D.E. Publicado em 19/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002799-45.2015.4.03.6119/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 20/03/2015, que tem por objeto o restabelecimento do benefício assistencial concedido à pessoa idosa, que foi cessado em virtude de ter sido apurada renda incompatível com a benesse, c.c. pedido de declaração de inexigibilidade dos valores cobrados a esse título, condenando-se o réu em indenização por danos morais.
O MM. Juízo a quo improcedentes os pedidos e condenou a autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em percentual mínimo incidente sobre o valor atribuído à causa, observada a gratuidade da justiça.
Apela a parte autora, pleiteando a reforma da sentença.
Subiram os autos, com contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No presente caso, a parte autora cumpriu o requisito etário. Para os efeitos do Art. 20, da Lei 8.742/93 e do Art. 34, da Lei 10.741/03, na data do ajuizamento da ação, a parte autora já era considerada idosa, pois já havia atingido a idade de 74 anos.
Além disso, cumpria à parte autora demonstrar que não possui meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Na visita domiciliar realizada no dia 07 de dezembro de 2015, constatou a Assistente Social que a autora Maria Rosa de Souza, separada (conforme documento juntado à fl. 226), residia sozinha em imóvel próprio, composto por um dormitório, sala, cozinha, banheiro e área de serviço, cujos cômodos estavam guarnecidos com mobiliário básico, em bom estado de conservação.
Nos fundos do terreno tem um cômodo que está disponível para locação e na parte superior do imóvel há outro cômodo que está alugado.
Além desse bem imóvel, a autora declarou também ser proprietária de um veículo Fiat Uno, de placas EYJ 2829, ano de fabricação 2011, em circulação, conforme pesquisa INFOSEG reproduzida no verso da fl. 282.
A autora declarou que vivia somente com a renda de R$180,00, proveniente do aluguel de um cômodo na parte superior de sua casa.
Foram informadas despesas com alimentação, material de limpeza e higiene pessoal, energia elétrica, água, gás, telefone, IPTU e medicamentos, individualizadas no corpo do relatório, no montante de R$1.006,08.
Relatou a autora que recebia ajuda do seu filho Sérgio Roberto Crosilini e da irmã Carmita Rosa Silva Jordão.
Concluiu a Assistente Social que "Apesar das dificuldades enfrentadas, considerando a situação atual, a autora se encontra protegida dos quesitos que se enquadram em situação de miserabilidade." (fls. 267/276).
É cediço que o critério da renda per capita familiar não é o único a ser considerado para se apurar a condição de necessitado daquele que pleiteia o benefício.
Assim, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que não está configurada a situação de miserabilidade a autorizar a concessão da benesse, ainda que se considere que a autora viva em condições econômicas modestas.
Nessa esteira, traz-se a lume jurisprudência desta Corte Regional:
Desse modo, ausente um dos requisitos indispensáveis, decerto que ao menos nesse momento, a autoria não faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada do Art. 20, da Lei nº 8.742/93.
Cabe relembrar que o escopo da assistência social é prover as necessidades básicas das pessoas, sem as quais não sobreviveriam e que o benefício não se destina à complementação de renda.
Consigno que, com a eventual alteração das condições descritas, a parte autora poderá formular novamente seu pedido.
Resta analisar se procede a cobrança dos valores recebidos pela autora a título de benefício de amparo assistencial ao idoso (NB 88/136.666.911-5), no período de 01/09/2007 a 31/05/2014, em razão de ter sido identificado indício de irregularidades na manutenção do benefício.
Extrai-se das cópias do procedimento administrativo juntado às fls. 137/226, que a autora pleiteou o benefício assistencial no âmbito administrativo em 01/06/2005 e teve seu pedido deferido.
Todavia, o benefício foi suspenso quando da revisão administrativa, por ter sido constatado que a autora exercia atividade de contribuinte individual com transporte coletivo, ocasionando renda superior ao limite legal.
Cabe salientar que no documento juntado à fl. 110, em declaração redigida de próprio punho, a autora confirma que adquiriu um veículo [in casu, um veículo IVECOFIAT/DCITY3510 VAN1, Ano/Modelo:2005 Ano/Fabricação:2005 - fls. 89], financiado, que alugou para terceiros, e com a renda obtida pagava as prestações do veículo.
Ademais, extrai-se da pesquisa domiciliar realizada no âmbito administrativo na data de 26/05/2014, que a autora "disse ter trabalhado com transporte coletivo desde que iniciou em Guarulhos a permissão para carros de pequeno porte igual (minivan igual à Topic, Traffic. Disse que trabalhou até a permissão terminasse na condição de alugar o carro e pagar funcionários.", tendo pesquisador concluído pelo relatado, que a autora trabalhou desde 2004 até o ano de 2013 (fl. 156).
Ademais, extrai-se da certidão do 1º Tabelião de Notas de Guarulhos/SP juntada à fl. 172, que a autora compareceu naquele serviço notarial no dia 15/05/2009, para reconhecimento de firmas autênticas de DUT com placa DPB 3528, em seu nome, tendo como comprador Fabio Ricardo Feitosa Zomigren.
Como bem observado pelo douto custos legis no parecer retro, a autora não atendia o requisito da hipossuficiência econômica no período que usufruiu do benefício assistencial, porquanto as declarações de Imposto de Renda que instruíram o procedimento administrativo, dão conta que no ano de 2007 a autora auferiu renda de R$ 30.230,00 e declarou ser proprietária de um veículo Auto Iveco Fiat Van1 placa DPB3528, financiado, no valor de R$90.000,00 (fls. 204/208); no ano de 2008, R$66.280,00 e a propriedade do veículo citado (fls. 210/213); no ano de 2009, declarou renda de R$30.069,00, a venda do veículo em questão pelo valor de R$45.000,00 e a aquisição de outro veículo marca Mercedes Benz Mod. Sprinter ano 2007, financiado (fls. 199/203); no ano de 2011, R$61.970,00 e a propriedade do Auto Sprinter ano 2006/2007, valor R$90.000 (fls. 184/193); e no ano de 2012, os rendimentos tributáveis alcançaram o montante de R$75.328,00, e a autora ainda possuía o veículo declarado no ano anterior (fls. 177/183).
Cabe destacar que por ocasião da visita domiciliar realizada em 07/12/2015, foi constatada a existência de um veículo Fiat Uno vermelho placa EYJ 2829, tendo a autora declarado que era de sua propriedade.
Assim, o conjunto probatório demonstra que a autora não vivia em situação de vulnerabilidade e risco social e ante a ausência de miserabilidade exposta nos autos, deve ser mantida in totum a r. sentença que julgou improcedente o pedido de restabelecimento do benefício assistencial e declarou a exigibilidade da cobrança levada a efeito pelo INSS.
Cabe salientar que o processo administrativo não padece de nenhum vício, porquanto foi assegurado à autora os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, todavia, a autora não logrou êxito em demonstrar a hipossuficiência econômica a justificar o restabelecimento do benefício assistencial e a suspensão da cobrança dos valores recebidos indevidamente a esse título, não havendo falar-se em indenização por danos morais.
Por todo o exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 06/06/2017 19:41:43 |