D.E. Publicado em 27/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0037942-27.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 27/07/2015, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a restabelecer o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente, desde a data da cessação no âmbito administrativo.
O MM. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de que, malgrado o preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício assistencial, foi constatado que o autor requereu o benefício de aposentadoria por invalidez (processo nº 3002751.38.2013.8.26.0620), que foi sentenciado e a ação julgada procedente, sendo vedada a cumulação dos benefícios. Em virtude da sucumbência, condenou o autor ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa.
Apela o autor, pleiteando a reforma da sentença, sustentando em suma, que faz jus ao benefício assistencial, ante o preenchimento dos requisitos exigidos. Assevera, ainda, que embora tenha ingressado com a ação de aposentadoria por invalidez de trabalhador rural, a causa de pedir e pedido são diversos e mesmo que aquela ação tenha sido julgada procedente, poderá ser modificada até que sobrevenha o trânsito em julgado, bem como aduz que "terá ou poderá optar pelo benefício mais vantajoso", pois o próprio sistema não permite a cumulação dos benefícios.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal, no parecer ofertado às fls. 202/209, concluiu pelo preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício assistencial, bem como juntou os extratos do CNIS em que consta que o autor está recebendo o benefício assistencial desde 08/04/2016, e requereu a conversão do julgamento em diligência, para que o INSS confirmasse essa informação.
O INSS foi intimado e se manifestou à fl. 212, no sentido de não ter interesse na interposição de recurso.
Os autos retornaram ao douto custos legis, que reiterou o parecer de fls. 202 e seguintes.
É o relatório.
VOTO
Por primeiro, anoto que o entendimento assente nesta Corte é no sentido de que a concessão administrativa do benefício postulado não dá causa à extinção do processo sem o exame do mérito, em havendo interesse da parte autora na percepção dos valores atrasados.
Nesse sentido:
No que concerne à outra ação ajuizada pelo autor, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, impende destacar que, segundo consta dos autos, embora o pedido tenha sido julgado procedente, a sentença ainda não transitou em julgado.
Desta feita, não há óbice para o prosseguimento deste feito, em observância a princípio da razoável duração do processo, porquanto, sendo vedada a cumulação do benefício assistencial com a aposentadoria por invalidez, o autor poderá optar pelo benefício que melhor lhe convier, compensando-se os pagamentos realizados no âmbito administrativo.
Passo ao exame da matéria de fundo.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do E. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Assim, é de se observar que não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no E. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, nos julgamentos do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, e da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes, que o dispositivo "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Já com relação ao Art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão implica em violação ao princípio da isonomia, que, conquanto afaste do cálculo da renda per capita familiar o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, contempla apenas o idoso, excluindo do mesmo tratamento o deficiente, assim como o idoso que conviva com familiar titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação recém firmada pela Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Ademais, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do parágrafo único do Art. 34 do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar o benefício de valor mínimo recebido por outro membro da família, independentemente se de natureza assistencial ou previdenciária, aplicando-se a mesma disposição ao deficiente.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Tecidas essas considerações, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico atesta que Indalecio Aparecido Gonçalves, nascido aos 27/02/1960, é portador de sequela de Tumor Maligno de Crânio, que culminou em visão nula no olho direito e deformidade acentuada de crânio, que lhe prejudica a visão binocular e/ou estereoscópica (noções de profundidade e/ou distância do objeto), concluindo o experto que o periciando encontra-se incapacitado de forma total e permanente para o trabalho e necessita do auxílio de terceiros para os afazeres e para a vida cotidiana, de forma definitiva (fls. 139/155).
Por sua vez, foi comprovado que o autor não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído pelo autor Indalecio Aparecido Gonçalves, nascido aos 27/02/1960, e sua esposa Dosanjos Ferrari Gonçalves, nascida aos 15/11/1961, desempregada.
Na visita domiciliar realizada no dia 12/08/2016, constatou a Assistente Social que o autor residia em uma chácara pertencente a sua genitora, e que no mesmo local residia a mãe e um irmão do autor, em imóveis separados.
A casa ocupada pelo autor e sua esposa era composta por seis cômodos e atendia as necessidades da família.
O autor não auferia nenhuma renda, assim como sua esposa, e ambos sobreviviam com a ajuda prestada pelas três filhas casadas.
Relatou a Assistente Social que o autor era beneficiário do amparo assistencial, que foi cessado porque sua esposa começou a trabalhar com registro em carteira, todavia, em razão dos cuidados exigidos pelo autor em tempo integral, esta possibilidade estava descartada, concluindo que ele preenchia os requisitos para a concessão do benefício (fls. 131/134).
Os extratos do CNIS juntados aos autos corroboram o exposto no estudo social, pois demonstram que o autor não possui relações previdenciárias e que sua esposa não retornou a mercado de trabalho, após o encerramento do último vínculo empregatício em 08/2014 (fls. 172/173).
Como se vê dos autos, não há renda para suprir as necessidades vitais do autor e malgrado possa contar com a ajuda de suas filhas, cabe salientar que elas constituíram família e não residem com os pais, de modo que não integram o núcleo familiar do autor.
No caso em exame, restou demonstrado que no período anterior à concessão administrativa do benefício assistencial em 08/04/2016, o autor vivia em situação de vulnerabilidade e risco social e que preenchia os requisitos legais para usufruir do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O benefício deve ser restabelecido desde o dia seguinte ao da cessação no âmbito administrativo, em 30/09/2014 (fl.72).
Reconhecido o direito ao restabelecimento do benefício assistencial, desde 30/09/2014, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observando-se a aplicação do IPCA-E conforme decisão do e. STF, em regime de julgamento de recursos repetitivos no RE 870947, e o decidido também por aquela Corte quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em 19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431, com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ, restando, quanto a este ponto, improvido o apelo.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Nº de Série do Certificado: | 10A516070472901B |
Data e Hora: | 16/08/2018 16:20:20 |