
| D.E. Publicado em 06/03/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA:10021 |
| Nº de Série do Certificado: | 10A516070472901B |
| Data e Hora: | 21/02/2017 16:54:40 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0038548-89.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial, havida como submetida, e de apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 27/05/2013, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando a autarquia a conceder o benefício assistencial ao autor, no valor de um salário mínimo mensal, a partir de 08/07/2015, data em que o autor completou 65 anos de idade, e pagar os valores atrasados com correção monetária e juros de mora, contados da citação, no percentual de 1% ao mês, além de honorários advocatícios de 20% sobre o montante devido até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ, isentando-a das custas. Tutela deferida, para determinar a implantação do benefício, no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária, fixada em R$1.000,00.
Apela a autarquia, pleiteando o recebimento do recurso em ambos os efeitos e a suspensão da tutela concedida. Aduz, em preliminar, que a sentença é extra petita, uma vez que concedeu benefício assistencial diverso do pleiteado na inicial. Quanto ao mérito, sustenta que o autor não preenche os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado. Caso assim não se entenda, pugna pela fixação do termo inicial do benefício na data da sentença, a redução do percentual dos honorários advocatícios, a incidência da correção monetária e dos juros de mora em conformidade com o Art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09 e, por derradeiro, prequestiona a matéria debatida para fins recursais.
Subiram os autos, com contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Por primeiro, quanto ao recebimento do recurso no seu duplo efeito, pacífica a jurisprudência no sentido de que a sentença que defere ou confirma a antecipação de tutela deve ser recebida apenas no efeito devolutivo. O efeito suspensivo é excepcional, justificado somente nos casos de irreversibilidade da medida. Tratando-se de benefícios previdenciários ou assistenciais, o perigo de grave lesão existe para o segurado ou necessitado, e não para o ente autárquico, haja vista o caráter alimentar das verbas.
De outra parte, anoto que a concessão do benefício de amparo assistencial ao idoso ao invés do benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência requerido na inicial não configura julgamento extra petita, uma vez que a lei que rege os benefícios securitários deve ser interpretada de modo a garantir e atingir o fim social ao qual se destina. O que se leva em consideração é o atendimento dos pressupostos legais para a obtenção do benefício, sendo irrelevante sua nominação.
Ademais, pelo princípio da economia processual e solução pro misero, as informações trazidas aos autos devem ser analisadas com vistas à verificação do cumprimento dos requisitos previstos para o beneficio pleiteado e, em consonância com a aplicação do princípio da mihi facto, dabo tibi jus, tem-se que o magistrado aplica o direito ao fato, ainda que aquele não tenha sido invocado (STJ- RTJ 21/340).
Nesse sentido:
Passo ao exame da matéria de fundo.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, autor Sebastião Neves de Souza, nascido aos 08/07/1950, foi submetido a perícia médica em 21/11/2014, a cargo do experto nomeado pelo Juízo, que atestou ser o periciando portador de Artrose discreta de coluna lombar (Espondiloartrose de coluna lombar), sem grandes comprometimentos articulares ou compressões radiculares, concluindo o perito judicial que o quadro é de moderado comprometimento funcional, de natureza degenerativa, compatível com a sua faixa etária e não acarreta incapacidade para o trabalho (fls. 54/56).
Em que pese a conclusão do laudo médico pericial, observo que o autor completou 65 anos de idade no curso do processo, em 16/09/2015 e a partir dessa data, a sua incapacidade é presumida, por disposição legal.
Destarte, na ausência de impugnação do autor, resta analisar se após ter implementado o requisito etário ele não possuía meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído pelo autor Sebastião Neves de Souza, nascido aos 08/07/1950 e sua filha Marcia Aparecida Neves da Silva, nascida aos 05/03/1999, estudante, sem renda.
A averiguação social constatou que o autor reside em imóvel bastante simples, com rachaduras nas paredes, localizado em um sítio, guarnecido com poucos móveis velhos e danificados.
O imóvel foi cedido pelo proprietário, em troca de o autor "olhar o sítio em que está morando".
Não há renda familiar, pois o autor não exerce atividade remunerada devido aos problemas de saúde que apresenta e em troca de cuidar do sítio, tem um local para morar e alimentos fornecidos pelo proprietário.
Em resposta ao quesito nº 10 formulado pela autarquia, afirma a experta que o autor faz jus ao benefício assistencial (fls. 58/63).
Cabe destacar que a autarquia atravessou petição informando que o autor usufruiu do benefício de amparo social ao idoso no período de 16/10/2015 a 29/02/2016, por condescendência administrativa (fls. 92/93), corroborando o preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da benesse.
Destarte, o conjunto probatório demonstra que, ao completar 65 anos de idade, o autor preencheu todos os requisitos legais para a percepção do benefício assistencial ao idoso, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
Quanto ao termo inicial do benefício, não obstante tenha o autor formulado prévio requerimento administrativo em 28/02/2013, conforme comprova o documento de fl. 14, o benefício foi indeferido por não ter sido constatada a incapacidade para o trabalho, o que também não se verificou no exame pericial realizado pelo experto nomeado pelo Juízo.
Desta feita, o termo inicial do benefício deve ser fixado em 08/07/2015, data em que implementado o requisito etário e satisfeitos todos os requisitos exigidos para a concessão da benesse.
A fixação de multa diária, em caso de descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, além de refletir previsão, encontra amparo nos princípios constitucionais da efetividade e da duração razoável do processo, na medida em que consiste num mecanismo de concretização e eficácia do comando judicial, devendo o seu valor ser fixado com a observância dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade.
Confiram-se:
Assim, o valor da multa diária fixada pela r. sentença deve ser reduzida para R$100,00, limitada a R$5.000,00, nos termos dos precedentes da Turma, com prazo de 45 dias.
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado na c. 3ª Seção desta Corte (AL em EI nº 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 124, da Lei nº 8.213/91.
Tendo a autoria decaído de parte do pedido, vez que implementados os requisitos no curso da ação, é de se aplicar a regra contida no Art. 86, do CPC. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93 e a parte autora, por ser beneficiária da assistência judiciária integral e gratuita, está isenta de custas, emolumentos e despesas processuais.
Por derradeiro, quanto ao prequestionamento das matérias para fins recursais, não há falar-se em afronta a dispositivos legais e constitucionais, porquanto o recurso foi analisado em todos os seus aspectos.
Ante o exposto, afastadas as questões trazidas na abertura do apelo, dou parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação, para reduzir o valor da multa diária, aplicar a sucumbência recíproca e adequar os consectários legais.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA:10021 |
| Nº de Série do Certificado: | 10A516070472901B |
| Data e Hora: | 21/02/2017 16:54:43 |
