Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5099742-34.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
19/06/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 26/06/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. MENOR. ART.
20, DA LEI Nº 8.742/93, REGULAMENTADO PELO DECRETO Nº 6.214/97. REQUISITOS
PREENCHIDOS.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso
com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. Possibilidade de concessão do benefício aos adolescentes e menores de 16 anos. Inteligência
do Art. 4º, § 1º, do Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada,
que assim preconiza: “Para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação
Continuada às crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a
existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da
participação social, compatível com a idade.”
3. Demonstrado, pelo conjunto probatório, que não possui meios de prover a própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família, faz jus a autoria à percepção do benefício de prestação
continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, desde a data do requerimento
administrativo.
4. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observando-se a aplicação do IPCA-E
conforme decisão do e. STF, em regime de julgamento de recursos repetitivos no RE 870947, e o
decidido também por aquela Corte quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e
4425.
5. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº
17.
6. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do
Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
7. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da
Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e
do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
8. Apelação provida em parte.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5099742-34.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: SAYMON MIGUEL ANTONIO PEREIRA
REPRESENTANTE: JOSEANE CRISTINA ANTONIO
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE FERNANDO OLIANI - SP197011-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5099742-34.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: SAYMON MIGUEL ANTONIO PEREIRA
REPRESENTANTE: JOSEANE CRISTINA ANTONIO
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE FERNANDO OLIANI - SP197011-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação em ação de conhecimento, distribuída em 22/12/2017, em que se busca a
concessão do benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo
Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente, incapaz, representado por sua genitora.
O MM. Juízo a quo, fundamentado conclusão do laudo médico pericial, julgou improcedente o
pedido, condenando a parte autora no pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10%
do valor atribuído à causa, observada a gratuidade da justiça.
Apela a parte autora, pleiteando a reforma da sentença, sustentando que preenche os requisitos
legais para a concessão do benefício assistencial.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo desprovimento do recurso
interposto.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5099742-34.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: SAYMON MIGUEL ANTONIO PEREIRA
REPRESENTANTE: JOSEANE CRISTINA ANTONIO
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE FERNANDO OLIANI - SP197011-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada
a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por
objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência
e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que,
no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso
maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do
salário mínimo. In verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do Egrégio Supremo Tribunal
Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93
estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os
ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua
constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas
instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et
iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua
comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a
Terceira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto
minoritário do E. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não
deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para
prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento
objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade
quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que
ora colaciono:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)".
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag
1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP,
Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator
Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator
Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro
Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator
Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe
03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro
(Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Assim, é de se observar que não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento
firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo
Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência
econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a
comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no E. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista
recentemente, em 18.04.2013, nos julgamentos do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão
geral, e da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte declarou incidenter tantum
a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº
8.742/1993.
Nestes termos:
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na
ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais
contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos
critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não
pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita
estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se
contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas
leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O
Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do
processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas,
econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade,
do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”
(RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES,
Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013
PUBLIC 03-10-2013)
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º
da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal
na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como
instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato.
Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos
extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O
STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de
qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade,
incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na
reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado
controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de
reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com
mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo
hermenêutico típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre objeto e parâmetro da
reclamação – que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no
controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF,
o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se
entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei
permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único
estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes
idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais
elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que
criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação
constitucional julgada improcedente.”
(Rcl 4374, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013)
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da
repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo
único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na
ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: “considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais
contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos
critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não
pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita
estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de
contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas
leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais,
tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o
Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei
9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que
instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O
Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência
do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas,
econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único,
da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício
assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo
da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais
recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por
idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em
relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos
idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial
inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do
art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega
provimento.”
(RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013
PUBLIC 14-11-2013)
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o voto do Relator,
Ministro Gilmar Mendes, que o dispositivo "era insuficiente para cumprir integralmente o comando
constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses
caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Já com relação ao Art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão implica em violação ao
princípio da isonomia, que, conquanto afaste do cálculo da renda per capita familiar o benefício
assistencial já concedido a outro membro da família, contempla apenas o idoso, excluindo do
mesmo tratamento o deficiente, assim como o idoso que conviva com familiar titular de benefício
previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação recém firmada pela Corte Suprema, forçoso concluir que
se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a fim de abranger
outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício
assistencial. Ademais, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a
interpretação do parágrafo único do Art. 34 do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda
per capita familiar o benefício de valor mínimo recebido por outro membro da família,
independentemente se de natureza assistencial ou previdenciária, aplicando-se a mesma
disposição ao deficiente.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal
de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in
verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.”
(REsp 1355052/SP, Primeira Seção, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Data da Publicação/Fonte
DJe 05/11/2015).
Tecidas essas considerações, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais
para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a
sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto
objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Saymon Miguel Antonio
Pereira, nascido aos 02/06/2011, é portador de Coloboma em nervo óptico esquerdo, com
cegueira legal desse olho, sem comprometimento do olho direito, apresenta dificuldades para
algumas atividades da sua idade que exijam visão em profundidade e para leitura na lousa,
concluindo o experto que em virtude dessa patologia o periciando encontra-se incapacitado
parcial e permanentemente para atividades habituais de pessoa da sua idade e que haverá
limitação laboral quando atingir a idade legal para iniciar atividade laborativa, devendo ser
avaliado na época.
Malgrado se trata de uma criança, que na data da perícia contava com seis anos de idade,
estando, portanto, proibida de exercer atividade laboral, por força do Art. 7º, XXXIII da
Constituição Federal, da Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/1998 e do Estatuto da Criança e
do Adolescente, cabe salientar que tal fato não constitui impedimento para a concessão do
benefício assistencial.
Com efeito, nos termos da redação vigente do § 2º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, dada pela Lei
13.146, de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência, a incapacidade total e permanente para o
exercício de atividade laborativa deixou de ser condição sine qua non para a concessão do
benefício assistencial, passando a ser considerada pessoa com pessoa com deficiência “aquela
que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual,
em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
Noutro giro, o Art. 4º, § 1º, do Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta a concessão do benefício
de prestação continuada à pessoa com deficiência e ao idoso, também dispõe acerca da
concessão da benesse às crianças e aos adolescentes menores de 16 anos, nesses termos:
Art. 4º Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
(...)
§ 1º Para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação Continuada às crianças e
adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a existência da deficiência
e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social,
compatível com a idade.
Como se vê, o benefício prescinde da avaliação da incapacidade para o trabalho, bastando que a
criança ou o adolescente comprove que a sua doença ou deficiência acarreta significativa
limitação no desempenho de atividades e restrição da participação social, quando comparada a
outros indivíduos da mesma faixa etária.
No caso dos autos, trata-se de uma criança nascida em 02/06/2011, que apresenta cegueira legal
em olho esquerdo e acuidade visual sem comprometimento do olho direito, doença de natureza
congênita e irreversível e de acordo o perito judicial, o autor apresenta “dificuldade para algumas
atividades da sua idade que exijam visão em profundidade e para leitura na lousa”, “necessita de
mais cuidados que outra criança de sua idade”, “tem dificuldade de visão de profundidade e
distância acarretando mais colisão em objetos fixos e queda”, e “haverá limitação para atividades
laborais e deve ser avaliado pericialmente em idade”.
Assim, não pairam dúvidas que o autor se enquadra no conceito de pessoa com deficiência,
porquanto possui impedimento de longo prazo de natureza sensorial, “o qual, em interação com
uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade
de condições com as demais pessoas”, nos termos do Art. 2º do Estatuto da Pessoa com
Deficiência - Lei 13.146/2015, e do Art. 20, § 2º, da Lei 8.742/1993, da LOAS.
Destarte, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que a doença acarreta
significativas limitações pessoais ao menor, se comparado às crianças da mesma faixa etária, e
permite incluí-lo no rol dos deficientes que a norma visa proteger.
Acerca da questão trazida a desate, confira-se o entendimento assente nesta Corte Regional:
"PREVIDENCIÁRIO - BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - ART. 203, V, DA CF/88 -
PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA - EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO -
MENOR IMPÚBERE - APELAÇÃO DA PARTE AUTORA - ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 -
SENTENÇA REFORMADA - APELAÇÃO PROVIDA.
- O artigo 20 e parágrafos da Lei nº 8.472/93 garantem o benefício assistencial de um salário
mínimo à pessoa portadora de deficiência, sem distinguir se o deficiente é menor impúbere ou
maior de 16 (dezesseis) anos.
- A norma insculpida no artigo 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal visa a proteção da criança
e adolescente ao fixar idade mínima para o desenvolvimento de atividade laboral. Assim, ante o
caráter protetivo da referida norma, sua interpretação não pode restringir ou impedir o amparo
assistencial ao hipossuficiente.
- O laudo pericial é meio hábil para esclarecimento acerca da impossibilidade total e permanente
para o exercício das atividades laborais e da vida diária, caso constatada a deficiência física ou
mental, sem que seja necessário aguardar a idade limite para o ingresso no mercado de trabalho.
- Sentença reformada.
- Apelação provida."
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.03.99.027632-5/SP, Rel. Desembargadora Federal EVA REGINA, 7ª
Turma, D.E. publicado em 18/01/2010); e
“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO. ART. 20, §2º, DA LEI N. 8.742/93, COM
REDAÇÃO ALTERADA PELA LEI N. 12.470/2011. NOVO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA.
POTENCIALIDADE PARA A OBSTRUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL DO INDIVÍDUO EM
CONDIÇÕES DE IGUALDADE. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI. OCORRÊNCIA.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL. VALOR DO
BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - A preliminar de carência de ação suscitada pelo réu confunde-se com o mérito e, com ele, será
analisada.
II - A possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que uma das
vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita, desautoriza a
propositura da ação rescisória. Tal situação se configura quando há interpretação controvertida
nos tribunais acerca da norma tida como violada. Súmula n. 343 do E. STF.
III - A r. decisão rescindenda esposou o entendimento no sentido de que o laudo pericial, ao
informar que "...a perda parcial da visão de um olho permite que ela realize atividades laborais do
lar, sendo que ela própria afirmou que as realiza para o marido e três filhos. Apta para realizar
função do lar...", atestou que a patologia encontrada não se ajusta ao conceito de pessoa com
deficiência previsto no art. 20, §2º, I e II, da LOAS, considerando a aptidão para o exercício de
suas atividades habituais. Conclui, por derradeiro, que a autora não preencheu os requisitos
legais para a concessão do benefício pleiteado.
IV - O conceito de 'deficiência' atualmente albergado (art. 20, §2º, da Lei n. 8.742/93, com
redação alterada pela Lei n. 12.470/2011) é mais extenso do que aquele outrora estabelecido,
vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha
potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
V - Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que se
incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, é de se reconhecer violação ao
artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, alterado pela Lei 12.470/11, na medida em que a r. decisão
rescindenda limitou o conceito de "deficiência", ao caracterizá-lo somente nas situações em que a
pessoa não reunir condições físicas para exercer suas atividades habituais, ignorando aquelas
que tenham potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de
igualdade, como é o caso do autos (A perda visual total do olho esquerdo e parcial do olho direito
cerceiam sobremaneira a liberdade de ir e vir da autora, dependendo a todo momento de
terceiros para poder se locomover).
VI - O §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar
per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação
dada pela Lei 12.435/11.
VII - No âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013, prevaleceu o entendimento de
que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um
processo de " inconstitucionalização ". Com efeito, as significativas alterações no contexto
socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social,
teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na
Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar.
VIII - É de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
IX - O estudo social realizado em 04.06.2010 constatou que o núcleo familiar da autora é formado
por ela, seu companheiro e mais três filhos menores. Assinalou que a família reside em uma
pequena casa de alvenaria de 3 (três) cômodos, e em precárias condições de habitação, pela
qual pagam R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) de aluguel. A renda familiar provem unicamente
do salário percebido pelo companheiro, no montante de R$ 630,00 (seiscentos e trinta reais)
mensais. Consigna, por fim, que além do aluguel, há gastos como água e energia no valor de R$
100,00 (cem reais), medicamentos em torno de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) e
financiamento no importe de R$ 178,00 (cento e setenta e oito reais) para pagar dívida
acumulada na farmácia.
X - Comprovado que a autora era portadora de deficiência, bem como não possuía meios para
prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família, faz jus a concessão do benefício
assistencial.
XI - À época em que foi ajuizada a ação subjacente (28.09.2009), vigorava o Decreto n.
3.298/1999, que veio regulamentar a Lei n. 7.853/1989, sendo que seu art. 3º, inciso I,
considerava deficiência "..toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica,
fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do
padrão considerado normal para o ser humano..", consignando, em seu art. 4º, inciso III, que "É
considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:.....III -
deficiência visual- cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho,
com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no
melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo
visual em ambos os olhos foi igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer
das condições anteriores..."
XII - Tendo em vista o assinalado pelo expert, no sentido de que a autora "...teve perda da visão
total do olho esquerdo e parcial do olho direito desde os seis meses de idade...", é de rigor seu
enquadramento como "pessoa portadora de deficiência" mesmo antes da vigência da Lei n.
12.470/2011, razão pela qual o termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação da
ação subjacente (14.12.2009), momento em que a autarquia previdenciária tomou ciência dos
fatos constitutivos do direito da autora. (g.n.)
XIII - O valor do benefício deve corresponder a um salário mínimo, na forma prevista no art. 20 da
Lei n. 8.742/93.
XIV - A correção monetária incide sobre as diferenças em atraso, desde as respectivas
competências, na forma da legislação de regência, observando-se que a partir de 11.08.2006
deve ser considerado o INPC como índice de atualização dos débitos previdenciários, nos termos
do art. 31 da Lei nº 10.741/2003, c.c o art. 41-A da Lei nº 8.213/91, com a redação que lhe foi
dada pela Medida Provisória nº 316, de 11 de agosto de 2006, posteriormente convertida na Lei
nº 11.430, de 26.12.2006, não se aplicando no que tange à correção monetária as disposições da
Lei 11.960/09 (AgRg no REsp 1285274/CE - Resp 1270439/PR).
XV - Os juros de mora são aplicados na forma prevista no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
XVI - A base de cálculo dos honorários advocatícios corresponde às prestações vencidas até a
data do presente julgamento, nos termos da Súmula 111 do E. STJ, em sua nova redação,
fixando-se o percentual em 15%, a teor do art. 20, §4º, do CPC.
XVII - Ação rescisória cujo pedido se julga procedente. Ação subjacente cujo pedido se julga
procedente.”
(AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0002268-17.2014.4.03.0000/SP, Relator Desembargador Federal
SERGIO NASCIMENTO, Terceira Seção, D.E. publicado em 26.08.2015).
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família.
A averiguação social constatou que o autor Saymon Miguel Antonio Pereira, nascido aos
02/06/2011, residia com sua mãe Joseane Cristina Antonio, nascida em 13/03/1983, doméstica,
as irmãs Ingrid Tailine Antonio Pereira, irmã, nascida em 09/12/2000, estudante, Louane Isabeli
Antonio Pereira, nascida em 06/01/2003, estudante, Pedro Guilherme Antonio Pereira, irmão,
nascido em 10/03/2004, estudante, e a sobrinha Liz Helena Antonio Souza da Luz, nascida em
06/04/2017, filha de Ingrid.
A família residia em uma casa alugada, composta por cinco cômodos e um banheiro, guarnecidas
com mobiliário básico.
A renda familiar era proveniente do salário da genitora, no valor de R$1.000,00, acrescida de R$
250,00 do Programa de Transferência de Renda – Bolsa Família.
Foram informadas despesas no montante de R$1.097,89, com aluguel do imóvel (R$450,00),
alimentação (R$400,00), energia elétrica (R$45,89), água (R$ 82,00), gás (R$60,00) e internet
(R$ 60,00).
A genitora relatou que a alimentação não era adequada, pois a família era mantida apenas com
sua renda.
Restou esclarecido que os pais do autor haviam se separado há quatro anos, em razão de o
genitor fazer uso abusivo de álcool e drogas e que fazia dois anos que o autor e seus irmãos não
viam o pai e também não mantinham nenhum contato com a família paterna.
Concluiu a Assistente Social que o autor apresentava situação de vulnerabilidade
socioeconômica.
Cabe frisar que o valor de R$200,00, oriundo do Programa Bolsa Família, não deve ser
computado para aferição do critério da hipossuficiência econômica, conforme disposto no § 1º,
inciso III, do Art. 2º, da Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004, que criou o Programa Bolsa Família,
in verbis:
"§ 1º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
III - renda familiar mensal, a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pela totalidade
dos membros da família, excluindo-se os rendimentos concedidos por programas oficiais de
transferência de renda, nos termos do regulamento."
No mesmo sentido, dispõe o Decreto 6.214, de 26 de setembro de 2007, que regulamenta o
benefício de prestação continuada, com redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011:
"Art. 4º Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
(...)
VI - renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos
membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios
de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro-labore, outros
rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo,
rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação
Continuada, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 19.
(...)
§ 2º Para fins do disposto no inciso VI do caput, não serão computados como renda mensal bruta
familiar: (g.n.)
I - benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária;
II - valores oriundos de programas sociais de transferência de renda; (g.n.)
III - bolsas de estágio curricular;
IV - pensão especial de natureza indenizatória e benefícios de assistência médica, conforme
disposto no art. 5o;
V - rendas de natureza eventual ou sazonal, a serem regulamentadas em ato conjunto do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do INSS; e
VI - remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz.
Assim, a renda per capita familiar sequer atinge a metade de um salário mínimo.
Extrai-se do relatório social que o autor vivia em situação de vulnerabilidade e risco social, pois
contava apenas com a renda da sua mãe para suprir todas as necessidades básicas de todos os
integrantes da família. Ademais, a família residia em imóvel locado e quase a metade da renda
estava comprometida com o pagamento de aluguel.
Em consulta realizada no sistema de dados do CNIS – Cadastro Nacional de Informações
Sociais, nesta data (08/09/2019), constata-se que o genitor do autor, Selmo de Lima Pereira, não
mantém vínculo empregatício desde 11/06/2014, que a genitora Joseane Cristina Antonio,
responsável pela manutenção do lar, está desempregada desde 31/12/2018, agravando ainda
mais a situação de penúria da família, e quanto aos irmãos Ingrid, Louane e Pedro, que não
possuem relações previdenciárias e também não consta nenhum benefício em nome da sobrinha
Liz Helena.
Destarte, analisando o conjunto probatório é de se reconhecer que o autor encontra-se em
situação de vulnerabilidade e risco social e que preenche os requisitos legais para usufruir do
benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput,
do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (12/06/2017),
conforme requerido na inicial e nos termos do entendimento assente no c. Superior Tribunal de
Justiça, in verbis:
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. TERMO
INICIAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
1. Afasta-se a incidência da Súmula 7/STJ, porquanto o deslinde da controvérsia requer apenas a
análise de matéria exclusivamente de direito.
2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, o termo inicial para a concessão do benefício
assistencial de prestação continuada é a data do requerimento administrativo e, na sua ausência,
a partir da citação.
Agravo regimental improvido."
(STJ, AgRg no REsp 1532015/SP, Relator Min. Humberto Martins, 2ª Turma, Data da
Publicação/Fonte: DJe 14/08/2015).
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde a data do requerimento administrativo,
com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as
parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observando-se a aplicação do IPCA-E
conforme decisão do e. STF, em regime de julgamento de recursos repetitivos no RE 870947, e o
decidido também por aquela Corte quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e
4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº
17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas
administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício
concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art.
85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei
9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do
Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Independentemente do trânsito em julgado desta decisão, determino seja enviado e-mail ao
INSS, instruído com os documentos da parte autora, em cumprimento ao Provimento Conjunto nº
69/2006, alterado pelo Provimento Conjunto nº 71/2006, ambos da Corregedoria Regional da
Justiça Federal da Terceira Região e da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da
Terceira Região, a fim de que se adotem as providências cabíveis à imediata concessão do
benefício especificado, conforme os dados do tópico síntese do julgado abaixo transcrito.
Tópico síntese do julgado:
a) nome do beneficiário: Saymon Miguel Antonio Pereira, representado por sua genitora Joseane
Cristina Antonio;
b) benefício: benefício assistencial (LOAS);
c) renda mensal: RMI - um salário mínimo;
d) DIB: 12/06/2017 - data do requerimento administrativo;
e) número do benefício: indicação do INSS.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. MENOR. ART.
20, DA LEI Nº 8.742/93, REGULAMENTADO PELO DECRETO Nº 6.214/97. REQUISITOS
PREENCHIDOS.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso
com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. Possibilidade de concessão do benefício aos adolescentes e menores de 16 anos. Inteligência
do Art. 4º, § 1º, do Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada,
que assim preconiza: “Para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação
Continuada às crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a
existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da
participação social, compatível com a idade.”
3. Demonstrado, pelo conjunto probatório, que não possui meios de prover a própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família, faz jus a autoria à percepção do benefício de prestação
continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, desde a data do requerimento
administrativo.
4. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observando-se a aplicação do IPCA-E
conforme decisão do e. STF, em regime de julgamento de recursos repetitivos no RE 870947, e o
decidido também por aquela Corte quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e
4425.
5. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº
17.
6. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do
Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
7. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da
Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e
do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
8. Apelação provida em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação., nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
