Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0011855-67.2017.4.03.6302
Relator(a)
Juiz Federal FERNANDA SOUZA HUTZLER
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
04/02/2022
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 27/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. DEVOLUÇÃO DAS
PARCELAS PAGAS INDEVIDAMENTE. MÁ FÉ NÃO COMPROVADA. NATUREZA ALIMENTAR.
TEMA 979 STJ. CONFIRMAÇÃO PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS (ART 46, LEI
Nº9099/95).
1. Trata-se de recurso interposto pela parte ré, em face da sentença que julgou procedente o
pedido, para declarara inexigibilidade do débito apurado.
2. Na linha de precedentes do STJ, a modulação dos efeitos da questão firmada sob o Tema nº
979 atinge os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir de
23/04/2021.
3. Recurso da parte ré não provido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0011855-67.2017.4.03.6302
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: DELMA DE SOUZA ROMANCINI
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0011855-67.2017.4.03.6302
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: DELMA DE SOUZA ROMANCINI
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso inominado interposto pela parte ré em face da r. sentença que julgou
PROCEDENTE o pedido para declarar a inexigibilidade do débito referente ao benefício
assistencial da autora NB 88/551.904.101-2, no valor de R$ 11.739,65, relativo ao período de
05/02/2016 a 01/03/2017 e ratificou a tutela de urgência anteriormente deferida.
Nas razões recursais, a parte ré afirma que é impossível a cumulação do LOAS com qualquer
outro benefício previdenciário. Alega que há o dever de ressarcimento ao erário, tendo em vista
a vedação ao enriquecimento ilícito. Sustenta que não se aplica ao presente caso a decisão do
STJ sob o Tema nº 979, porque o entendimento foi no sentido de que não há obrigação de
devolver benefício recebido indevidamente apenas e tão somente quando estiver comprovada a
boa-fé objetiva do segurado, sobretudo de que não lhe era possível constatar o pagamento
indevido. Afirma que, ao ter concedido o benefício assistencial, o segurado é informado de que
não para ter esse direito não pode ser beneficiário de outro benefício assistencial e, portanto,
não há que se falar no presente caso em boa-fé objetiva nem em impossibilidade de
constatação do pagamento indevido. Acrescenta que o STJ modulou os efeitos da referida
decisão, para que a mesma se aplique apenas aos processos distribuídos após o referido
julgamento e o presente processo foi distribuído antes de 23 de abril de 2021, logo sequer
poder-se-ia falar na aplicação da decisão do E. STJ no julgamento do Tema 979. Por estas
razões pretende a reforma da r. sentença.
A parte autora apresentou contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0011855-67.2017.4.03.6302
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: DELMA DE SOUZA ROMANCINI
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A r. sentença recorrida decidiu o pedido inicial de modo exauriente, analisando todas as
questões suscitadas pelas partes, revelando-se desnecessárias meras repetições de sua
fundamentação:
“(...) Na questão de fundo, considerando que o pedido de ilegitimidade da dívida perpassa o
direito da autora à percepção do benefício assistencial, cumpre relembrar os dispositivos legais
aplicáveis à matéria.
De lembrar que o art. 20 da Lei n° 08.742/93 (LOAS) garante o pagamento do benefício aos
idosos e deficientes incapazes de manter o próprio sustento. O adimplemento do requisito etário
pela autora é inconteste.
Ressalto, nesse ponto, que o valor nominal para aferição da necessidade de intervenção
assistencial pública, previsto inicialmente pelo art. 20, § 3º, da Loas (1/4 do salário mínimo), foi
majorado para a metade do salário mínimo pela legislação assistencial superveniente, a saber,
as Leis nº 9.533 -97 (Programa de Renda Mínima) e nº 10.689-03 (Programa Nacional de
Acesso à Alimentação), que fixaram o novo paradigma.
Importante salientar, ainda que, em julgamento do Recurso Repetitivo n° 640, o c. STJ
estendeu para as pessoas com deficiência o critério aplicado no art. 34 do Estatuto do Idoso, de
modo que não deve ser considerado do cálculo da renda per capita o benefício no valor de um
salário-mínimo que já tenha sido concedido ao familiar idoso ou deficiente:
Tema n° 640/STJ - Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n.
10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a
fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja
computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
(Recurso Repetitivo nº 640, 1ª Seção, Relator: BENEDITO GONÇALVES, Data da Afetação:
23/04/2013, julgado em 25/02/2015, publicação: 05/11/2015).
No caso dos autos, nota-se que a autarquia não apresentou nos autos o procedimento
administrativo de concessão do benefício assistencial à autora, com início em 2012, juntou-se
apenas o procedimento de cobrança (eventos 20 e 24) que indicam que a origem do débito foi a
percepção da aposentadoria por idade de seu esposo, a qual foi deferida em 2016.
Ainda que não haja informações precisas acerca dos integrantes do grupo familiar por ocasião
do deferimento do amparo, é certo que seu esposo não possuía renda alguma em 2012, eis que
as últimas contribuições que constam em seu nome datam dos anos 2010/2011 (fls. 13, evento
18) e sequer foram integradas ao cálculo de sua aposentadoria.
Apenas em 05/02/2016 (DER do NB 41/175.343.878-8), quando do deferimento da
aposentadoria por idade, o marido passou a ter renda cujo valor, ao ser considerado na renda
do grupo familiar (autora e esposo), extrapolava o limite para a concessão do amparo
assistencial, o qual se tornou indevido desde então.
Não obstante, cumpre lembrar que a revisão dos critérios de concessão do amparo é bienal, tal
como previsto no art. 21 da LOAS, não havendo notícia de que a autarquia tenha efetuado
referida revisão antes do requerimento da pensão por morte pela autora.
Desse modo, considerando que não restou demonstrado nestes autos que a autora tenha
omitido qualquer informação acerca dos integrantes do grupo familiar à autarquia, concluo pela
boa-fé da segurada no recebimento do amparo assistencial.
A respeito da devolução de débito decorrente de erro operacional, o Superior Tribunal de
Justiça, ao julgar o Tema Repetitivo n° 979, assim ementou sua decisão:
[...]
Desse modo, por todo o exposto, considerando a modulação dos efeitos do precedente acima
citado, não há que se efetuar a cobrança da autora, dada a sua boa fé.
(...) – destaques no original
Em complemento, a presente ação foi distribuída em 29/11/2017, com a determinação de
sobrestamento, salientando que a autarquia apurou o débito em procedimento de auditoria em
12/07/2017.
Recentemente a Primeira Seção do STJ, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos,
fixou o Tema 979, no seguinte sentido: “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados
decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação
errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o seu desconto
no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício pago ao segurado beneficiário,
ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé
objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento
indevido”.
Assim, nos casos em que ocorrer erro material ou operacional na interpretação da lei pela
Administração, deve-se averiguar a presença de boa-fé do segurado, concernente à sua
aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento.
O relator ressaltou que a administração pública tem o dever-poder de rever seus próprios atos,
quando houver vícios insanáveis, para anulá-los. Assim, detectando erro do ato administrativo
no pagamento dos benefícios, tem o dever de efetuar a correção de forma a suspender tal
procedimento, respeitando o devido processo legal.
Contudo, o beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da
lei previdenciária ao receber valor além do devido, uma vez que também é dever-poder da
Administração bem interpretar a legislação.
Assim, a jurisprudência do STJ considera que é imprescindível, para a não devolução dos
valores pagos indevidamente pela Previdência Social – além do caráter alimentar da verba e do
princípio da irrepetibilidade do benefício – a presença da boa-fé-objetiva daquele que recebe
parcelas tidas por indevidas pela administração.
Para o relator do Tema 979 do STJ, diferentemente das hipóteses de interpretação errônea e
má aplicação da lei – em que se pode concluir que o segurado recebeu o benefício de boa-fé, o
que lhe assegura o direito a não devolvê-lo – as hipóteses de erro material ou operacional
devem ser analisadas caso a caso, pois é preciso verificar se o beneficiário tinha condições de
compreender que o valor não era devido e se seria possível exigir dele comportamento diverso,
diante do seu dever de lealdade para com a administração previdenciária.
Há erros materiais ou operacionais que se mostram incompatíveis com a indispensável boa-fé
objetiva e que dão ensejo ao ressarcimento do indébito – como, por exemplo, a situação de um
servidor sem filhos que, por erro da administração, recebe auxílio-natalidade.
Cumpre salientar que, conforme modulação de efeitos definida pelo Colegiado, o entendimento
firmado sob o Tema nº 979 somente deve atingir os processos distribuídos após a publicação
do acórdão, ocorrida em 23/04/2021:
Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em
respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a
questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos
sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido
distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão." (Acórdão publicado no
DJe de 23/4/2021).
No caso em concreto, a presente ação foi distribuída em 29/11/2017, o que assegura à parte
autora o direito de não devolver os valores recebidos.
Aliás, o benefício se caracteriza pela natureza alimentar e a parte autora está representada pela
Defensoria Pública da União.
Assim, os valores pagos equivocamente carecem de comprovação de que a parte autora
efetivamente agiu com má fé.
O artigo 46, combinado com o § 5º do artigo 82, ambos da Lei nº 9.099/95, facultam à Turma
Recursal dos Juizados especiais a remissão aos fundamentos adotados na sentença.
Assim, considerando que a r. sentença recorrida bem decidiu a questão, deve ser mantida nos
termos do artigo 46 da Lei nº 9.099/95.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso da parte ré.
Condeno o INSS, Recorrente vencido, ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo
em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (não havendo condenação, do valor da
causa), nos termos do art. 55, caput, da Lei 9.099/95 c/c art. 85, § 3º, do CPC – Lei nº
13.105/15. A parte ré ficará dispensada desse pagamento se a parte autora não for assistida
por advogado ou for assistida pela DPU (STJ, Súmula 421 e REsp 1.199.715/RJ).
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. DEVOLUÇÃO DAS
PARCELAS PAGAS INDEVIDAMENTE. MÁ FÉ NÃO COMPROVADA. NATUREZA
ALIMENTAR. TEMA 979 STJ. CONFIRMAÇÃO PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS
(ART 46, LEI Nº9099/95).
1. Trata-se de recurso interposto pela parte ré, em face da sentença que julgou procedente o
pedido, para declarara inexigibilidade do débito apurado.
2. Na linha de precedentes do STJ, a modulação dos efeitos da questão firmada sob o Tema nº
979 atinge os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir de
23/04/2021.
3. Recurso da parte ré não provido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, visto, relatado e discutido
este processo, em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma Recursal do
Juizado Especial Federal da Terceira Região, Seção Judiciária de São Paulo decidiu, por
unanimidade, negar provimento ao recurso da parte ré, nos termos do voto da Juíza Federal
Relatora Fernanda Souza Hutzler, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
