Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5873146-43.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
16/04/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 24/04/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO CARACTERIZADA.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso
com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. O critério da renda per capita do núcleo familiar não é o único a ser considerado para se
comprovar a condição de miserabilidade da pessoa idosa ou deficiente que pleiteia o benefício.
3. Analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que não está configurada a situação de
vulnerabilidade ou risco social a ensejar a concessão do benefício assistencial. Precedentes
desta Corte.
4. Apelação desprovida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5873146-43.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELANTE: OVIDIO ALVES FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: LENI APARECIDA ANDRELLO PIAI - SP122778-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5873146-43.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: OVIDIO ALVES FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: LENI APARECIDA ANDRELLO PIAI - SP122778-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em ação de conhecimento, com pedido de tutela de urgência,
distribuída em 17/05/2016, que tem por objeto condenar o réu a conceder o benefício de
prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93,
a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo, por não considerar preenchido o requisito da hipossuficiência econômica,
julgou improcedentes os pedidos, condenando a autoria no pagamento das despesas processuais
e honorários advocatícios arbitrados em 10 % do valor atribuído à causa, observada a gratuidade
da justiça.
Apela a parte autora, pleiteando a reforma da sentença, sustentando que preenche os requisitos
legais para a concessão do benefício assistencial. Subsidiariamente, requer seja concedido o
benefício desde a data do requerimento administrativo em 05/03/2015 e o ingresso da sua esposa
no mercado de trabalho em 02/05/2017, argumentando que restou demonstrada a incapacidade
total e permanente para o trabalho e que sua família não possuía nenhuma renda nesse período.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal opinou pelo prosseguimento do feito, por não vislumbrar interesse
público a justificar a sua intervenção.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5873146-43.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: OVIDIO ALVES FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: LENI APARECIDA ANDRELLO PIAI - SP122778-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada
a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por
objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência
e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que,
no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso
maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do
salário mínimo. In verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
O benefício assistencial requer, portanto, o preenchimento de dois pressupostos para a sua
concessão, de um lado sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto
objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo, referente à perícia médica realizada em
18/01/2017, atesta que Ovidio Alves Ferreira, nascido aos 17/01/1954, apresenta Varizes
moderadas nas pernas associado a Insuficiência venosa crônica, concluindo o perito judicial em
virtude desse quadro o periciando encontra-se total e parcialmente incapacitado para o trabalho
desde 25/04/2013, necessitando de um período de seis meses para tratamento especializado (ID
80545348).
Malgrado a conclusão do experto, no sentido de que a incapacidade é temporária, como se vê
dos autos, o autor está totalmente incapacitado para o labor desde o ano desde 25/04/2013 e,
tendo o perito constatado em 18/01/2017 que essa incapacidade ainda estava presente, é de se
concluir que o autor preenche o requisito da deficiência, à luz do Art. 20, §2º, da Lei 8.742/93.
Impende destacar que o autor completou 65 anos de idade no curso do processo, em 17/01/2019
e a partir dessa data a sua incapacidade é presumida, para os efeitos doArt. 20, da Lei 8.742/93 e
do Art. 34, da Lei 10.741/03.
Além disso, cumpria à parte autora demonstrar que não possui meios de prover a própria
manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Na visita domiciliar realizada no dia 23/11/2017, constatou a Assistente Social que Ovidio Alves
Ferreira, nascido aos 17/01/1954, desempregado, residia com sua esposa Vilma de Moura
Ferreira, nascida aos 23/03/1959, funcionária pública da Prefeitura Municipal de Capivari desde
02/05/2017, no cargo de Servente.
A família residia em casa própria, em bom estado de conservação, construída em alvenaria, piso
cerâmico, quintal cimentado na frente e portão de ferro. Os cômodos estavam distribuídos em
dois quartos, sala, cozinha e banheiro, guarnecidos com móveis e equipamentos necessários.
Consta que o imóvel estava situado na parte superior, com acesso por uma escada e que na
parte inferior residia um filho do autor, que era casado.
A renda familiar totalizava R$1.516,00 e era proveniente dos vencimentos da esposa, que havia
sido aprovada em um concurso público da Prefeitura Municipal de Capivari no ano de 2015
enomeada em 02/05/2017.
Foram informadas despesas no montante de R$1.414,00, com alimentação, higiene e limpeza
(R$800,00 aproximadamente), energia elétrica (R$170,00), água e esgoto (R$45,00), gás
(R$70,00), medicamentos (R$250,00), funerária (R$29,00) e IPTU (R$50,00 mensais).
O autor relatou que tinha três filhos casados, que não auxiliavam os pais financeiramente, pois
tinham a própria família para cuidar. Que ele e sua esposa possuíam somente a casa onde
morava e que não eram proprietários de outro imóvel, terreno, carro e moto “e que somente os
filhos casados que possuem” (ID 80545364).
Cabe elucidar que o salário mínimo vigente quando da realização do estudo social estava fixado
em R$937,00 e que o grupo familiar composto por duas pessoas auferia renda de R$1.516,00.
Em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo
único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar
também o benefício de valor mínimo recebido por deficiente ou outro idoso.
Nesse sentido, confira-se:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na
ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: "considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais
contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos
critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não
pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita
estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de
contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas
leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais,
tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o
Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei
9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que
instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O
Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência
do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas,
econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único,
da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício
assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo
da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais
recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por
idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em
relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos
idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial
inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do
art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega
provimento."
(STF, RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013
PUBLIC 14-11-2013) e
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008."
(STJ, REsp 1355052/SP, Primeira Seção, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Data da
Publicação/Fonte DJe 05/11/2015).
Entretanto, no caso dos autos, a esposa do autor não é idosa ou deficiente e mesmo que seja
reservado o valor de um salário mínimo da renda familiar para a sua manutenção, o conjunto
probatório denota que o autor não se encontra em situação de penúria e que a renda auferida tem
sido suficiente para custear as despesas havidas pelo grupo familiar.
Como cediço, o critério da renda per capita do núcleo familiar não é o único a ser considerado
para se comprovar a condição de miserabilidade da pessoa idosa ou deficiente que pleiteia o
benefício.
Assim, quanto ao período anterior ao ingresso da esposa do autor no mercado de trabalho, não
restou demonstrado que sua família não tinha condições de prover a sua subsistência. Nesse
sentido, transcrevo o parecer do douto custos legis em primeira instância:
“Ainda que se entenda, acertadamente, que a renda mensal per capita familiar superior a ¼ do
salário mínimo não impede a concessão do benefício em questão desde que por outros meios se
comprove a miserabilidade do postulante, tal situação de vulnerabilidade social não restou, in
casu, comprovada.
Do relatório social apresentado tem-se que o autor vive com a esposa em casa própria, dotada de
infraestrutura e mobiliada com equipamentos úteis às necessidades e ao conforto dos moradores.
A esposa do requerente aufere renda mensal, visto que está empregada, e tal renda não é
totalmente consumida pelos gastos mensais enumerados pelo autor. Ainda que não vivam com
folga orçamentária, como a grande maioria dos cidadãos deste país, é certo que o casal dispõe
do necessário à sobrevivência e a tratamento médico, além de imóvel próprio para se abrigar, não
se evidenciando que esteja em situação socioeconômica deficitária a justificar o auxílio pleiteado
nestes autos.
Assim, embora comprovado que o autor possua saúde deficiente, não preenche ele o requisito
referente à impossibilidade financeira de se manter, motivo pelo qual a improcedência do pedido
é de rigor.
Mais, embora afirme o autor que em certo período sua esposa esteve desempregada, não há
comprovação de que neste interregno tenha ficado em desamparo que justificasse o socorro da
Previdência. Possuindo três filhos maiores de idade e um deles residindo no mesmo imóvel é
crível que tenha recebido o amparo necessário. Ademais, tanto o autor como sua esposa são
pessoas ainda jovens e por certo capazes de desempenhar alguma atividade laboral, ainda que
na informalidade, de acordo com suas possibilidades físicas e intelectuais. Assim, o período em
que o requerente sugere que tenha estado em situação de vulnerabilidade social não demanda
pagamento de benefício assistencial que eventualmente fosse devido.” (ID 80545404)
Destarte, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que não está caracterizada a
situação de vulnerabilidade e risco social a ensejar a concessão do benefício assistencial.
Nessa esteira, traz-se a lume jurisprudência desta Corte Regional:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. PRELIMINARES DE INÉPCIA DA INICIAL E DE CARÊNCIA DE AÇÃO.
VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. ART. 20, §3º, DA LEI N. 8.742/93. PROCESSO
DE INCONSTITUCIONALIZAÇÃO. VALORAÇÃO DE TODO CONJUNTO PROBATÓRIO.
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA. INCAPACIDADE PARA O LABOR.
REEXAME DE PROVAS. BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA.
I - A preliminar de inépcia da inicial deve ser rejeitada, uma vez que, não obstante a singeleza de
seu termos, é possível deduzir de seu contexto a alegação de suposta violação ao art. 20 da Lei
n. 8.742/93, a embasar a rescisão com fundamento no inciso V do art. 485 do CPC.
II - A preliminar de carência de ação confunde-se com o mérito e com este será apreciada.
III - A possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que uma das
vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita, desautoriza a
propositura da ação rescisória, a teor da Súmula n. 343 do STF.
IV - A r. decisão rescindenda, sopesando as provas constantes dos autos (laudo médico pericial,
laudo social e CNIS), concluiu pelo não preenchimento dos requisitos legais necessários para a
concessão do benefícios assistencial (comprovação de incapacidade total para o labor e
demonstração de miserabilidade).
V - Conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93(ADI
1.232/DF), a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva
pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações
subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família.
Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial
julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-
MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
VI - O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013. Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de
vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de
inconstitucionalização ". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico
desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um
distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e
aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar.
VII - É de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
VIII - Não obstante a r. decisão rescindenda tenha destacado como prova da ausência de
miserabilidade a renda familiar per capita superior a ¼ de salário mínimo, outros elementos
probatórios foram também considerados para apreciação da condição econômico-financeira da
parte autora, notadamente o laudo social, que faz referência ao imóvel em que a autora e sua
família residiam (...Residem em casa própria, composta por 2 quartos, sala, despensa, cozinha e
banheiro, guarnecida com mobiliário e utensílios necessários para o conforto da família..).
IX - Na apreciação de eventual violação de lei, há que ser considerada a situação fática existente
por ocasião do ajuizamento da ação subjacente. No caso em tela, a r. decisão rescindenda se
ateve ao laudo social (07.06.2011), ao laudo médico (30.08.2011) e ao CNIS referente ao
companheiro da autora, o Sr. Luciano dos Santos, no ano de 2011, para concluir pela ausência
de miserabilidade. Alterações posteriores em sua situação econômico-financeira, que poderiam,
em tese, colocá-la na condição de hipossuficiência econômica, ensejariam a propositura de nova
ação objetivando a concessão do benefício assistencial, todavia, em sede de rescisória, não é
possível considerar fatos posteriores ao feito subjacente.
X - Em relação à ocorrência ou não de incapacidade para o labor, cabe assinalar que tal análise
implicaria a reapreciação de provas, o que é vedado na ação rescisória.
XI - Em face de a autora ser beneficiária da Justiça Gratuita, não há condenação em ônus de
sucumbência.
XII - Preliminares rejeitadas. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente."
(TRF3, AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0018333-24.2013.4.03.0000/SP, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento Terceira Seção, publicado no D.E. em 09/10/2014);
"AGRAVO LEGAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. IMPROVIMENTO.
1 - O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2 - Diante da jurisprudência dos E. Tribunais Superiores, para a constatação da hipossuficiência
social familiar, há que se levar em consideração as peculiaridades de cada caso concreto.
3 - A hipossuficiência da parte autora não foi comprovada. Encontra-se assistida por seus
familiares. O Benefício Assistencial não se presta à complementação de renda. Benefício
previdenciário indevido.
4 - Agravo legal improvido."
(AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0036868-06.2015.4.03.9999/SP, Relator
Desembargador Federal Paulo Domingues, 7ª Turma, publicado no D.E. em 28/03/2016); e
"ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
AUTISMO. DEFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE.
1. A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir
meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de
benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos,
independentemente de contribuição à seguridade social.
2. O laudo médico pericial (fls. 70/76), datado de 14.10.2013 indica que o autor, de 13 anos de
idade, apresenta autismo, não havendo dúvida sobre a existência de deficiência.
3. No caso dos autos, compõem a família do requerente sua mãe (sem renda) e seu pai (pintor
industrial, com renda de R$1.200,00). A renda per capita familiar é, portanto, de R$ 400,00, muito
superior a ¼ de um salário mínimo (equivalente a R$220,00).
4. Além disso, consta que "o requerente reside com sua família em um apartamento próprio, que
se encontra em bom estado de conservação, sem a presença de vazamentos e rachaduras,
composta de 05 cômodos distribuídos em cozinha, 02 quartos, sala e banheiro", em região
servida por água, esgoto, energia elétrica, iluminação pública e linha de ônibus e que "a mobília
(em estado bom) é composta de: fogão, geladeira, micro-ondas, mesa com quatro cadeiras,
maquina de lavar, televisor, computador, rack, armário de cozinha, cama de solteiro, 02 guarda
roupas, cama de casal, jogo de sofá". Também consta que a família possui um automóvel Corsa,
ano 1996.
5. Não há grandes despesas que comprometam a renda familiar, constando gastos com
alimentação (R$500,00), telefone (R$50,00), gás de cozinha (R$40,00), luz (R$83,00), água (R$
24,00), condomínio (R$54,94) e prestação de financiamento de imóvel (R$ 124,00)
6. Dessa forma, como o benefício de prestação continuada não serve de complementação de
renda e sim para casos de extrema necessidade, é de rigor a manutenção da sentença, pois
ausente situação de miserabilidade.
7. Recurso de apelação a que se nega provimento."
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005247-88.2015.4.03.9999/SP, Relator Desembargador Federal Luiz
Stefanini, 8ª Turma, publicado no D.E. em 21/03/2016).
Destarte, ausente um dos requisitos legais, a autoria não faz jus ao benefício assistencial de
prestação continuada do Art. 20, da Lei nº 8.742/93.
Cabe relembrar que o escopo da assistência social é prover as necessidades básicas das
pessoas, sem as quais não sobreviveriam e que o benefício não se destina à complementação de
renda.
Consigno que, com a eventual alteração das condições descritas, a parte autora poderá formular
novamente seu pedido.
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO CARACTERIZADA.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso
com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. O critério da renda per capita do núcleo familiar não é o único a ser considerado para se
comprovar a condição de miserabilidade da pessoa idosa ou deficiente que pleiteia o benefício.
3. Analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que não está configurada a situação de
vulnerabilidade ou risco social a ensejar a concessão do benefício assistencial. Precedentes
desta Corte.
4. Apelação desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Decima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento a apelacao, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
