
| D.E. Publicado em 30/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002051-42.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de apelações em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 05/05/2011, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente, menor impúbere, representada por sua genitora.
Após o cancelamento da perícia médica, ante o reconhecimento da incapacidade da autora pelo réu, o MM. Juízo deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, determinando a implantação do benefício no prazo de cinco dias.
O feito prosseguiu em seus regulares termos, sobrevindo a r. sentença que julgou improcedente o pedido e revogou a tutela concedida, por não restar comprovado o requisito da miserabilidade, condenando a autora ao pagamento de honorários advocatícios de R$1.500,00, observada a gratuidade da justiça.
Os embargos de declaração opostos pelo réu foram rejeitados (fls. 242/243).
Apela a autora, pleiteando a reforma da r. sentença.
O réu interpôs recurso de apelação, pleiteando a reforma parcial da r. sentença, para determinar a devolução dos valores recebidos pela apelada a título de antecipação da tutela revogada pela sentença.
Subiram os autos, com contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo provimento do apelo autárquico, dando-se por prejudicado o recurso da autora.
É o relatório.
VOTO
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
O benefício assistencial requer, portanto, o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
Cabe salientar que não há controvérsia acerca do primeiro requisito, ante o reconhecimento da incapacidade da autora pelo INSS, em conformidade com a petição juntada às fls. 88.
Além disso, cumpria à parte autora demonstrar que não possui meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Para os fins do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído pela autora Kamylla Ribeiro da Silva, nascida aos 08/05/2007 e seus genitores, Rosângela Ribeiro da Silva, nascida aos 03/08/1969, e Ivanes José da Silva, nascido aos 16/02/1964, empregado formalmente.
A averiguação social constatou que a família reside em imóvel alugado, composto por dois dormitórios, sala, cozinha, banheiro, corredor, garagem e quintal e apresenta cômodos arejados, arrumados e com boa higiene e estão guarnecidos com aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos como televisão, DVD, computador, aparelho de som, celulares, telefone fixo, ventiladores, processador de frutas, dentre outros.
A genitora relatou que possui imóvel próprio, composto por dois pavimentos, cujo piso térreo é ocupado por uma das filhas, que colabora com o valor de R$250,00 mensais. Esclareceu, ainda, que o andar superior está disponível, caso seja necessário o retorno da família, que se mudou devido ao problema de umidade na residência.
Além desse bem imóvel a família também é proprietária de um veículo Escort ano 1988 e foi constatado que na garagem havia um carrinho para venda de cachorro-quente, que segundo informado, pertencia ao genro da genitora.
A renda familiar era proveniente do salário do genitor, no valor declarado de R$1.181,35.
Foram informadas despesas no montante aproximado de R$1.080,50, com aluguel (R$700,00), alimentação (R$300,00), fornecimento de energia elétrica (R$67,30), água (R$48,20), gás (R$45,00), vestuário (R$100,00) e telefone fixo (R$20,00).
A autora conta com o auxílio-transporte fornecido pela municipalidade para se deslocar até o local de tratamento e os medicamentos utilizados são fornecidos pela instituição e eventualmente adquiri medicação com recursos próprios.
Concluiu a Assistente Social que a situação habitacional da requerente é favorável e que as necessidades estão sendo supridas com a renda do genitor e sem contribuição financeira dos familiares (fls. 167/169).
Em que pese a doença que acomete a autora, como se vê do relatório social, não está caracterizada a situação de vulnerabilidade ou risco social a ensejar a concessão do benefício assistencial, ainda que se considere que a família da autora viva em condições econômicas modestas.
Com efeito, os pais da autora são proprietários de um imóvel que acomoda duas famílias e alugou uma parte, optando por morar em outro local e pagando aluguel. Além disso, são proprietários de um veículo e o imóvel em que residem atualmente está guarnecido com móveis e eletrodomésticos em bom estado parte, que atendem às necessidades da família, tendo sido constatada a presença de DVD e computador, bens incompatíveis com a alegada condição de miserabilidade.
Nessa esteira, traz-se a lume jurisprudência desta Corte Regional:
Desse modo, ausente um dos requisitos indispensáveis à concessão da benesse, a autoria não faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada do Art. 20, da Lei nº 8.742/93.
Cabe relembrar que o escopo da assistência social é prover as necessidades básicas das pessoas, sem as quais não sobreviveriam e que o benefício não se destina à complementação de renda.
Consigno que, com a eventual alteração das condições descritas, a parte autora poderá formular novamente seu pedido.
Quanto aos valores recebidos pela autora por força da tutela, restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa-fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Confira-se:
Ainda, no julgamento do RE 587.371, o Pleno do STF ressaltou, conforme excerto do voto do Ministro Relator: "... 2) preservados, no entanto, os valores da incorporação já percebidos pelo recorrido, em respeito ao princípio da boa - fé, (...)" (STF , RE 587371, Relator: Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/2013, acórdão eletrônico Repercussão Geral - Mérito, DJe-122 divulg 23/06/2014, public 24.06.2014).
E, mais recentemente, o Pleno do STF, ao julgar o RE 638115, novamente decidiu pela irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé, conforme a ata de julgamento de 23/03/2015, abaixo transcrita:
De sua vez, o e. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de ser indevida a restituição de valores recebidos de boa-fé:
Destarte, é de se manter a r. sentença tal como posta.
Ante o exposto, nego provimento às apelações.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 20/06/2017 19:40:27 |
