
| D.E. Publicado em 13/12/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0022091-11.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial, havida como submetida, e apelação em ação de conhecimento, ajuizada em 04/12/2012, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o réu a conceder o benefício assistencial à parte autora, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data do requerimento administrativo apresentado em 30/10/2012, pagar os valores atrasados acrescidos de correção monetária e juros de mora, e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação, observada a Súmula 111 do STJ. Tutela antecipada deferida, para determinar a implantação do benefício no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária de R$350,00.
Apela a Autarquia, pleiteando o recebimento do recurso em ambos os efeitos. Sustenta, em preliminar, a nulidade da sentença, por "violação do devido processo legal pela não fundamentação do laudo pericial, em desacordo ao previsto no art. 473, §1º, do CPC e do avanço da segunda perícia (complementar) sobre problemas de ordem médica não mencionados pela parte autora". Quanto ao mérito, argumenta que a parte autora não preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial. Prequestiona a matéria debatida.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer.
É o relatório.
VOTO
Por primeiro, quanto ao recebimento do recurso no seu duplo efeito, pacífica a jurisprudência no sentido de que a sentença que defere ou confirma a antecipação de tutela deve ser recebida apenas no efeito devolutivo. O efeito suspensivo é excepcional, justificado somente nos casos de irreversibilidade da medida. Tratando-se de benefícios previdenciários ou assistenciais, o perigo de grave lesão existe para o segurado ou necessitado, e não para o ente autárquico, haja vista o caráter alimentar das verbas.
Passo ao exame da matéria de fundo.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, cabe salientar que a autora foi submetida a duas perícias médicas realizadas nas datas de 05/05/2015 e 22/12/2016, a primeira a cargo da perita cadastrada no Juízo como Psiquiatra (fl. 69) e a segunda por médico especialista em Cardiologia (fl. 85), e embora a ação tenha sido proposta em 05/12/2012, a autora não deu causa à demora na realização dessas provas.
O laudo médico realizado pela perita da área de Psiquiatria, atesta que Maria de Fátima Barbosa, nascida aos 05/04/1960, apresenta doença psiquiátrica classificada pelo CID 10 F41.1 - Ansiedade generalizada, que teve início no ano de 1990, concluindo a experta que a autora não apresentava incapacidade laboral na avaliação psiquiátrica, tendo sugerido avaliação de um Neurologista para melhor complementação da parte técnica, pois a autora havia apresentado o exame de Angiorressonância realizado em 2011 (fls. 77/80).
Na segunda perícia realizada no dia 22/12/2016, a cargo de médico especializado em Cardiologia, atestou o perito judicial que a autora era portadora de Diabetes Mellitus, Depressão/Ansiedade, doenças que se iniciaram há 25 anos, e de outras mais recentes, como Obesidade Grave e Tumor Cerebral diagnosticado em dezembro de 2011, com importante repercussão, concluindo que "tais doenças e achados repercutem psíquica e fisicamente, ambos de modo importante" e que "devido a grande associação de patologias e considerando seus estágios, e com alteração psiquiátrica conjunta, há incapacitação para toda atividade laboral", de forma definitiva (fls. 96/98).
Em que pese a irresignação da Autarquia, o segundo laudo pericial é taxativo no sentido de que a autora não tem condições de exercer nenhuma atividade laborativa formal para prover o seu sustento, em virtude dos males que é portadora.
Ainda que o primeiro laudo tenha concluído tão somente pela ausência de incapacidade para o trabalho sob a ótica da Psiquiatria, é certo que a perita solicitou ao Juízo que a autora fosse submetida à avaliação por um Neurologista, "para melhor complementação da parte técnica", pois a autora tinha apresentado um exame de Angiorressonância realizado no ano de 2011, tendo sido tal exame considerado como "Relevâncias Clínicas" pela perita. Consta do laudo que a autora referiu ser portadora de HAS (Hipertensão arterial) e DM, todavia não apresentou receita para comprovar o uso de medicações (fl. 80).
Na perícia complementar realizada por Cardiologista em 22/12/2016, o perito constatou que a autora era portadora de Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus, Tumor cerebral não maligno, Depressão/Ansiedade e Obesidade grave, cujas doenças, embora passíveis de controle, no estágio em que se encontravam, agravadas pelo tumor cerebral e depressão, incapacitavam a autora para o trabalho de forma total e permanente. Consta do laudo pericial que a autora havia realizado exames de Ressonância magnética crânio em 12/2011, Tomografia Computadorizada crânio em 10/2013, e que apresentou prontuário médico datado de 09/1990 (fls. 96/97).
Referidos documentos médicos, com exceção do exame realizado em 10/2013, após o ajuizamento da ação, encontram-se juntados aos autos (fls. 14/40), além de outros receituários com prescrição de medicação de uso controlado (fl. 82).
Cabe frisar que os laudos periciais acostados às fls. 78/80 e 96/97, apresentam com clareza e objetividade as respostas aos quesitos formulados pelas partes e pelo Juízo, de modo que não há motivos para se questionar o parecer dos peritos nomeados pelo Juízo quanto à deficiência da parte autora.
De outro norte, o conjunto probatório produzido, dentre os quais os elementos contidos nos laudos periciais, foram suficientes para o Juízo sentenciante formar sua convicção e decidir a lide.
Por fim, não se vislumbra a alegada violação do devido processo legal, diante da coerência entre o laudo pericial e o conjunto probatório acostado aos autos, bem como por não restar demonstrada a ausência de capacidade técnica dos profissionais nomeados pelo Juízo, tendo em vista não ser obrigatória a especialização médica para cada uma das doenças apresentadas pelo segurado/beneficiário, segundo a jurisprudência desta Corte Regional:
Assim, como se vê dos autos, o conjunto probatório demonstra que a autora preenche o requisito da deficiência exigido para usufruir do benefício assistencial, desde que comprove que a sua família não possui meios de prover a sua manutenção.
Na visita domiciliar realizada no dia 16/09/2017, constatou o Assistente Social que a família era constituída pela autora Maria de Fatima Barbosa, nascida aos 05/04/1960, analfabeta, desempregada e seu companheiro Valdir Pereira da Silva, nascido aos 21/02/1968, aposentado por invalidez.
O casal residia em imóvel financiado pela CDHU, padrão popular, composto dois quartos, sala, copa, cozinha e banheiro, guarnecidos com mobiliário básico.
A renda familiar era proveniente da aposentadoria por invalidez do companheiro da autora, no valor declarado de um salário mínimo (R$937,00).
Foram informadas despesas no montante de R$904,00, com alimentação, financiamento do imóvel, energia elétrica, água, gás, IPTU, plano funerário e medicamentos.
De acordo com a Assistente Social, a família vivia em condições sociais bem simples (fls. 111/118).
Em consulta ao sistema de dados do CNIS e DATAPREV, cujos extratos ora determino a juntada, constata-se que o companheiro da autora é titular de benefício de aposentadoria por invalidez previdenciária, todavia, com proventos no valor de R$1.688,38 (referente à competência 10/2018), e não no valor de um salário mínimo, conforme informado.
Em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
Todavia, no caso dos autos, ainda que seja reservado o valor de um salário mínimo (R$954,00) da renda familiar para a manutenção do companheiro aposentado por invalidez, ainda remanesce o valor de R$734,38 para suprir as necessidades vitais da autora.
Ademais, cabe salientar que ante o exposto no estudo social, as despesas havidas pelo casal estavam sendo custeadas com a renda informada.
Assim, o conjunto probatório não comprova, de maneira inequívoca, que a parte autora esteja em situação de vulnerabilidade ou risco social a justificar a concessão do benefício assistencial, ainda que se considere que sua família viva em condições econômicas modestas.
Desse modo, ausente um dos requisitos legais, decerto que, ao menos nesse momento, a parte autora não faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada do Art. 20, da Lei nº 8.742/93.
Nessa esteira, traz-se a lume jurisprudência desta Corte Regional:
Cabe relembrar que o escopo da assistência social é prover as necessidades básicas das pessoas, sem as quais não sobreviveriam.
Consigno que, com a eventual alteração das condições descritas, a parte autora poderá formular novamente seu pedido.
Destarte, é de se reformar a r. sentença, revogando expressamente a tutela concedida, havendo pela improcedência do pedido, arcando a autoria com honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado dado à causa, observando-se o disposto no § 3º, do Art. 98, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita, ficando a cargo do Juízo de execução verificar se restou ou não inexequível a condenação em honorários.
Oficie-se o INSS.
Ante o exposto, afastada a questão trazida na abertura do apelo, dou provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 04/12/2018 18:30:57 |
