarreta significativas limitações pessoais ao menor, se comparado às crianças da mesma faixa etária, e permite incluí-lo no rol dos deficientes que a norma visa proteger.
Nesse sentido é o entendimento assente nesta Corte:
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído pelo autor Matheus Enrique Companholi Borim, nascido aos 17/05/2006, os guardiões Dilson Ribeiro dos Santos, nascido aos 04/01/1964 e Conceição Aparecida Felício Araujo, nascida aos 17/01/1956, conforme termo de guarda com prazo indeterminado juntado à fl. 17, e o irmão Daniel Araujo dos Santos, nascido aos 18/10/1982, que também foi adotado pelos guardiões.
A averiguação social constatou que a família residia em imóvel próprio, composto por cinco cômodos, guarnecidos com móveis e eletrodomésticos básicos e antigos.
A renda familiar era variável, em torno de R$900,00, proveniente do trabalho informal do guardião como pintor. Consta que a guardiã não tinha condições de laborar em razão de ambos os filhos apresentarem problemas de saúde e necessitam de suporte em suas atividades diárias.
Foram informadas despesas com alimentação, energia elétrica, água, gás de cozinha e medicamentos, no montante de R$1.072,00.
Concluiu a Assistente Social que a família vivia em situação de fragilidade, devido à atividade do guardião ser informal e variável, dificultando a sobrevivência da família (fls. 41/44 e 96).
Os extratos do CNIS juntados aos autos corroboram o exposto no estudo social, pois dão conta que o guardião não possui renda decorrente de trabalho formal e, quanto à guardiã, que não possui vínculos previdenciários (fls. 68/70).
Cabe salientar que a renda auferida pelo guardião informalmente, sendo variável, incerta e inferior ao valor de um salário mínimo, não garante o suprimento das necessidades básicas do autor com regularidade.
Destarte, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que o autor encontra-se em situação de vulnerabilidade e risco social e que preenche os requisitos legais para usufruir do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo apresentado em 01/06/2016 (fl. 133), em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde a data do requerimento administrativo, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observando-se a aplicação do IPCA-E conforme decisão do e. STF, em regime de julgamento de recursos repetitivos no RE 870947, e o decidido também por aquela Corte quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em 19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431, com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
A fixação de multa diária, em caso de descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, além de refletir previsão, encontra amparo nos princípios constitucionais da efetividade e da duração razoável do processo, na medida em que consiste num mecanismo de concretização e eficácia do comando judicial, devendo o seu valor ser fixado com a observância dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade.
Confiram-se:
Assim, o valor da multa diária fixada pela r. sentença deve ser reduzida para R$100,00, limitada a R$5.000,00, nos termos dos precedentes da Turma, com prazo de 45 dias.
Quanto à alegada afronta ao Art. 195, § 5º da Constituição Federal, anoto que a questão encontra-se pacificada pela Egrégia Corte, no sentido de que o reconhecimento dos requisitos legais para a concessão do benefício assistencial não viola o princípio da precedência da fonte de custeio, porquanto não se trata de benefício criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio, vez que independe de contribuição à seguridade social, cabendo ao Poder Judiciário apenas a verificação no caso concreto, se o postulante preenche os requisitos exigidos para a concessão da benesse.
Nesse sentido:
Por derradeiro, quanto ao prequestionamento das demais matérias para fins recursais, não há afronta a dispositivos legais e constitucionais, porquanto o recurso foi analisado em todos os seus aspectos.
Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação, para adequar o valor da multa diária, os consectários legais e os honorários advocatícios.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
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| Data e Hora: | 26/03/2019 18:25:06 |
