
| D.E. Publicado em 15/12/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo retido e dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0018663-26.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 05/10/2010, que tem por objeto condenar o réu a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
A sentença de fls. 137/141, foi anulada nos termos da decisão de fls. 164/165.
Regularmente processado o feito, o MM. Juízo a quo, fundamentado na conclusão do laudo médico pericial, julgou improcedente o pedido, condenando a autoria no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 10% do valor atribuído à causa, observada a gratuidade processual concedida para a execução dessas verbas.
Apela a parte autora, pleiteando a apreciação do agravo retido interposto em face da decisão que indeferiu a tutela antecipada e quanto ao mérito, sustenta que preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo provimento do recurso interposto.
É o relatório.
VOTO
Por primeiro, conheço do agravo retido e postergo sua análise para após o exame da matéria de fundo.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Ivan Liberato, nascido aos 20/04/1968, é portador de Artrodese lombar - CID Z98.1, Depressão leve - CID F32.0 e Dor lombar baixa - CID M54.5, concluindo o experto que o autor encontra-se incapacitado de forma parcial e permanente para o trabalho, podendo realizar atividades de carga leve e atividades manuais, consignando que para exercer o seu ofício de pedreiro a incapacidade é permanente (fls. 121/124).
Em que pese a conclusão do laudo médico pericial, cabe frisar que o julgador não está adstrito apenas à prova técnica para formar a sua convicção, pois a efetiva ausência de aptidão do beneficiário para o trabalho decorre de suas condições pessoais, tais como faixa etária, habilidades, grau de instrução e limitações físicas.
Extrai-se dos autos que no curso do processo o autor foi submetido à intervenção neurocirúrgica em 22/08/2011 (fls. 80/84), para artrodose (fixação) da coluna com seis pinos, conforme relatado pelo perito judicial, faz uso diário de medicamentos e está em tratamento psiquiátrico há dez anos, por depressão.
Além desses males, consta do estudo social que o autor concluiu a 5ª série do ensino fundamental e que trabalhava como pedreiro quando sua saúde permitia, atividade que está impossibilitado de exercer de forma permanente. Atualmente conta com 48 anos de idade e não possui qualificação para exercer outra atividade que não seja de natureza braçal.
Desta feita, em virtude dos males que padece, as limitações físicas decorrentes da idade, o baixo grau de instrução e ausência de qualificação profissional para exercer outras atividades que não demandem esforços físicos, conclui-se que o autor preenche o requisito da deficiência para usufruir do benefício assistencial, porquanto não é crível que consiga ser inserido no competitivo mercado de trabalho frente a esse quadro.
Nesse sentido, a jurisprudência da Colenda Corte Superior:
Na mesma esteira é o entendimento da Súmula nº 47 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao dispor sobre o benefício previdenciário fundado na incapacidade parcial do segurado. Confira-se:
Destarte, o conjunto probatório comprova que a autora preenche o requisito da deficiência para a concessão do benefício assistencial, à luz do Art. 20, § 2º da Lei 8.742/93.
Por fim, cabe frisar que o Art. 21 da Lei 8.742/93 assegura à Autarquia o direito à revisão periódica do benefício, a cada dois anos, a fim de aferir a persistência das condições que autorizaram a sua concessão.
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93 o núcleo familiar é constituído pelo autor Ivan Liberato, nascido aos 20/04/1968, sua esposa Edna Guatura Liberato, nascida aos 06/01/1965, sem renda e o filho Ivan Guatura Liberato, nascido aos 18/08/2003, estudante.
A averiguação social constatou que a família reside em imóvel próprio, composto por quatro cômodos construídos em alvenaria, em estado ruim de conservação e guarnecidos com poucos móveis básicos. O local não possuía rede de esgoto e a família não era titular de linha telefônica.
A renda familiar totalizava R$222,00 e era proveniente do Programa Bolsa Família, no valor de R$102,00, e do trabalho esporádico realizado pela esposa na feira do município, que auferia em torno de R$120,00.
O autor relatou que uma instituição religiosa doava uma cesta básica de alimentos mensalmente para auxiliar a família.
Concluiu a Assistente Social que o autor não tem condições de trabalhar em virtude de ser portador de doença ortopédica irreversível, apresenta dificuldades para caminhar, carregar peso e até de permanecer em pé, que o grupo familiar é muito humilde e não dispõe de recursos financeiros para suprir todas as necessidades básicas (fls. 100/108).
Cabe destacar que a renda advinda do trabalho informal e incerto da companheira é inferior a um salário mínimo e não garante o suprimento das despesas essenciais com regularidade.
As informações colhidas na base de dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS Cidadão, conforme extratos que acompanham a presente decisão, corroboram o exposto no estudo social, pois dão conta que a esposa do autor não possui nenhum vínculo empregatício e que o último trabalho do autor encerrou no mês de janeiro de 1998, evidenciando que a família não possui nenhuma renda decorrente de trabalho formal.
Destarte, preenchidos os requisitos legais, faz jus a autoria à percepção do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo apresentado em 11/08/2010 (fl. 17), em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde o requerimento administrativo, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado na c. 3ª Seção desta Corte (AL em EI nº 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Independentemente do trânsito em julgado desta decisão, determino seja enviado e-mail ao INSS, instruído com os documentos da parte autora, em cumprimento ao Provimento Conjunto nº 69/2006, alterado pelo Provimento Conjunto nº 71/2006, ambos da Corregedoria Regional da Justiça Federal da Terceira Região e da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, a fim de que se adotem as providências cabíveis à imediata concessão do benefício especificado, conforme os dados do tópico síntese do julgado abaixo transcrito.
Tópico síntese do julgado:
a) nome do beneficiário: Ivan Liberato;
b) benefício: benefício assistencial (LOAS);
c) renda mensal: RMI - um salário mínimo;
d) DIB: 11/08/2010 - data do requerimento administrativo;
e) número do benefício: indicação do INSS.
Por todo o exposto, dou provimento ao agravo retido e dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 06/12/2016 18:55:29 |
