
| D.E. Publicado em 23/10/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa oficial e à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0020946-51.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial e de apelação em ação de conhecimento, ajuizada em 23/10/2014, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
Deferida a medida de urgência após a realização do estudo social e da perícia médica, para a implantação do benefício no prazo de dez dias.
Após o regular processamento do feito foi proferida sentença julgando procedente o pedido e ratificando a tutela concedida, condenando o réu a conceder o benefício assistencial à parte autora desde a data da citação, pagar os valores atrasados acrescidos de correção monetária e juros de mora, e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação, observado o disposto na Súmula 111 do STJ.
Apela o réu, pleiteando a reforma da r. sentença, sustentando que a parte autora não preenche o requisito da hipossuficiência econômica para a concessão do benefício assistencial.
Subiram os autos, com contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Tadeu Pereira Santos, nascido aos 18/10/1980, apresenta severo retardo no desenvolvimento neuromotor, depende integralmente de cuidados de terceiros e está plenamente incapacitado para o trabalho (fls. 98/104).
Além disso, cumpria à parte autora demonstrar que não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os fins do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído pelo autor Tadeu Pereira Santos, nascido aos 18/10/1980, solteiro, sem renda e sua genitora Analia Rosa Santos, nascida aos 01/07/1941, viúva, aposentada e pensionista.
Na visita domiciliar realizada no dia 21/01/2016, constatou a Assistente Social que a família residia em imóvel próprio, composto por três dormitórios, sala, cozinha e banheiro, guarnecidos com mobiliário básico, e uma área externa com churrasqueira, máquina de lavar, mesa, três cadeira e banco de madeira.
Foi declarado que a renda familiar era equivalente a um salário mínimo (R$880,00), proveniente do benefício auferido pela mãe do autor após o falecimento do genitor, todavia, após o desconto de três empréstimos bancários, o valor líquido ficava reduzido a R$643,62.
Foram informadas despesas com alimentação, energia elétrica, água, gás, IPTU, medicamentos e telefone, individualizadas no relatório social, no montante de R$944,00.
A genitora do autor referiu que tinha mais doze filhos que a ajudavam com alimentos e financeiramente, na medida de suas posses.
Destacou a experta que o bairro em que estava situada a residência possuía saneamento básico, rede de energia elétrica, UBS e havia transporte público de fácil acesso próximo à residência (fls. 79/96).
Todavia, os extratos do CNIS juntados aos autos pelo INSS comprovam que a genitora do autor, Analia Rosa Santos, na realidade, é titular de dois benefícios previdenciários, sendo uma aposentadoria por idade rural, com DIB em 06/07/2005 e de pensão por morte previdenciária, instituída pelo pai do autor, com DIB 12/11/2005, ambos no valor de um salário mínimo (fls. 53/55).
Desse modo, o núcleo familiar composto por duas pessoas sobrevive com renda mensal de dois salários mínimos.
Ainda que seja excluído o valor de um salário mínimo da renda familiar, que deve ser reservado para a manutenção da genitora idosa, ainda resta ao autor a mesma quantia para suprir as suas necessidades vitais.
Assim, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que não está configurada a situação de risco e vulnerabilidade social a autorizar a concessão do benefício assistencial.
Nessa esteira, traz-se a lume jurisprudência desta Corte Regional:
Desse modo, ausente um dos requisitos indispensáveis à concessão da benesse, a autoria não faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada do Art. 20, da Lei nº 8.742/93.
Cabe relembrar que o escopo da assistência social é prover as necessidades básicas das pessoas, sem as quais não sobreviveriam e que o benefício não se destina à complementação de renda.
Consigno que, com a eventual alteração das condições descritas, a parte autora poderá formular novamente seu pedido.
Por derradeiro, cabe frisar que o c. Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa-fé, mediante decisão judicial, como no caso dos autos, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, conforme julgados abaixo transcritos:
Confira-se:
Cito, ainda, excerto do v. acórdão do MS 25921, supramencionado, do e. Ministro Luiz Fux:
Transcrevo, ainda, o v. acórdão do MS 25430, do STF:
O Pleno do STF, ao julgar o RE 638115, novamente decidiu pela irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé até a data do julgamento, conforme a ata de julgamento de 23.03.2015, abaixo transcrita:
Confira-se, ainda:
Destarte, é de se reformar a r. sentença, havendo pela improcedência do pedido, revogando expressamente a tutela concedida, arcando a autoria com honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado dado à causa, observando-se o disposto no § 3º, do Art. 98, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita, ficando a cargo do Juízo de execução verificar se restou ou não inexequível a condenação em honorários.
Oficie-se ao INSS.
Ante o exposto, dou provimento à remessa oficial e à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 10/10/2017 19:28:50 |
