
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076086-38.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DE LOURDES FERREIRA DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: ANA PAULA FUGA MAITO - SP326906-N, LEONARDO JOSE GOMES ALVARENGA - SP255976-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076086-38.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DE LOURDES FERREIRA DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: ANA PAULA FUGA MAITO - SP326906-N, LEONARDO JOSE GOMES ALVARENGA - SP255976-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em ação ajuizada por MARIA DE LOURDES FERREIRA DA SILVA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a cessação de desconto em benefício de aposentadoria por invalidez, a restituição dos valores descontados nas parcelas anteriores e a condenação da ré em indenização por danos morais.
A sentença foi pela procedência do pedido a fim de determinar a cessação dos descontos no benefício de aposentadoria por invalidez; determinar a restituição dos valores já descontados do benefício e condenar o INSS ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00.
Em sede de apelação, argui o INSS, em síntese, que é devida a restituição dos valores, uma vez que a parte autora teria recebidos valores a maior de forma indevida, incorrendo, portanto, em enriquecimento sem causa; pugna pelo afastamento da condenação em indenização por danos morais, vez que não teria praticado qualquer ato ilícito que a justifique.
Subiram a esta instância.
É o relatório
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076086-38.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DE LOURDES FERREIRA DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: ANA PAULA FUGA MAITO - SP326906-N, LEONARDO JOSE GOMES ALVARENGA - SP255976-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício, por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício: [...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] § 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva, que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013, 10ª ed., p. 54/61).
CASO DOS AUTOS
Antes do exame do mérito, necessária breve exposição dos fatos.
Consta dos autos que a parte autora passou a perceber o benefício de auxílio-doença em 24/04/2021, com renda de R$ 1.651,85, vindo a ser reajustada para R$ 1.732,79.
Em 19/01/2022 a parte autora passou por reavaliação, concluindo-se pela conversão da benesse em aposentadoria por invalidez, de sorte que a renda passaria a R$ 1.212,00. No entanto, a implantação da aposentadoria por invalidez se deu somente em 01/2023 (id 291625537, páginas 02 e 03).
A autarquia, então, passou a descontar do benefício de aposentadoria por invalidez valores referentes à diferença em relação ao auxílio-doença.
Entende a ré que os valores pagos a título de auxílio-doença a partir de 19/01/2022 foram indevidos, uma vez que já haveria de ser implantada a aposentadoria por invalidez, cuja renda mensal era inferior.
Denota-se do discorrido que não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela autora que teria resultado na falha administrativa, o que pressupõe a boa-fé objetiva dela no recebimento dos valores, ora apontados pelo INSS como indevidos.
Assim sendo, ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da Autora e, em vista do caráter alimentar da benesse, entendo inexigível a devolução dos valores já pagos.
Quanto ao pedido de condenação em indenização por danos morais, não se observa conduta do INSS apta a justificar sua condenação ao pagamento da indenização. Além disso, não restou demonstrado o alegado constrangimento e o prejuízo moral que justifique a condenação, que é medida excepcional.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
Em razão da sucumbência recursal majoro em 100 % os honorários fixados em sentença, descontada a parcela referente aos danos morais, observando-se o limite máximo de 20% sobre o valor da causa, a teor dos §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso do INSS a fim de afastar a condenação em indenização por danos morais, nos termos da fundamentação, observado o exposto acerca dos honorários.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXIGIBILIDADE. BOA-FÉ OBJETIVA. DANOS MORAIS. NÃO CONFIGURADOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).
- Não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pela suposta falha administrativa que resultou no pagamento de auxílio-doença além do período que seria devido.
- Ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da Autora e, em vista do caráter alimentar da benesse, inexigível a devolução dos valores já pagos.
- Não se observa conduta do INSS apta a justificar sua condenação ao pagamento de indenização por dano moral. Além disso, não restou demonstrado o alegado constrangimento e o prejuízo moral que justifique a condenação, que é medida excepcional.
- Majorados os honorários advocatícios.
- Apelação do INSS provida em parte.
