
| D.E. Publicado em 24/01/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0031683-50.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 26/08/2014, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, condenando a autoria no pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa, observado o disposto na Lei 1.060/50 para a execução dessa verba.
Apela a parte autora, pleiteando a reforma da sentença, sustentando que preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer.
É o relatório.
VOTO
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1112557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do E. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Assim, é de se observar que não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no E. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, nos julgamentos do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, e da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também sob o regime da repercussão geral, declarando-se igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes, que o dispositivo "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Já com relação ao Art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão implica em violação ao princípio da isonomia, posto que, conquanto a norma afaste do cálculo da renda per capita familiar o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, contempla apenas o idoso, excluindo do mesmo tratamento o deficiente, assim como o idoso que conviva com familiar titular de benefício previdenciário também de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação recém firmada pela Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Ademais, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do parágrafo único do Art. 34 do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar o benefício de valor mínimo recebido por outro membro da família, independentemente se de natureza assistencial ou previdenciária, aplicando-se a mesma disposição ao deficiente.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Celia Regina Pires do Prado, nascida aos 19/03/1959, é portadora de Hérnia de disco - CID M51.1, concluindo o experto que a pericianda encontra-se incapacitada de forma parcial e permanente para o trabalho e que está apta a realizar atividades laborativas que não sobrecarregue a coluna (fls. 112/115).
É cediço que o julgador não está adstrito apenas à prova técnica para formar a sua convicção, pois a efetiva ausência de aptidão do beneficiário para o trabalho decorre de suas condições pessoais, tais como faixa etária, habilidades, grau de instrução e limitações físicas.
Os documentos médicos que instruíram a inicial dão conta que a autora é portadora de Hérnia Discal Lombar e foi submetida a cirurgia para realização de Bloqueio em 18/04/2013, na Santa Casa de Misericórdia de Assis, e que permanece em acompanhamento e tratamento medicamentoso.
Extrai-se dos autos que a autora completou 57 anos de idade, não concluiu o ensino fundamental e que trabalhou como auxiliar de serviços gerais e como faxineira quando sua saúde permitia, conforme comprovam os contratos de trabalho anotados em sua CTPS às fls. 10/11 e no CNIS de fl. 69.
Cabe destacar que ao responder o quesito nº 3 formulado pelo Juízo, afirmou o experto que a moléstia que periciada a impede de exercer sua atividade laborativa normal (fl. 112).
Desta feita, em virtude dos males que padece, as limitações físicas decorrentes da idade, o baixo grau de instrução e ausência de qualificação profissional para exercer outras atividades que não demandem esforços físicos, é de se concluir pela ausência de capacidade da autora para o desempenho de qualquer outro trabalho que possa gerar renda, a fim de prover a sua manutenção.
Além disso, não é crível que a autora consiga ser inserida no competitivo mercado de trabalho frente a esse quadro.
Nesse sentido, a jurisprudência da Colenda Corte Superior:
Na mesma esteira é o entendimento da Súmula nº 29 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), in verbis:
Destarte, o conjunto probatório comprova que a autora preenche o requisito da deficiência para a concessão do benefício assistencial, à luz do Art. 20, § 2º da Lei 8.742/93.
Por fim, cabe frisar que o Art. 21 do mesmo diploma legal assegura à Autarquia o direito à revisão periódica do benefício, a cada dois anos, a fim de aferir a persistência das condições que autorizaram a sua concessão.
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Não há entidade familiar para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, porquanto a autora Celia Regina Pires do Prado, nascida aos 19/03/1959, é divorciada desde 1987, conforme comprova a certidão de casamento juntada à fl. 66, e reside sozinha.
A averiguação social constatou que a autora reside em casa própria financiada pela CDHU, composta por quatro cômodos, guarnecidos com móveis simples e básicos. Não possui linha telefônica e nem automóvel.
A autora não recebe pensão alimentícia e não tem condições de laborar em virtude dos problemas de saúde, e sobrevive com R$77,00 repassados pelo Programa Bolsa Família.
Com esse valor paga as contas de energia elétrica, que totalizam R$64,00, e a prestação da CDHU, no valor de R$23,00.
Consta que a alimentação é fornecida por uma instituição religiosa que frequenta.
A autora referiu que tem três filhos, que são casados e a ajudam esporadicamente (fls. 128/130).
Destarte, o conjunto probatório demonstra que a autora preenche os requisitos legais para usufruir do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo apresentado em 03/04/2014 (fl. 45), em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde o requerimento administrativo, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado na c. 3ª Seção desta Corte (AL em EI nº 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Independentemente do trânsito em julgado desta decisão, determino seja enviado e-mail ao INSS, instruído com os documentos da parte autora, em cumprimento ao Provimento Conjunto nº 69/2006, alterado pelo Provimento Conjunto nº 71/2006, ambos da Corregedoria Regional da Justiça Federal da Terceira Região e da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, a fim de que se adotem as providências cabíveis à imediata concessão do benefício especificado, conforme os dados do tópico síntese do julgado abaixo transcrito.
Tópico síntese do julgado:
a) nome do beneficiário: Celia Regina Pires do Prado;
b) benefício: benefício assistencial (LOAS);
c) renda mensal: RMI - um salário mínimo;
d) DIB: 03/04/2014 - data do requerimento administrativo;
e) número do benefício: indicação do INSS.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 13/12/2016 18:50:44 |
