
| D.E. Publicado em 09/02/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0034851-60.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial, havida como submetida, e de apelação em ação de conhecimento, ajuizada em 30/07/2012, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando a Autarquia a conceder o benefício assistencial à autora, no valor de um salário mínimo mensal, a partir da citação, e pagar as prestações vencidas acrescidas de correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1% ao mês, além de honorários advocatícios de 10% sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença.
Apela a Autarquia, pleiteando o recebimento do recurso em ambos os efeitos e reforma integral da r. sentença, sustentando que a parte autora não preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial. Caso assim não se entenda, requer que a atualização monetária seja fixada em conformidade com o Art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.60/09 e a incidência dos juros de mora no mesmo percentual legalmente previsto para as cadernetas de poupança.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo desprovimento do recurso e pela concessão ex officio, da tutela antecipada.
É o relatório.
VOTO
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1112557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do E. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Assim, é de se observar que não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no E. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, nos julgamentos do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, e da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também sob o regime da repercussão geral, declarando-se igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes, que o dispositivo "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Já com relação ao Art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão implica em violação ao princípio da isonomia, posto que, conquanto a norma afaste do cálculo da renda per capita familiar o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, contempla apenas o idoso, excluindo do mesmo tratamento o deficiente, assim como o idoso que conviva com familiar titular de benefício previdenciário também de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação recém firmada pela Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Ademais, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do parágrafo único do Art. 34 do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar o benefício de valor mínimo recebido por outro membro da família, independentemente se de natureza assistencial ou previdenciária, aplicando-se a mesma disposição ao deficiente.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Dirce da Silva Pereira, nascida aos 13/05/1955, apresenta quadro clínico compatível com infarto do miocárdio ocorrido em 20/06/2014, concluindo o experto que a autora encontra-se incapacitada de forma parcial e permanente para exercer atividades laborativas que exijam esforços físicos. Em resposta aos quesitos formulados, afirma o perito judicial que a incapacidade remonta a 20.06.2014 (fls. 85/93).
É cediço que o julgador não está adstrito apenas à prova técnica para formar a sua convicção, pois a efetiva ausência de aptidão do beneficiário para o trabalho decorre de suas condições pessoais, tais como faixa etária, habilidades, grau de instrução e limitações físicas.
Extrai-se dos autos que a autora completou 61 anos de idade, estudou até a 2ª série do ensino fundamental, não possui nenhuma qualificação profissional e trabalhava como lavradora e empregada doméstica informalmente quando sua saúde permitia.
Desta feita, em virtude dos males que padece, as limitações físicas decorrentes da idade avançada, o baixo grau de instrução e ausência de qualificação profissional para exercer outras atividades que não demandem esforços físicos, é de se concluir pela ausência de capacidade da autora para o desempenho de qualquer outro trabalho que possa gerar renda, a fim de prover a sua manutenção.
Além disso, não é crível que a autora consiga ser inserida no competitivo mercado de trabalho frente a esse quadro.
Nesse sentido, a jurisprudência da Colenda Corte Superior:
Na mesma esteira é o entendimento da Súmula nº 29 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), in verbis:
Destarte, o conjunto probatório comprova que a autora preenche o requisito da deficiência para a concessão do benefício assistencial, à luz do Art. 20, § 2º da Lei 8.742/93.
Por fim, cabe frisar que o Art. 21 do mesmo diploma legal assegura à Autarquia o direito à revisão periódica do benefício, a cada dois anos, a fim de aferir a persistência das condições que autorizaram a sua concessão.
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído pela autora Dirce da Silva Pereira, nascida aos 13/05/1955 e seu esposo Acacio Pereira, nascido aos 04/05/1940, titular de benefício assistencial ao idoso.
Reside sob o mesmo teto a neta Maria Júlia da Silva Cruz, 04 anos de idade, que segundo verbalizado pela autora, adotou a criança porque os pais biológicos são usuários de drogas.
A averiguação social constatou que a família reside em imóvel próprio, financiado, composto por quatro cômodos inacabados, com instalação elétrica aparente, sem reboco e nem pintura na parte externa. Extrai-se das imagens colhidas do local, que o imóvel encontra-se em precárias condições.
A renda familiar era proveniente do benefício assistencial do cônjuge, no valor de um salário mínimo e devido à insuficiência da renda para custear as despesas essenciais do lar, a autora confeccionava tapetes de barbante para vender, e com essa atividade auferia em torno de R$100,00 por mês.
Foram informadas despesas com financiamento do imóvel, alimentação, energia elétrica, água e gás, discriminadas no corpo do laudo, no que atingiam o montante de R$627,11, em média.
Na ocasião, foi apresentada a conta de energia vencida em 24/06/2013, que não havia sido paga (fls. 51/58).
Cabe salientar que embora não tenha sido apresentado o termo de guarda da neta e que se considere que ela não integra o núcleo familiar da autora, por certo a sua manutenção onera ainda mais o parco orçamento doméstico.
Outrossim, embora a autora tenha oito filhos, extrai-se do estudo social que não residem com a mãe e também não possuem condições de auxiliar financeiramente a genitora.
Em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
Desta feita, excluído o valor de um salário mínimo concedido ao cônjuge, a título de benefício assistencial, resta demonstrada a insuficiência de recursos para prover as necessidades vitais da autora.
Destarte, o conjunto probatório demonstra que a autora preenche os requisitos legais para usufruir do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
Quanto ao termo inicial do benefício, merece reparos a r. sentença, porquanto o perito judicial afirma que a incapacidade da autora remonta à data em que sofreu um infarto do miocárdio, em 20/06/2014.
A petição inicial não foi instruída com nenhum documento médico para comprovar a doença sofrida pela autora e o único documento existente, apresentado por ocasião da perícia médica, refere-se à pessoa estranha ao autos, ou seja, Eliane M. Silva, 33 anos de idade (fl. 93).
Pelas razões expostas, no caso em apreço, o termo inicial do benefício deve ser fixado em 20/06/2014, data considerada pelo perito judicial como sendo o início da incapacidade da autora.
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde 20/06/2014, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado na c. 3ª Seção desta Corte (AL em EI nº 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Independentemente do trânsito em julgado desta decisão, determino seja enviado e-mail ao INSS, instruído com os documentos da parte autora, em cumprimento ao Provimento Conjunto nº 69/2006, alterado pelo Provimento Conjunto nº 71/2006, ambos da Corregedoria Regional da Justiça Federal da Terceira Região e da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, a fim de que se adotem as providências cabíveis à imediata concessão do benefício especificado, conforme os dados do tópico síntese do julgado abaixo transcrito.
Tópico síntese do julgado:
a) nome do beneficiário: Dirce da Silva Pereira;
b) benefício: benefício assistencial (LOAS);
c) renda mensal: RMI - um salário mínimo;
d) DIB: 20/06/2014;
e) número do benefício: indicação do INSS.
Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação, para reformar a sentença no que toca ao termo inicial do benefício e adequar os consectários legais e os honorários advocatícios.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 31/01/2017 18:35:19 |
