
| D.E. Publicado em 09/11/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA:10021 |
| Nº de Série do Certificado: | 10A516070472901B |
| Data e Hora: | 24/10/2017 19:34:31 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003499-20.2012.4.03.6121/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial, havida como submetida, e de apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 10/10/2012, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa idosa.
O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi deferido após a realização do estudo social.
Após o regular processamento do feito foi proferida sentença julgando procedente o pedido e ratificando a tutela concedida, condenando a Autarquia a conceder o benefício assistencial à parte autora, desde a data do requerimento administrativo (17/04/2012), pagar as prestações vencidas acrescidas de correção monetária e juros de mora e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação, observado o disposto na Súmula 111 do STJ.
Apela o réu, pleiteando a reforma da sentença, sustentando em suma, que não restou comprovado o requisito da miserabilidade para a concessão do benefício assistencial, porquanto o marido da autora é aposentado e aufere renda de um salário mínimo e que seus filhos possuem condições efetivas de ampará-la, porquanto estão trabalhando formalmente e auferem renda superior ao mínimo legal, conforme pesquisas que anexa. Subsidiariamente, requer a modificação do termo inicial do benefício e da correção monetária e prequestiona a matéria debatida.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo desprovimento do recurso interposto.
É o relatório.
VOTO
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No presente caso, a parte autora cumpriu o requisito etário. Para os efeitos do Art. 20, da Lei 8.742/93 e do Art. 34, da Lei 10.741/03, na data do ajuizamento da ação, a parte autora já era considerada idosa, pois já havia atingido a idade de 65 anos.
Embora comprovado o requisito etário, extrai-se do conjunto probatório que não está caracterizada a situação de miserabilidade e risco social a ensejar a concessão da benesse.
Com efeito, informou a Assistente Social na data de 07/01/2013, que diligenciou por três vezes no endereço informado e não encontrou a autora, impossibilitando a realização do estudo socioeconômico (fls. 27).
A autora confirmou que, efetivamente, residia naquele endereço e forneceu o número do seu telefone celular para contato.
Em nova diligência na data de 22/09/2013, constatou a Assistente Social que autora Leonilda dos Santos Soares, nascida aos 01/03/1947, residia na zona rural com seu esposo José Soares, nascido em 16/07/1941, em um sítio alugado em que foram edificados cinco cômodos de alvenaria, assim distribuídos: uma sala, um quarto ocupado pela autora, contendo uma cama de casal e uma de solteiro e um guarda-roupa; um quarto de visitas, contendo uma cama de casal e uma de solteiro e um guarda-roupa com dez portas; cozinha com fogão, geladeira duplex, armário e mesa; além de banheiro externo, área de serviço com uma máquina de lavar roupas e um tanque, e quintal. Segundo a ótica da experta, os móveis eram novos e a casa estava limpa e organizada, o que se constata das fotografias colhidas do local.
A renda familiar era proveniente da aposentadoria do cônjuge, no valor de um salário mínimo (R$678,00).
Foram informadas despesas no montante de R$865,00, com aluguel (R$340,00), alimentação (R$250,00), energia elétrica (R$30,00), gás de cozinha (R$45,00) e combustível (R$200,00).
Segundo consta, a autora é proprietária de uma pick-up Ford Pampa 1,8L, a gasolina, ano 1990 (fls. 58).
A autora relatou que tinha cinco filhos, sendo dois casados e três solteiros, qualificados no corpo do laudo, que residiam na cidade de Taubaté. Referiu ainda, que não era beneficiária de cesta básica.
Concluiu a Assistente Social que a renda auferida não era suficiente para suprir as despesas (fls. 35/43).
Ao se manifestar acerca da prova técnica, a autarquia anexou o relatório original das informações colhidas na residência da autora e requereu a complementação do estudo social, para esclarecer se o imóvel era arrendado ou locado, se havia plantação no local, gastos com adubos, porquanto o veículo tipo pick-up de propriedade da autora era "comumente utilizado por pequenos produtores para transporte de suas mercadorias" (fls. 52/58).
Em resposta, esclareceu a perita que não foi constatada a existência de plantações no quintal e o que foi relatado na entrevista é que em determinadas épocas a autora cultivava alguns legumes, que podiam gerar alguma renda, porém, não significante; que não foi constatado nenhum cultivo no quintal; que não foi mencionado o custo do adubo (R$100,00), por não existir cultivo no momento da visita; que o veículo da autora era utilizado para deslocamento ao longo do mês, para consultas, compra mensal, recebimento de salário e outros, vez que a moradia estava localizada na zona rural, muito distante da área urbana (fls. 61).
Em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
Todavia, ainda que seja excluído o valor de um salário mínimo da renda familiar, que deve ser reservado para a manutenção do cônjuge idoso, o conjunto probatório denota que não está configurada a situação de miserabilidade a ensejar a concessão da benesse.
Com efeito, os extratos do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS Cidadão juntados às fls. 82/87, dão conta que dois dos filhos solteiros da autora possuem renda em torno de R$3.300,00 (Anderson José Soares) e R$1.000,00 (Maria Margareti Soares) e embora não residam com a mãe, possuem condições de prestar auxílio à genitora.
De outro norte, colhe-se do estudo social que a autora faz uso contínuo de medicamentos, todavia não há despesas com esse item, pois "todos os medicamentos são fornecidos pela rede pública", tendo o seu cônjuge relatado que não era portador de enfermidades e que não fazia uso contínuo de medicamentos.
Assim, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que não está configurada a situação de vulnerabilidade ou risco social a autorizar a concessão da benesse, ainda que se considere que a família da autora viva em condições econômicas modestas.
Desse modo, ausente um dos requisitos indispensáveis à concessão da benesse, a autoria não faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada do Art. 20, da Lei nº 8.742/93.
Nessa esteira, traz-se a lume jurisprudência desta Corte Regional:
Cabe relembrar que o escopo da assistência social é prover as necessidades básicas das pessoas, sem as quais não sobreviveriam e que o benefício não se destina à complementação de renda.
Consigno que, com a eventual alteração das condições descritas, a parte autora poderá formular novamente seu pedido.
Por derradeiro, cabe frisar que o c. Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa-fé, mediante decisão judicial, como no caso dos autos, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, conforme julgados abaixo transcritos:
Confira-se:
Cito, ainda, excerto do v. acórdão do MS 25921, supramencionado, do e. Ministro Luiz Fux:
Transcrevo, ainda, o v. acórdão do MS 25430, do STF:
O Pleno do STF, ao julgar o RE 638115, novamente decidiu pela irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé até a data do julgamento, conforme a ata de julgamento de 23.03.2015, abaixo transcrita:
Destarte, é de se reformar a r. sentença, havendo pela improcedência do pedido, revogando expressamente a tutela concedida, arcando a autoria com honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado dado à causa, observando-se o disposto no § 3º, do Art. 98, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita, ficando a cargo do Juízo de execução verificar se restou ou não inexequível a condenação em honorários.
Oficie-se ao INSS.
Ante o exposto, dou provimento à remessa oficial, havida como submetida e à apelação do réu.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA:10021 |
| Nº de Série do Certificado: | 10A516070472901B |
| Data e Hora: | 24/10/2017 19:34:27 |
