
| D.E. Publicado em 25/05/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação do réu e dar por prejudicada a apelação do autor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001650-77.2006.4.03.6103/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial, havida como submetida, e de apelações em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 15/03/2006, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi deferido após a realização da perícia médica e do estudo social.
Após o regular processamento do feito foi proferida sentença julgando parcialmente procedente o pedido, para condenar a Autarquia a conceder o benefício assistencial à parte autora, a partir da antecipação da tutela (07/08/2008) até a data da prolação da sentença (28/10/2014), eis que não preenchido o requisito da miserabilidade após essa data, condenando o réu ao pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor das prestações vencidas, nos termos da Súmula 111 do STJ, e custas na forma da lei, sem valores em atraso.
Apela o autor, pleiteando a condenação do recorrido na concessão e pagamento do benefício não apenas nos períodos constantes da r. sentença, mas de forma definitiva.
A seu turno, apela o réu, pugnando pela reforma da sentença para julgar totalmente improcedente o pedido. Subsidiariamente, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da juntada do último estudo social aos autos e prequestiona a matéria debatida para fins recursais.
A audiência de conciliação realizada aos 13.06.2016 restou infrutífera.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo provimento do apelo autárquico e pelo desprovimento do recurso da autoria, declarando-se a irrepetibilidade dos valores já recebidos a título de tutela antecipada.
É o relatório.
VOTO
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Jorge Luiz dos Santos, nascido aos 23/09/1979, é portador de Esquizofrenia paranoide - CID: F20.0, com evolução crônica, concluindo o perito judicial que o autor encontra-se totalmente incapacitado para o exercício de atividade laborativa, por tempo indefinido, e também para a vida civil (fls. 77/79).
Impende destacar que em virtude do diagnóstico de doença mental, o Juízo nomeou o pai do autor como seu curador, para fins processuais, sem prejuízo da sua interdição (fls. 102/105).
Embora comprovado o requisito da incapacidade, extrai-se do conjunto probatório que não está caracterizada a situação de miserabilidade e risco social a ensejar a concessão da benesse.
Com efeito, na primeira visita domiciliar realizada aos 05/10/2006, constatou a Assistente Social que o núcleo familiar era composto pelo autor, os genitores Paulo Moreira dos Santos e Maria José dos Santos, e os irmãos Maria Aparecida Santos, 33 anos, Paulo Rogério dos Santos, 29 anos, e Eduardo Moreira de Souza, 23 anos, que não foram qualificados.
Na ocasião, a renda familiar era proveniente da aposentadoria do genitor, no valor de R$600,00, tendo sido declarado que a irmã estava desempregada e que os irmãos trabalhavam em "atividade de baixa remuneração", todavia não foram informados os valores auferidos, bem como as despesas havidas pelo núcleo familiar (fls. 81/88).
A requerimento do Ministério Público Federal foi procedida a complementação do estudo social, para informar a remuneração auferida pelos irmãos do autor.
Em nova diligência, de acordo com o relatório firmado em 13/06/2009, constatou a Assistente Social que os irmãos Eduardo Moreira de Souza e Paulo Rogério dos Santos haviam constituído família e não mais residiam com os pais, e que a família estava constituída pelo autor, os genitores e a irmã Maria Aparecida Santos, que estava desempregada. Foi informado que a renda familiar era composta do benefício assistencial do autor (R$465,00) e da aposentadoria do seu genitor (R$930,00) - fl. 127.
Foi procedida nova diligência na data de 20/11/2013, ocasião em que informou a experta, em resposta aos quesitos formulados pelo Juízo, que o núcleo familiar era constituído por três pessoas, o autor e seus genitores, que possuíam renda de R$1.878,00, proveniente do benefício assistencial do autor (R$678,00) e da aposentadoria do seu genitor (R$1.200,00).
Consta que a família residia em imóvel próprio, isento de IPTU, composto por quatro cômodos pequenos, guarnecidos com mobiliário básico e antigo, porém em boas condições.
Foram informadas despesas com alimentação, energia elétrica, água e gás, no montante de R$850,00, que estavam sendo supridas com a renda auferida (fls. 139/143).
No entanto, os extratos do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS Cidadão anexados ao parecer do douto custos legis, contendo as remunerações auferidas pelo genitor do autor, Paulo Moreira dos Santos, dão conta que a sua renda sempre foi incompatível com a alegada condição de miserabilidade.
Com efeito, na primeira visita realizada em 05/10/2006, a renda do genitor correspondeu a R$1.604,92 (fl. 196) e não ao valor declarado de R$600,00.
Na segunda diligência realizada em 13/06/2009, o genitor declarou que recebia R$930,00, todavia, o extrato juntado à fl. 198 aponta o valor de R$2.526,24 naquela data, e no mês anterior, R$1.938,33.
Na última diligência realizada em 20/11/2013, o genitor referiu que era aposentado, com proventos de R$1.200,00. No entanto, as planilhas juntadas às fls. 193/194 informam que ele recebeu o benefício de auxílio-acidente, com DIB em 20/01/2005 e DER em 29/01/2010, no valor de R$1.678,19 (competência 03/2016), que foi cessado em 27/09/2015, pelo motivo de cumulação indevida com o benefício de aposentadoria por idade, que foi concedido em 28/09/2015, no valor de R$1.739,34 (competência 02/2017).
Como bem exposto pelo douto custos legis no parecer retro, os documentos juntados evidenciam que o genitor do autor sempre auferiu renda muito superior ao valor do salário mínimo vigente à época, não estando caracterizado o estado de miserabilidade que enseja a concessão do benefício.
Quanto aos valores recebidos pelo autor por força da tutela, cabe salientar que restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Confira-se:
Ainda, no julgamento do RE 587.371, o Pleno do STF ressaltou, conforme excerto do voto do Ministro Relator: "... 2) preservados, no entanto, os valores da incorporação já percebidos pelo recorrido, em respeito ao princípio da boa - fé, (...)" (STF , RE 587371, Relator: Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/2013, acórdão eletrônico Repercussão Geral - Mérito, DJe-122 divulg 23/06/2014, public 24.06.2014).
E, mais recentemente, o Pleno do STF, ao julgar o RE 638115, novamente decidiu pela irrepetibilidade dos valores recebidos de boa fé, conforme a ata de julgamento de 23/03/2015, abaixo transcrita:
De sua vez, o e. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de ser indevida a restituição de valores recebidos de boa fé:
Destarte, é de se reformar a r. sentença, havendo pela improcedência do pedido, revogando expressamente a tutela concedida, arcando a autoria com honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado dado à causa, observando-se o disposto no § 3º, do Art. 98, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita, ficando a cargo do Juízo de execução verificar se restou ou não inexequível a condenação em honorários.
Oficie-se ao INSS.
Ante o exposto, dou provimento à remessa oficial, havida como submetida e à apelação do réu, restando prejudicado o apelo do autor.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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