Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5057868-64.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal GISELLE DE AMARO E FRANCA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
01/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 05/07/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. ART. 20, DA
LEI Nº 8.742/93. REQUISITOS PREENCHIDOS.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso
com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. Laudos periciaisconclusivos pela capacidade laboral da autoria, todavia, o julgador não está
adstrito apenas à prova técnica para formar a sua convicção.
3. A autoria preenche o requisito da deficiência para usufruir do benefício assistencial,
independentemente do grau de desenvolvimento da doença que a acomete, levando-se em conta
o estigma social que sofre o portador do vírus HIV, bem como os conhecidos efeitos da
enfermidade que podem levar à limitação física do paciente, a possibilidade de retorno ao
trabalho para desempenhar qualquer atividade para garantir a sua própria subsistência é de todo
improvável.
4. Demonstrado, pelo conjunto probatório, que não possui meios de prover a própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família, faz jus a autoria à percepção do benefício de prestação
continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, desde a data da citação.
5.A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
6. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº
17.
7. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do
Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
8. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da
Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e
do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
9. Apelação provida em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5057868-64.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: MARIA DE LOURDES RODRIGUES DE SOUSA
Advogados do(a) APELANTE: JOAO LUCAS DOURADO DE MORAES - SP414179-N, KEILA
CARVALHO DE SOUZA - SP228651-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5057868-64.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: MARIA DE LOURDES RODRIGUES DE SOUSA
Advogados do(a) APELANTE: JOAO LUCAS DOURADO DE MORAES - SP414179-N, KEILA
CARVALHO DE SOUZA - SP228651-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em interposta em ação de conhecimento, que tem por objeto condenar a
Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203,
da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo, fundamentado na ausência de incapacidade atestada pelos laudos
periciais, julgou improcedente o pedido, condenando a autora no pagamento das custas e
despesas processuais, observada a gratuidade da justiça.
Apela a parte autora, pleiteando a reforma da sentença, sustentando em suma, que preenche
os requisitos exigidos para a concessão do benefício assistencial.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou parecer, opinando pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5057868-64.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: MARIA DE LOURDES RODRIGUES DE SOUSA
Advogados do(a) APELANTE: JOAO LUCAS DOURADO DE MORAES - SP414179-N, KEILA
CARVALHO DE SOUZA - SP228651-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social,
tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS),
que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao
idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto)
do salário mínimo. In verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto.
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a
família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do Egrégio Supremo
Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93
estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente,
os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua
constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas
instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris
et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua
comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a
Terceira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto
minoritário do E. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar
não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros
meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um
elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a
miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo",
consoante a ementa que ora colaciono:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para
o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)".
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag
1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag
1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag
1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag
1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp
1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp
1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011;
AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador
convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro
Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe
16/11/2010.
Assim, é de se observar que não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento
firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo
Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência
econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a
comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no E. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista
recentemente, em 18.04.2013, nos julgamentos do RE 567985/MT, pelo sistema da
repercussão geral, e da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte declarou
incidenter tantum a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20,
da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, §
3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal
Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de
prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal
per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido
pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações
de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial
previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o
Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões
judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização
dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto,
não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per
capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de
se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram
editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a
Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever
anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a
ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios
assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se
nega provimento.”
(RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR
MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG
02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013)
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art.
20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro
estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do
benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do
art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão
proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da
reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o
Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência
geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a
Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como
fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria
competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das
decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais
naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico
típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre objeto e parâmetro da reclamação – que
surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de
constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o
Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação,
se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei
8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia
quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com
entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004,
que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente
de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas
modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de
outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6.
Reclamação constitucional julgada improcedente.”
(Rcl 4374, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013)
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da
repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo
único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, §
3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal
Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: “considera-se incapaz de
prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal
per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido
pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que
situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício
assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade
1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da
LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo
Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do
critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu
inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela
LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou
deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para
concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa
Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei
10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder
apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima
associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas,
passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão
parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34,
parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não
será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não
exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de
até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para
discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos
beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários
no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei
10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”
(RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013
PUBLIC 14-11-2013)
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o voto do Relator,
Ministro Gilmar Mendes, que o dispositivo "era insuficiente para cumprir integralmente o
comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras
hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente
físico.
Já com relação ao Art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão implica em violação ao
princípio da isonomia, que, conquanto afaste do cálculo da renda per capita familiar o benefício
assistencial já concedido a outro membro da família, contempla apenas o idoso, excluindo do
mesmo tratamento o deficiente, assim como o idoso que conviva com familiar titular de
benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação recém firmada pela Corte Suprema, forçoso concluir
que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a fim de
abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao
benefício assistencial. Ademais, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também
estender a interpretação do parágrafo único do Art. 34 do Estatuto do Idoso, para excluir do
cálculo da renda per capita familiar o benefício de valor mínimo recebido por outro membro da
família, independentemente se de natureza assistencial ou previdenciária, aplicando-se a
mesma disposição ao deficiente.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal
de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in
verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO,
NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no
valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do
benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do
Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código
de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.”
(REsp 1355052/SP, Primeira Seção, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Data da
Publicação/Fonte DJe 05/11/2015).
Tecidas essas considerações, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais
para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para
a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o
aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao requisito da deficiência, cabe elucidar que Maria de Lourdes Rodrigues de
Souza, nascida em 15/08/1963, foi submetida à perícia médica nas áreas de psiquiatria
(23/09/2019), clínica geral (16/10/2019) e ortopedia (02/03/2020), tendo os peritos nomeados
pelo Juízo atestado que a pericianda apresentava quadro de alterações clínicas, ortopédicas e
psiquiátricas, sendo portadora do vírus HIV/AIDS, detectado no ano de 2012, em uso regular de
coquetel, assintomática, Transtorno misto de ansiedade e depressão – CID 10 F41.2 e
Espondilodiscoartropatia lombossacra e concluíram que não havia incapacidade para o trabalho
em razão das doenças apresentadas.
Em que pese as conclusões dos expertos, cabe salientar que o julgador não está adstrito
apenas à prova técnica para formar a sua convicção.
Impende destacar queindependentemente do grau de desenvolvimento da doença que acomete
a autora, ainda que assintomática, levando-se em conta o estigma social que sofre o portador
do vírus HIV, bem como os conhecidos efeitos da enfermidade que podem levar à limitação
física do paciente, a possibilidade de inserção ou retorno ao trabalho para desempenhar
qualquer atividade para garantir a sua própria subsistência é de todo improvável.
Na esteira desse entendimento, dispõe a Súmula 78 da Turma Nacional de Uniformização dos
Juizados Especiais Federais – TNU, in verbis:
“Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgado verificar
as condições, pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em
sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença.”
Como se vê do estudo social, a autora referiu que nunca havia trabalhadoformalmente e os
extratos do CNIS juntados aos autos corroboram que ela não possui relações previdenciárias, e
que apenas trabalhou na lavoura e como faxineira, todavia, depois que adquiriu o vírus HIV não
conseguiu mais exercer atividade laborativaem razão do enfraquecimento causado pela doença
e, principalmente, pelo preconceito das pessoas que lhe negavam emprego, tendo a Assistente
Social concluído acerca da questão posta, in verbis:
“Ressaltamos a Vossa Excelência, que a sociedade mesmo no século 21, infelizmente rejeita o
portador de HIV jovem e com maior capacidade cultural que Sra. Maria de Lourdes. Ela com
toda a carga emocional e social que apresenta, sua pouca cultura e a doença que lhe acomete,
do ponto de vista social, não conseguirá inserir-se no mercado de trabalho e prover seu próprio
sustento.”
Destarte, deve ser reconhecido o direito ao benefício assistencial do indivíduo portador de HIV,
ainda que assintomático, porquanto o preconceito e a discriminação, aliados a outros fatores,
obstruem a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas.
No mesmo sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS. REEXAME.
PROVA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. CONCLUSÃO PERICIAL NÃO VINCULA O
JULGADOR. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO.
1. A tese defendida demanda o revolvimento do contexto fático dos autos e desafia a Súmula
7/STJ.
2. O quadro clínico apresentado pelo agravado denota o preenchimento dos requisitos para
concessão do benefício pleiteado, com base em documentos médicos, não obstante a perícia
judicial ter sido desfavorável. O acórdão acrescentou à situação de saúde do agravado a sua
conjuntura sócio-econômica, e concluiu pela condição de risco social.
3. As conclusões da perícia não vinculam o julgador, o qual pronuncia sua decisão de acordo
com o princípio do livre convencimento motivado. 4. A jurisprudência desta Corte admite a
concessão do benefício que ora se pleiteia, mesmo diante de laudo pericial que ateste a
capacidade para a vida independente.
5. Agravo regimental improvido."
(STJ, AgRg no REsp 1084550/PB, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 23/03/2009);
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA
POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO PELA INCAPACIDADE PARCIAL DO
SEGURADO. NÃO VINCULA ÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA SÓCIO-ECONÔMICA, PROFISSIONAL
E CULTURAL FAVORÁVEL À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Os pleitos previdenciários possuem relevante valor social de proteção ao Trabalhador
Segurado da Previdência Social, devendo ser, portanto, julgados sob tal orientação exegética.
2. Para a concessão de aposentadoria por invalidez devem ser considerados outros aspectos
relevantes, além dos elencados no art. 42 da Lei 8.213/91, tais como, a condição sócio-
econômica, profissional e cultural do segurado.
3. Embora tenha o laudo pericial concluído pela incapacidade parcial do segurado, o Magistrado
não fica vincula do à prova pericial, podendo decidir contrário a ela quando houver nos autos
outros elementos que assim o convençam, como no presente caso.
4. Em face das limitações impostas pela avançada idade, bem como pelo baixo grau de
escolaridade, seria utopia defender a inserção do segurado no concorrido mercado de trabalho,
para iniciar uma nova atividade profissional, motivo pelo faz jus à concessão de aposentadoria
por invalidez.
5. Agravo Regimental do INSS desprovido.
( AgRg no REsp 1055886/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA
TURMA, julgado em 01/10/2009, DJe 09/11/2009); e
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 20, § 2º DA LEI
8.742/93. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA
PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO OU DE TÊ-LO PROVIDO PELA FAMÍLIA. LAUDO
PERICIAL QUE ATESTA A CAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE BASEADO
APENAS NAS ATIVIDADES ROTINEIRAS DO SER HUMANO. IMPROPRIEDADE DO ÓBICE
À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO. I - A pessoa portadora do vírus
HIV, que necessita de cuidados freqüentes de médico e psicólogo e que se encontra
incapacitada, tanto para o trabalho, quanto de prover o seu próprio sustento ou de tê-lo provido
por sua família - tem direito à percepção do benefício de prestação continuada previsto no art.
20 da Lei 8.742/93, ainda que haja laudo médico-pericial atestando a capacidade para a vida
independente. II - O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade
para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para
se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se
esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria
devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do
indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador. III - Recurso desprovido."
(STJ, REsp 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 01/07/2002 p. 377).
Acerca da questão trazida a desate, na mesma esteira, confira-se o entendimento assente nas
Turmas que integram a 3ª Seção desta Corte:
"PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AIDS ( HIV ). CONTEXTO SOCIOECONÔMICO. ESTIGMA
SOCIAL. BAIXA ESCOLARIDADE. IMPROVÁVEL REABILITAÇÃO PROFISSIONAL.
PRECEDENTE. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO
MAGISTRADO. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO CONFIGURADO. BENEFÍCIO DE VALOR
MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº
10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ
(REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE
NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE
EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. SITUAÇÃO DE RISCO COMPROVADA. RENDA
INFERIOR A MEIO SALÁRIO MÍNIMO. PERCEPÇÃO DE BOLSA FAMÍLIA. VALOR
DESCONSIDERADO. FAMÍLIA COMPOSTA POR UMA JOVEM, UMA ADOLESCENTE E UMA
PORTADORA DE HIV . MORADIA CEDIDA. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE
INSATISFATÓRIAS. MOBILIÁRIO ANTIGO. IMÓVEL CONSTITUÍDO POR APENAS 2
CÔMODOS. MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA
DEMONSTRADA. DIB. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ.
APLICABILIDADE. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
DEFERIDO. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. TUTELA
ESPECÍFICA CONCEDIDA.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho,
em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do
art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial , uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
7 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 22 de
maio de 2013 (fls. 77/81), consignou o seguinte: "Paciente com 34 anos de idade,
desempregada, foi faxineira, portadora do vírus da AIDS (...) Paciente hígida, em uso de
coquetel, que sim tem seus efeitos colaterais como todas outras drogas de uso crônico, e que
neste momento encontrei achados clínicos e laboratoriais satisfatórios, tornando-a capaz para
realizar as atividades profissionais que realizava".
8 - Saliente-se, no entanto, que a análise do impedimento de longo prazo, no caso da
imunodeficiência adquirida, deve se dar à luz das ocupações funcionais habituais do seu
portador, do seu grau de escolaridade, do potencial exibido para recolocação profissional e
reabilitação e, por fim, do ambiente profissional de convivência, eis que muitos dos portadores
do vírus hiv , ainda que assintomáticos, não têm oportunidades de trabalho e são
marginalizados pela sociedade, sofrendo com os constrangimentos, preconceitos e estigmas
que giram em torno da doença; apresentam debilidades físicas e psicológicas; e, em razão do
coquetel que são submetidos, passam por diversos efeitos colaterais, com náuseas e fadigas
que dificultam o exercício de atividade laboral.
9 - No caso em apreço, verifica-se que a demandante sempre desempenhou a atividade de
"doméstica" e, provavelmente, vive em um ambiente social hostil à referida patologia, no qual a
AIDS é estigmatizada, sobretudo, em razão do desconhecimento acerca de sua forma de
transmissão, decorrente da própria condição socioeconômica das pessoas que fazem parte do
seu convívio.
10 - Registre-se que o grau de escolaridade da autora é "ensino fundamento incompleto" (fl.
114).
11 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do CPC/73
(atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o
destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
12 - Dessa forma, pelo diagnóstico apresentado, a falta de qualificação profissional, as últimas
atividades remuneradas exercidas e o ambiente profissional de convívio, tem-se por presente a
impedimento de longo prazo.
13 - A autora também demonstrou ser hipossuficiente para fins de concessão do benefício ora
em análise.
14 - O estudo social, elaborado em 11 de maio de 2015 (fls. 113/119), informou ser o núcleo
familiar formado pela requerente e 2 (duas) filhas. A residência, segundo as informações
prestadas, é cedida pelos parentes do seu ex-marido, e é "de alvenaria, rebocada e pintada. O
imóvel está coberto por telha, sem forro. A área interna do imóvel está revestida por contra piso.
Possui mobília antiga em estado conservado. A residência é composta por dois cômodos, está
localizada em região urbanizada, com saneamento e infra estrutura básica (...)".
15 - A renda do núcleo familiar decorria dos valores recebidos, a título de inscrição no Programa
Bolsa Família, do Governo Federal, no importe de R$112,00. No entanto, tal quantia não pode
ser computada como rendimento, à luz do disposto no art. 4º, IV, alínea, "c" do Decreto
6.135/2007.
16 - As despesas, envolvendo gastos com energia, água, gás e alimentação, cingiam a
aproximadamente R$383,00.
17 - Nota-se que, sequer com os valores que recebiam de programa social, a família conseguia
quitar suas despesas, as quais eram, frisa-se, bem modestas. Necessitavam do auxílio
permanente de terceiros.
18 - Em suma, a renda per capita familiar é inferior ao parâmetro jurisprudencial de
miserabilidade, de ½ de um salário mínimo. Aliás, menor até que aquela definido em Lei, de ¼,
já declarado inconstitucional pelo E. STF.
19 - Cumpre lembrar que a família é composta por uma jovem, uma adolescente, e uma pessoa
portadora de "hiv", a qual, muito provavelmente, sofre preconceito em razão de sua doença.
20 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que a
situação do núcleo familiar enquadra-se na concepção legal de hipossuficiência econômica,
fazendo, portanto, a autora, jus ao benefício pleiteado.
21 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(AgRg no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/08/2015, DJe 14/08/2015). Dessa forma, tendo em vista a apresentação de requerimento
administrativo em 12/07/2010 (NB: 541.707.365-9 - fl. 12), de rigor a fixação da DIB na referida
data.
22 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
23 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
24 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial , deve ser observado o
tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único
do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
25 - Relativamente aos honorários advocatícios, consoante o disposto na Súmula nº 111, STJ,
estes devem incidir somente sobre o valor das parcelas devidas até a prolação da sentença,
ainda que reformada. E isso se justifica pelo princípio constitucional da isonomia. Na hipótese
de procedência do pleito em 1º grau de jurisdição e sucumbência da autarquia previdenciária, o
trabalho do patrono, da mesma forma que no caso de improcedência, perdura enquanto não
transitada em julgado a decisão final. O que altera são, tão somente, os papéis exercidos pelos
atores judicias que, dependendo da sorte do julgamento, ocuparão polos distintos em relação
ao que foi decidido. Portanto, não se mostra lógico e razoável referido discrímen, a ponto de
justificar o tratamento diferenciado, agraciando com maior remuneração profissionais que
exercem suas funções em 1º e 2º graus com o mesmo empenho e dedicação. Imperiosa, assim,
a incidência da verba honorária até a data do julgado recorrido, em 1º grau de jurisdição, e
também, na ordem de 10% (dez por cento), eis que as condenações pecuniárias da autarquia
previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual deve, por imposição legal,
ser fixada moderadamente, o que resta atendido com o percentual supra.
26 - Apelação da parte autora provida. benefício assistencial deferido. Sentença reformada.
Ação julgada procedente. Tutela específica concedida.”
(TRF3, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0040610-05.2016.4.03.9999/SP, Relator Desembargador Federal
CARLOS DELGADO, 7ª Turma, D.E. Publicado em 12/08/2019); e
“ASSISTÊNCIA SOCIAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. MISERABILIDADE CONFIGURADA. DEFICIÊNCIA CONFIGURADA. TERMO
INICIAL. DATA DA CITAÇÃO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS
SUCUMBENCIAIS.
- A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não
possuir meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal.
Trata-se de benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais
requisitos, independentemente de contribuição à seguridade social.
- Para a concessão do benefício assistencial, necessária a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
- O laudo médico pericial, realizado em 13/05/16, indica que o autor apresenta hipertensão
arterial sistêmica, AIDS, insuficiência cardíaca congestiva, e cardiomiopatia isquêmica e
osteofitose. Nesse sentido, concluiu o perito que havia incapacidade parcial e permanente para
o exercício de atividades laborativas, estando o autor impedido a realizar atividades que
demandem esforço físico.
- Considerando a baixa escolaridade do autor e sua atividade habitual de pedreiro, é possível
concluir que a barreira colocada pelo HIV, especialmente quando considerada em conjunto com
os demais problemas de saúde que possui, obstrui sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
- Sendo possível extrair do conjunto probatório a existência de impedimentos de longo prazo, o
quadro apresentado se ajusta, portanto, ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos do
artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, com a redação dada pela Lei 12.435/2011.
- A situação de vulnerabilidade social do autor não foi contestada em seu recurso de apelação,
de forma que a questão está incontroversa.
- A jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o
termo inicial do benefício deve ser a data do requerimento administrativo e, na sua ausência, a
data da citação, haja vista que o laudo pericial somente norteia o livre convencimento do juiz
quanto aos fatos alegados pelas partes, mas não serve como parâmetro para fixar o termo
inicial de aquisição de direitos.
- Com relação à correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos pelo Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da
execução do julgado, em respeito ao Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005, observado o
entendimento firmado pelo STF no RE 870.947.
- Em relação aos juros de mora incidentes sobre débitos de natureza não tributária, como é o
caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em causa, o STF manteve a
aplicação do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009.
- Tendo a sentença sido proferida na vigência do Código de Processo Civil anterior e tratando-
se de condenação da Fazenda Pública, os honorários podem ser fixados equitativamente pelo
juiz, que, embora não fique adstrito aos percentuais de 10% a 20% previsto no art. 20, §3º, do
Código de Processo Civil de 1973, não está impedido de adotá-los se assim entender adequado
de acordo com o grau de zelo do profissional, bem como o trabalho realizado e o tempo exigido
deste, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa.
- Condenação do INSS no pagamento das custas, despesas processuais e honorários
advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre as prestações vencidas até a prolação da
sentença, que julgou procedente o pedido, nos termos do enunciado da Súmula 111 do
Superior Tribunal de Justiça.
- Quanto ao pedido do INSS para isenção no recolhimento de custas processuais, inexiste
interesse recursal, visto que esta já foi reconhecida na r. sentença. Recurso não conhecido
neste ponto.
- Apelação do INSS a que se dá parcial provimento.”
(TRF3, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002205-26.2018.4.03.9999/SP, Desembargador Federal LUIZ
STEFANINI, 8ª Turma, D.E. Publicado em 16/04/2019).; e
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO. ART. 1.021, CPC.
APELAÇÃO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS PRESENTES. AGRAVO
DESPROVIDO.
(...)
13. Com relação à deficiência, objeto de irresignação da agravante, a perícia médica judicial (ID
76356713) constatou que a parte autora é portadora da Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida - AIDS, diagnosticada há 10 anos, realiza acompanhamento e tratamento para a
doença desde então. Constou, ainda, que a autora apresenta dificuldade para arrumar emprego
por faltar várias vezes para fazer acompanhamento médico, pois sente muita sonolência/tontura
por reação do medicamento. Consta do laudo que a falta de concentração, atenção e memória
fraca, chamados distúrbios cognitivos, também podem estar associadas ao HIV e têm evolução
bem variada. Dessa forma, considerando tratar-se de pessoa com baixo grau de instrução e
qualificação profissional, portadora de doença debilitante, incurável e contagiosa, inafastável a
incapacidade da parte autora para o desempenho de atividade remunerada que lhe garanta o
sustento. Precedentes desta Colenda Corte Regional.
(...)
(ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL/SP, 5822308-96.2019.4.03.9999, Rel. Desembargadora Federal
DIVA MALERBI, 8ª Turma, j. 24/03/2020, Intimação via sistema DATA: 27/03/2020).”
Destarte, o conjunto probatório comprova que a autora preenche o requisito da deficiência para
a concessão do benefício assistencial, à luz do Art. 20, § 2º da Lei 8.742/93.
Cabe frisar que o Art. 21 do mesmo diploma legal assegura à Autarquia o direito à revisão
periódica do benefício, a cada dois anos, a fim de aferir a persistência das condições que
autorizaram a sua concessão.
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família.
A averiguação social constatou que a autora Maria de Lourdes Rodrigues de Sousa, 56 anos,
divorciada há 28 anos, desempregada, residia com seu filho Cleiton Rodrigo do Nascimento, 35
anos, solteiro, desempregado.
A autora ocupava um imóvel cedido por seu ex-marido Nelson Leme, inacabado, em condições
precárias, composto por 2 quartos, sala, cozinha e banheiro, guarnecidos com mobiliário básico
e simples, antigo e com muito tempo de uso.
Não havia renda familiar, pois tanto a autora como seu filho estavam desempregados e
sobreviviam com o auxílio prestado por terceiros.
Relatou a Assistente Social que a autora era portadora do vírus HIV, fazia tratamento com
coquetel AZT, era uma pessoa de aparência frágil e não apresentava capacidade emocional e
social para desempenhar atividade for do lar para prover seu próprio sustento, concluindo que
ela vivenciava uma situação de “miserabilidade absoluta”, opinando favoravelmente pela
concessão do benefício.
Destarte, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que a autora vive em situação
de vulnerabilidade e risco social e que preenche os requisitos legais para usufruir do benefício
de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art.
20, da Lei 8.742/93.
Quanto ao termo inicial do benefício, cabe elucidar que a autora requereu o benefício no âmbito
administrativo em 18/09/2015e ajuizou a presente ação no ano de 2018.
Nos termos do Art. 21, da Lei 8.742/93, o benefício de prestação continuada deve ser revisto a
cada dois anos, a fim de se avaliar a continuidade das condições que autorizaram o seu
deferimento.
Como se vê, entre a data dorequerimento e o ajuizamento da ação, decorreram mais de dois
anos.
Impende destacar que para evidenciar o interesse de agir da parte autora, nas ações que
tenham por objeto a concessão do benefício assistencial, que depende da comprovação da
deficiência ou idade e da condição de necessitado, seria prudente considerar válido o
requerimento administrativo apresentado até dois antes do ajuizamento da ação, porquanto
além desse prazo não é possível presumir a persistência das condições anteriores, de modo
que não há solução de continuidade entre as questões submetidas ao crivo do INSS e aquelas
postas em Juízo.
Cabe frisar que a questão trazida à baila já foi enfrentada por esta Corte, restando decidido que
o requerimento administrativo formulado há mais de dois anos não teria o condão de retroagir o
termo inicial àquela data, em razão do conformismo da requerente com a decisão denegatória e
o lapso temporal decorrido até o ajuizamento da ação.
Nesse sentido:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO DO INSS: NÃO
CONHECIMENTO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. TERMO INICIAL. REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO ANTIGO. PRAZO SUPERIOR A DOIS ANOS. ARTIGO 21, CAPUT, DA
LOAS. AGRAVO INTERNO DA PARTE AUTORA IMPROVIDO.
- Tratando-se de agravo interno, calha desde logo estabelecer que, segundo entendimento
firmado nesta Corte, a decisão do relator não deve ser alterada quando fundamentada e nela
não se vislumbrar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em dano irreparável ou de difícil
reparação para a parte. Menciono julgados pertinentes ao tema: AgRgMS n.
2000.03.00.000520-2, Primeira Seção, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, DJU 19/6/01, RTRF
49/112; AgRgEDAC n. 2000.61.04.004029-0, Nona Turma, Rel. Des. Fed. Marisa Santos, DJU
29/7/04, p. 279.
- Agravo interno do INSS não conhecido, porque trata questão diversa da presente
(transformação de aposentadoria por tempo de contribuição em especial) e também porque seu
pedido recursal - de aplicar a TR na apuração da correção monetária - já foi acolhido no julgado
atacado. Trata-se, assim, de caso de ausência de interesse recursal.
- O julgado agravado concluiu pelo preenchimento dos requisitos necessários à concessão do
benefício de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93 e regulamentado
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011, fixando o termo inicial na data da citação.
- De fato, não pode haver a retroação à DER porque a parte autora conformou-se com a
decisão administrativa por muito tempo. Ora, o requerimento administrativo deu-se em
20/3/2010, mas a propositura da ação só ocorreu em 13/6/2013.
- Ocorre que, nos termos do artigo 21, caput, da Lei nº 8.742/93, o benefício deve ser revisto a
cada 2 (dois) anos, não havendo possibilidade de se presumir a miserabilidade desde a DER
realizada em 20/3/2010.
- Os julgados citados pela parte autora em seu agravo tratam de situações diversas e não
levaram em conta a regra legal conformada no artigo 21, caput, da LOAS, não se podendo,
aqui, fazer tabula rasa da legislação assistencial.
- Agravo interno do INSS não conhecido
- Agravo interno da parte autora conhecido e desprovido.
(TRF3, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001026-70.2013.4.03.6139/SP, Nona
Turma, D.E. publicado em 16/08/2017); e
“AGRAVO LEGAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. TERMO INICIAL DO
BENEFÍCIO. AUSENCIA DE COMPROVAÇÃO DO REQUISITO DE MISERABILIDADE AO
TEMPO DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPROVIMENTO.
1 - O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e
cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de
prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20,
§ 3º, da Lei nº 8.742/93.
2 - Diante da jurisprudência dos E. Tribunais Superiores, para a constatação da hipossuficiência
social familiar, há que se levar em consideração as peculiaridades de cada caso concreto.
3 - A sentença prolatada fixou o termo inicial do benefício na data da elaboração do laudo
médico (23/05/2014 - fls. 97).
4 - Em que pese a existência de pedido administrativo efetuado em 07/08/2006 - fls. 75, a
concessão do benefício assistencial requer a concomitância da condição de miserabilidade da
autora e sua incapacidade laboral, de forma que embora a perita médica tenha estabelecido
que a incapacidade teve início em 1997, não está comprovado nos autos que, ao tempo do
pedido administrativo, estivesse também preenchido o requisito da miserabilidade.
5 - Em razão do grande lapso temporal entre o requerimento administrativo e o ajuizamento
desta ação, a situação equipara-se à ausência de requerimento, de forma que o termo inicial do
benefício dever ser fixado na data da citação da autarquia (17/01/2014 - fls. 50), momento em
que a ré teve ciência da pretensão da autora.
6 - Agravo legal improvido.”
(TRF3 - AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026088-07.2015.4.03.9999/MS, Sétima
Turma, D.E. publicado em 23.10.2015).
Pelas razões expostas, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citaçãorealizada
em 24/10/2018.
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde a data da citação, com reavaliação no
prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a
sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante
nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas
administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício
concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art.
85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da
Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01,
e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Independentemente do trânsito, determinoseja comunicado ao INSS a fim de que se adotem as
providências cabíveis ao imediato cumprimento deste julgado, conforme os dados do tópico
síntese do julgado abaixo transcrito.
Tópico síntese:
a) nome do beneficiário: Maria de Lourdes Rodrigues de Sousa;
b) benefício: benefício assistencial (LOAS);
c) renda mensal: RMI - um salário mínimo;
d) DIB: 24/10/2018 - data da citação;
e) número do benefício: indicação do INSS.
Por todo o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. ART. 20, DA
LEI Nº 8.742/93. REQUISITOS PREENCHIDOS.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da
Assistência Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência
e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de
prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. Laudos periciaisconclusivos pela capacidade laboral da autoria, todavia, o julgador não está
adstrito apenas à prova técnica para formar a sua convicção.
3. A autoria preenche o requisito da deficiência para usufruir do benefício assistencial,
independentemente do grau de desenvolvimento da doença que a acomete, levando-se em
conta o estigma social que sofre o portador do vírus HIV, bem como os conhecidos efeitos da
enfermidade que podem levar à limitação física do paciente, a possibilidade de retorno ao
trabalho para desempenhar qualquer atividade para garantir a sua própria subsistência é de
todo improvável.
4. Demonstrado, pelo conjunto probatório, que não possui meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, faz jus a autoria à percepção do benefício de
prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, desde a data da citação.
5.A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
6. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante
nº 17.
7. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do
Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
8. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da
Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01,
e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
9. Apelação provida em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
