Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5234525-89.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal GISELLE DE AMARO E FRANCA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
14/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 15/07/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. ART. 20, DA
LEI Nº 8.742/93. REQUISITOS PREENCHIDOS.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso
com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. Laudo médico pericial atesta que a autoria está incapacitada de forma total e temporária para o
exercício de atividade laborativa, em razão da patologia que apresenta.
3. Nos termos da Súmula 48 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais
Federais (TNU), “Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o
conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de
incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração
mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data
prevista para a sua cessação.”
4. Analisando o conjunto probatório, em seus aspectos biopsicossociais, é de se reconhecer que
a autoria preenche o requisito da deficiência para usufruir do benefício assistencial, à luz do Art.
20, § 2º da Lei 8.742/93.
5. Demonstrado, pelo conjunto probatório, que não possui meios de prover a própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família, faz jus a autoria à percepção do benefício de prestação
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, desde a data do requerimento
administrativo.
6. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
7. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº
17.
8. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do
Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
9. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da
Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e
do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
10. Remessa oficial, havida como submetida, provida em parte e apelação desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5234525-89.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LINDOMAR FLOR LEMES
Advogado do(a) APELADO: DONIZETI ELIAS DA CRUZ - SP310432-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5234525-89.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
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APELADO: LINDOMAR FLOR LEMES
Advogado do(a) APELADO: DONIZETI ELIAS DA CRUZ - SP310432-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de remessa oficial, havida como submetida, e de apelação interposta em ação de
conhecimento, em que se busca a concessão do benefício de prestação continuada, previsto no
Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o réu a conceder o benefício
assistencial à parte autora, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data do
requerimento administrativo (03/10/2018), pagar as prestações vencidas corrigidas
monetariamente e acrescidas de juros de mora, e honorários advocatícios de 10% sobre o valor
da condenação, observado o disposto na Súmula 111 do STJ. Tutela antecipada deferida.
Em seu recurso o réu pleiteia a reforma da r. sentença.
Subiram os autos, com contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5234525-89.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LINDOMAR FLOR LEMES
Advogado do(a) APELADO: DONIZETI ELIAS DA CRUZ - SP310432-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social,
tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS),
que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao
idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto)
do salário mínimo. In verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto.
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a
família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do Egrégio Supremo
Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93
estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente,
os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua
constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas
instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris
et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua
comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a
Terceira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto
minoritário do E. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar
não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros
meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um
elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a
miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo",
consoante a ementa que ora colaciono:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para
o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)".
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag
1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag
1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag
1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag
1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp
1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp
1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011;
AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador
convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro
Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe
16/11/2010.
Assim, é de se observar que não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento
firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo
Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência
econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a
comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no E. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista
recentemente, em 18.04.2013, nos julgamentos do RE 567985/MT, pelo sistema da
repercussão geral, e da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte declarou
incidenter tantum a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20,
da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, §
3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal
Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de
prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal
per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido
pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações
de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial
previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o
Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões
judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização
dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto,
não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per
capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de
se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram
editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a
Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever
anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a
ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios
assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se
nega provimento.”
(RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR
MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG
02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013)
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art.
20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro
estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do
benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do
art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão
proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da
reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o
Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência
geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a
Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como
fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria
competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das
decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais
naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico
típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre objeto e parâmetro da reclamação – que
surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de
constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o
Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação,
se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei
8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia
quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com
entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004,
que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente
de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas
modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de
outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6.
Reclamação constitucional julgada improcedente.”
(Rcl 4374, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013)
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da
repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo
único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, §
3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal
Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: “considera-se incapaz de
prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal
per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido
pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que
situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício
assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade
1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da
LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo
Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do
critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu
inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela
LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou
deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para
concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa
Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei
10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder
apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima
associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas,
passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão
parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34,
parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não
será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não
exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de
até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para
discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos
beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários
no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei
10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”
(RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013
PUBLIC 14-11-2013)
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o voto do Relator,
Ministro Gilmar Mendes, que o dispositivo "era insuficiente para cumprir integralmente o
comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras
hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente
físico.
Já com relação ao Art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão implica em violação ao
princípio da isonomia, que, conquanto afaste do cálculo da renda per capita familiar o benefício
assistencial já concedido a outro membro da família, contempla apenas o idoso, excluindo do
mesmo tratamento o deficiente, assim como o idoso que conviva com familiar titular de
benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação recém firmada pela Corte Suprema, forçoso concluir
que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a fim de
abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao
benefício assistencial. Ademais, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também
estender a interpretação do parágrafo único do Art. 34 do Estatuto do Idoso, para excluir do
cálculo da renda per capita familiar o benefício de valor mínimo recebido por outro membro da
família, independentemente se de natureza assistencial ou previdenciária, aplicando-se a
mesma disposição ao deficiente.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal
de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in
verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO,
NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no
valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do
benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do
Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código
de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.”
(REsp 1355052/SP, Primeira Seção, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Data da
Publicação/Fonte DJe 05/11/2015).
Tecidas essas considerações, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais
para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para
a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o
aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao requisito da deficiência, o laudo, referente à perícia médica realizada em
17/10/2019, atesta que Lindomar Flor Lemes, nascido em 05/11/1985, escolaridade primeiro
grau completo, ajudante de pedreiro desempregado, é portador de alcoolismo – dependência
alcoólica e conclui que há incapacidade total e temporária para o trabalho e necessidade de
terceiros para as atividades cotidianas e prática de atos de vida diária.
Malgrado o experto tenha classificado a incapacidade como total e temporária, cabe destacar
que nos termos da Súmula 48 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais
Federais (TNU), a incapacidade para o trabalho não precisa ser permanente para fins de
concessão do benefício assistencial, in verbis:
“Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de
pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade
laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2
(dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista
para a sua cessação.”
Extrai-se do laudo pericial que o autor referiu internação devido à dependência química nos
anos de 2015 e 2016 e que não mais conseguiu laborar após o último emprego há
aproximadamente 4 anos. Foi constatado na perícia realizada em 17/10/2019, que ele
apresentava “grave comprometimento físico e mental pela doença” e que necessitou sair da
perícia em cadeira de roda. Ademais, o perito afirma que o autor deve ser submetido a
internação para desintoxicação em clínica especializada, podendo vir a óbito se continuar
fazendo uso de bebida e não se tratar.
Dispõe o Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício assistencial, in verbis:
Art. 4º Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
I - idoso: aquele com idade de sessenta e cinco anos ou mais;
II - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas;
II - incapacidade: fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de
atividade e restrição da participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade de
inclusão social, em correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente
físico e social;
(...)
§ 3º Considera-se impedimento de longo prazo aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo
de dois anos.
Assim,analisando o conjunto probatório, em seus aspectos biopsicossociais, é de se reconhecer
que oautorpreenche o requisito da deficiência para usufruir do benefício assistencial, à luz do
Art. 20, § 2º da Lei 8.742/93.
Nesse sentido, a jurisprudência da Colenda Corte Superior:
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS. REEXAME.
PROVA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. CONCLUSÃO PERICIAL NÃO VINCULA O
JULGADOR. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO.
1. A tese defendida demanda o revolvimento do contexto fático dos autos e desafia a Súmula
7/STJ.
2. O quadro clínico apresentado pelo agravado denota o preenchimento dos requisitos para
concessão do benefício pleiteado, com base em documentos médicos, não obstante a perícia
judicial ter sido desfavorável. O acórdão acrescentou à situação de saúde do agravado a sua
conjuntura sócio-econômica, e concluiu pela condição de risco social.
3. As conclusões da perícia não vinculam o julgador, o qual pronuncia sua decisão de acordo
com o princípio do livre convencimento motivado. 4. A jurisprudência desta Corte admite a
concessão do benefício que ora se pleiteia, mesmo diante de laudo pericial que ateste a
capacidade para a vida independente.
5. Agravo regimental improvido."
(STJ, AgRg no REsp 1084550/PB, Rel. Ministro JORGE MUSSI, DJe 23/03/2009); e
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA
POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO PELA INCAPACIDADE PARCIAL DO
SEGURADO. NÃO VINCULAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA SÓCIO-ECONÔMICA, PROFISSIONAL
E CULTURAL FAVORÁVEL À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Os pleitos previdenciários possuem relevante valor social de proteção ao Trabalhador
Segurado da Previdência Social, devendo ser, portanto, julgados sob tal orientação exegética.
2. Para a concessão de aposentadoria por invalidez devem ser considerados outros aspectos
relevantes, além dos elencados no art. 42 da Lei 8.213/91, tais como, a condição sócio-
econômica, profissional e cultural do segurado.
3. Embora tenha o laudo pericial concluído pela incapacidade parcial do segurado, o Magistrado
não fica vincula do à prova pericial, podendo decidir contrário a ela quando houver nos autos
outros elementos que assim o convençam, como no presente caso.
4. Em face das limitações impostas pela avançada idade, bem como pelo baixo grau de
escolaridade, seria utopia defender a inserção do segurado no concorrido mercado de trabalho,
para iniciar uma nova atividade profissional, motivo pelo faz jus à concessão de aposentadoria
por invalidez .
5. Agravo Regimental do INSS desprovido.
( AgRg no REsp 1055886/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA
TURMA, julgado em 01/10/2009, DJe 09/11/2009).
Acerca do alcoolismo como patologia que acarreta limitações ao desempenho de atividades e
restrição à participação social do dependente, e que se amolda ao conceito de deficiência
necessário à concessão do benefício social, transcrevo o trecho do voto proferido na Apelação
Cível nº 5185895-02.2020.4.03.9999, de relatoria do Desembargador Federal João Batista
Gonçalves, 9ª Turma, julgado em 17/12/2020, publicado em 18/12/2020 via sistema, que bem
elucida questão.
Confira-se:
“Tenho, no mais, que o alcoolismo constitui, a todas as luzes, enfermidade, constando,
inclusive, da Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID 10), cujo tópico F10 cuida
dos Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool. Destarte, não se cuida
de adotar conduta paternalista e escoimar pessoas das responsabilidades pelos seus atos, mas
sim de reputar altamente comprometido e controvertido o elemento volitivo quando da sujeição
do indivíduo ao vício. Aliás, sem qualquer pretensão de aprofundamento no assunto, certo é
que estudos científicos indagam acerca do componente genético nessas moléstias, o que, a
meu sentir, problematiza, ainda mais, a existência de vontade livre e desembaraçada por
ocasião da adesão ao hábito pernicioso.
Guardo, pois, reservas à posição de obstar a fruição de benesses por incapacidade à vista
dessa divisada voluntariedade. Acredito ser de todo curial a adoção de conduta cautelosa, tanto
mais porque não são poucas as doenças notoriamente decorrentes de comportamentos
encampados pela pessoa no decorrer de sua vida, mesmo com alertas aos riscos daí advindos.
A ilustrar, sabidamente os inconsequentes excessos alimentares conduzem a doenças
cardíacas, problemas no cérebro, diabetes e tantos outros males. O tabagismo é decerto causa
determinante de neoplasia pulmonar. A ausência de adequada prevenção pode vir a engendrar
contaminação pelo vírus HIV. E note-se: a ninguém ocorre negar benesses por incapacidade
nessas situações, pela só convergência da atitude do doente ao mal que porta. Porque, então,
inibir apenas ao etilista o acesso ao benefício de prestação continuada pretendido? Qual o
discrimine lógico e razoável para se estabelecer distinções nesse campo? Como, válida e
objetivamente, apartar as hipóteses em que a pessoa verdadeiramente concorreu à doença?
Ademais, em relação ao amparo assistencial, o art. 16, § 2º, do Decreto nº 6.214/2007,
estabelece que “a avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a
avaliação médica considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo”, e, ainda,
“a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas
especificidades”, daí defluindo que a avaliação da deficiência deve ser modulada conforme a
qualificação e experiência pessoal do postulante do amparo assistencial, no contexto social em
que vive.
Nesse cenário, antevejo a existência de comprometimento ou restrições sociais decorrentes da
enfermidade verificada, por mais de 2 (dois) anos, configurando-se, por conseguinte, quadro de
deficiência necessário à concessão do benefício de prestação continuada, nos termos
estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº 8.742/1993.”
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Na visita domiciliar realizada no dia 07/09/2019, constatou a Assistente Social que Lindomar
Flor Lemes, nascido em 05/11/1985, residia com sua esposa Adma Aparecida Mendes Lemes,
nascida em 25/06/1994, desempregados.
A família residia em uma casa sem acabamento, construída no terreno de propriedade da mãe
de Adma, situada na zona rural, composta por um quarto e cozinha, guarnecidos com poucos
móveis em péssimas condições de uso e conservação e utilizavam um banheiro localizado na
parte externa.
Consta que no mesmo terreno, em um imóvel separado,morava a sogra do autor, a qual era
beneficiária de LOAS.
A renda familiar era proveniente do benefício Bolsa Família, que repassava à esposa do autor o
valor de R$180,00.
Foram informadas despesas com energia elétrica e água, restando esclarecido que a sogra do
autor auxiliava o casal no pagamento dessas despesas e na alimentação, com a renda advinda
do benefício assistenciale que a Prefeitura Municipal fornecia uma cesta
básicaesporadicamente.
Relatou a Assistente Social que o autor era alfabetizado funcional, dependente químico e
aparentava possuir problemas psiquiátricos, e que não tinha condições de laborar devido aos
problemas de saúde, concluindo que era elegível para a concessão do benefício.
Cabe frisar que os valores oriundos dos programas de transferência de renda não devem ser
computados para aferição do critério da hipossuficiência econômica, conforme disposto no
Decreto 6.214, de 26 de setembro de 2007, que regulamenta o benefício de prestação
continuada, com redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011 e o Decreto n° 8.805, de 2016,
in verbis:
"Art. 4º Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
(...)
VI - renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos
membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias,
benefícios de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro-labore,
outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou
autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de
Prestação Continuada, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 19.
§ 2º Para fins do disposto no inciso VI do caput, não serão computados como renda mensal
bruta familiar: (g.n.)
I - benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária;
II - valores oriundos de programas sociais de transferência de renda; (g.n.)
III - bolsas de estágio supervisionado;
IV - pensão especial de natureza indenizatória e benefícios de assistência médica, conforme
disposto no art. 5º;
V - rendas de natureza eventual ou sazonal, a serem regulamentadas em ato conjunto do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do INSS; e
VI - rendimentos decorrentes de contrato de aprendizagem. "
Assim, não há renda para suprir as necessidades vitais do autor.
Destarte, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que o autorencontra-se em
situação de vulnerabilidade e risco social e que preenche os requisitos legais para usufruir do
benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do
caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo
(03/10/2018),em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça,
in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. APLICABILIDADE DO ART. 557 DO CPC. ASSISTÊNCIA SOCIAL.
BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TERMO INICIAL.
DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO QUANDO JÁ PREENCHIDOS OS
REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
I - O presente feito decorre de ação de concessão de benefício de prestação continuada
objetivando a concessão do benefício previsto no art. 203, V, da Constituição Federal de 1988,
sob o fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Na sentença, julgou-se improcedente o
pedido. No Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a sentença foi reformada.
II - Esta Corte consolidou o entendimento de que havendo requerimento administrativo, como
no caso, este é o marco inicial dos efeitos financeiros do benefício assistencial. Nesse sentido:
REsp n. 1610554/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em
18/4/2017, DJe 2/5/2017; REsp n. 1615494/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma, julgado em 1/9/2016, DJe 6/10/2016 e Pet n. 9.582/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes
Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe 16/9/2015.
III - Correta, portanto, a decisão que deu provimento ao recurso especial do Ministério Público
Federal.
IV - Agravo interno improvido.”
(AgInt no REsp 1662313 / SP, AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL, Rel. Ministro
FRANCISCO FALCÃO, 2ª TURMA, Data do Julgamento 21/03/2019, Data da Publicação/Fonte
DJe 27/03/2019).
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde a data do requerimento administrativo,
comreavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as
parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante
nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas
administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício
concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art.
85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da
Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01,
e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Por derradeiro, quanto ao prequestionamento das matérias para fins recursais, não há afronta a
dispositivos legais e constitucionais, porquanto o recurso foi analisado em todos os seus
aspectos.
Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida,para adequar
os consectários legais e os honorários advocatícios, e nego provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. ART. 20, DA
LEI Nº 8.742/93. REQUISITOS PREENCHIDOS.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da
Assistência Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência
e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de
prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. Laudo médico pericial atesta que a autoria está incapacitada de forma total e temporária para
o exercício de atividade laborativa, em razão da patologia que apresenta.
3. Nos termos da Súmula 48 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais
Federais (TNU), “Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o
conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de
incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração
mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a
data prevista para a sua cessação.”
4. Analisando o conjunto probatório, em seus aspectos biopsicossociais, é de se reconhecer
que a autoria preenche o requisito da deficiência para usufruir do benefício assistencial, à luz do
Art. 20, § 2º da Lei 8.742/93.
5. Demonstrado, pelo conjunto probatório, que não possui meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, faz jus a autoria à percepção do benefício de
prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, desde a data do requerimento
administrativo.
6. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
7. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante
nº 17.
8. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do
Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
9. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da
Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01,
e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
10. Remessa oficial, havida como submetida, provida em parte e apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e negar
provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
