
| D.E. Publicado em 09/02/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0035304-55.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 26/08/2013, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo, fundamentado na conclusão do laudo médico pericial, julgou improcedente o pedido, condenando o autor no pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios de R$800,00, observado o disposto no Art. 12 da Lei 1.060/50 para a execução dessas verbas.
Apela a parte autora, pleiteando a reforma da sentença, sustentando em suma, que preenche os requisitos exigidos para a concessão do benefício assistencial.
Subiram os autos, com contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer.
É o relatório.
VOTO
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Jailson Dias Rebelo, nascido aos 12/05/1996, é portador de HIV -Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - CID B24, Distúrbio de crescimento constitucional - CID M89.2 e Legg Calve Perthis - CID M91.1, concluindo o experto que o autor não está incapacitado para o trabalho (fls. 139/154).
Em que pese a conclusão do experto, cabe salientar que o julgador não está adstrito apenas à prova técnica para formar a sua convicção.
Colhe-se do laudo médico que na data da perícia o autor contava com 18 anos de idade, pesava 48 kg, tinha "aparência incompatível com a idade cronológica", tendo sido constatado ao exame clínico "Extremidade osteo tendíneas com dores a digito pressão", "Eixos com irregularidade de seus padrões anatômicos, com discrepância aparente dos membros", "Movimentação das articulações coxofemorais com suas amplitudes limitadas para a idade" e "Marcha com suas fases preservadas e com claudicação".
De outra parte, cabe salientar que independentemente do grau de desenvolvimento da doença que acomete o autor, levando-se em conta o estigma social que sofre o portador do vírus HIV, bem como os conhecidos efeitos da enfermidade que podem levar à limitação física do paciente, a possibilidade de retorno ao trabalho para desempenhar qualquer atividade para garantir a sua própria subsistência é de todo improvável.
Ademais, a gravidade da patologia que acomete o autor é de tal monta, que o Art. 151 da Lei 8.213/91 dispensa o segurado que estiver acometido de AIDS do cumprimento da carência, para fins de concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença.
De outro vértice, dispõe a Súmula 29 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), in verbis:
No mesmo sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Destarte, o conjunto probatório comprova que o autor preenche o requisito da deficiência para a concessão do benefício assistencial, à luz do Art. 20, § 2º da Lei 8.742/93.
Por fim, cabe frisar que o Art. 21 do mesmo diploma legal assegura à Autarquia o direito à revisão periódica do benefício, a cada dois anos, a fim de aferir a persistência das condições que autorizaram a sua concessão.
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93 o núcleo familiar é constituído pelo autor Jailson Dias Rebelo, a genitora Inês Aparecida Silvestre Dias, nascida aos 27/09/1968, trabalhadora rural desempregada, e o irmão Adrian Rafael Silvestre Dias, 13 anos de idade.
Residem sob o mesmo teto a irmã Janaina Dias Rebelo, 23 anos, empregada formalmente e a sobrinha Natali Gabriele Rebelo Manoel, 05 anos de idade, que à luz do artigo em comento, constituem unidade familiar própria, na qual o autor não está inserido.
A averiguação social constatou que o autor e seus familiares residem em imóvel alugado, composto por um dormitório, sala, cozinha e banheiro, muito simples e sem nenhum bem de valor.
As despesas da casa eram supridas com o salário da irmã Janaína, que trabalhava para uma empresa agropecuária, com renda em torno de R$980,00 mensais.
Consta que o aluguel do imóvel importava em R$150,00 e embora não tenham sido especificados os valores gastos com alimentação, energia elétrica, água, gás, medicamentos e outros essenciais à manutenção da família, extrai-se do conjunto probatório que a renda auferida pela irmã Janaína, pouco superior ao valor de um salário mínimo, era insuficiente para custear as despesas do próprio grupo familiar e ainda auxiliar a genitora e os irmãos.
A genitora relatou que o autor fez quatro cirurgias no fêmur e joelho, devido a má-formação óssea, faz acompanhamento médico com ortopedista no Hospital de Base de São José do Rio Preto, a cada três meses e uso de medicamentos de alto custo.
Concluiu a Assistente Social que o autor e seu grupo familiar estão desprovidos de recursos financeiros para uma melhor qualidade de vida (fls. 136/137).
Os extratos do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS Cidadão juntados aos autos, corroboram o exposto no estudo social, pois dão conta que a família não possui nenhuma outra renda, além daquela declarada (fls. 175/180).
Destarte, o conjunto probatório demonstra que o autor não tem condições de exercer atividade laborativa para prover o seu sustento e embora possa contar com a ajuda de seus familiares, não tem sido suficiente para suprir as suas necessidades vitais com dignidade, e preenchidos os requisitos legais, faz jus à percepção do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação realizada em 07/10/2013 (fl. 47), em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Impende destacar que embora o autor tenha requerido o benefício no âmbito administrativo em 09/09/2010 (fl. 19), não recorreu da decisão que indeferiu o seu pedido e não há nos autos elementos suficiente para se aferir se preenchia os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial desde então, haja vista que desde aquela data até o ajuizamento da ação, transcorreram quase três anos.
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde a data da citação, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado na c. 3ª Seção desta Corte (AL em EI nº 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Independentemente do trânsito em julgado desta decisão, determino seja enviado e-mail ao INSS, instruído com os documentos da parte autora, em cumprimento ao Provimento Conjunto nº 69/2006, alterado pelo Provimento Conjunto nº 71/2006, ambos da Corregedoria Regional da Justiça Federal da Terceira Região e da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, a fim de que se adotem as providências cabíveis à imediata concessão do benefício especificado, conforme os dados do tópico síntese do julgado abaixo transcrito.
Tópico síntese do julgado:
a) nome do beneficiário: Jailson Dias Rebelo;
b) benefício: benefício assistencial (LOAS);
c) renda mensal: RMI - um salário mínimo;
d) DIB: 07/10/2013 - data da citação;
e) número do benefício: indicação do INSS.
Por todo o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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