
| D.E. Publicado em 13/03/2018 |
EMENTA
1 - Por primeiro, tendo em vista que a r.sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Codex processual.
2 - Sopesando a conclusão da perícia, entendo que a parte autora apresenta limitações de longo prazo, que potencialmente podem impedir ou dificultar sobremaneira sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas, tendo em vista que é portadora de patologia, com restrição, principalmente, intelectual.
3 - Analisando o estudo social em comento, em harmonia às especiais condições da requerente, é forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema necessidade que se apresenta. A autora tem deficiência mental e nunca trabalhou. Compõe grupo familiar numeroso, cuja única fonte de renda é de sua genitora, que também tem de cuidar de outros dois filhos menores. Para exercer alguma atividade laborativa, a autora precisaria de supervisão constante, o que limita sua inserção no mercado de trabalho. As despesas do grupo com itens básicos de subsistência superam a única fonte de renda da família, que inclusive é onerada por pesada prestação de empréstimo, certamente contraído para garantir um fôlego na subsistência familiar.
4 - A parte autora demonstrou preencher os requisitos legais, notadamente, os que dizem respeito à deficiência física e hipossuficiência econômica, comprovando estar em situação de vulnerabilidade, fazendo jus ao benefício assistencial requerido.
5 - Mantida a concessão do beneficio de amparo social a partir do requerimento administrativo da autora, uma vez que foi neste momento que a autarquia teve ciência da pretensão da parte autora.
6 - Mantidos os honorários advocatícios determinados na sentença (10% sobre o valor da condenação, consideradas as parcelas vencidas até a sentença), porque de acordo com o zelo do causídico, da moderada complexidade do feito e porque está de acordo com a Súmula 111 do STJ e julgados desta C. 7ª Turma .
7 - Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, e, após, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947/PE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam: juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e correção monetária segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
8 - Apelação improvida. Parâmetros dos consectários legais definidos de ofício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso interposto pelo INSS e, de ofício, determinar a alteração dos juros de mora e correção monetária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juíza Federal Convocada
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014441-44.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A EXMA SENHORA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA GISELLE FRANÇA (Relatora): Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face da r. sentença de fls. 244/247, que julgou procedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada requerido por AMANDA YASMIN DE OLIVEIRA (relativamente incapaz) - representada por Maria Ester Costa de Souza, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, no valor de 01 salário mínimo por mês, desde a data do requerimento administrativo, com juros nos termos do artigo 1º-F da Lei 9494/1997 c/c a Lei 11.960/2009 e correção monetária nos termos do Manual de Orientação de Procedimento para Cálculos da Justiça Federal.
Honorários advocatícios a cargo do INSS, fixados em 10% sobre o valor da condenação, consideradas as parcelas vencidas até a sentença.
Concedida a tutela antecipada para implantação do benefício .
A r. sentença não foi submetida à remessa oficial.
O INSS requer a reforma da sentença uma vez que a autora é apenas parcialmente incapacitada para o trabalho e não comprovou ser hipossuficiente economicamente. Subsidiariamente, requer seja o termo inicial alterado para a data da apresentação do laudo pericial em juízo, e que a correção monetária e os juros obedeçam aos índices aplicados à caderneta de poupança, na forma da Lei 11.960/2009, sendo a correção aplicada a contar do ajuizamento da ação e os juros, a partir da citação. Por fim, pede que os honorários não recaiam sobre as parcelas vincendas e não ultrapassem a 5% do valor da condenação (fls. 255/259).
Contrarrazões regularmente apresentadas (fls. 263/272).
A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo parcial provimento do recurso do INSS, apenas para que a correção monetária seja aplicada nos termos do artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 c/c a Lei 11.960/2009 (fls. 219/220).
É o relatório.
VOTO
A EXMA SENHORA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA GISELLE FRANÇA (Relatora): Por primeiro, tendo em vista que a r. sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua regularidade formal (fls. 276), possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Codex processual.
Nesse passo, considerando as datas do termo inicial do benefício concedido (30/09/2014 - fls. 115) e da prolação da sentença (19/10/2016), bem como o valor da benesse, a hipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, não havendo que se falar em remessa oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do NCPC.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
Em resumo, o Benefício da Prestação continuada (BPC) é a garantia de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, atualmente, define o conceito de pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas
Vale ressaltar que a atual legislação, na redação da Lei 13.146/2015 - que ampliou ainda mais o conceito de pessoa com deficiência, ao preceituar que as barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", bastando "uma" -, está em harmonia com o conceito adotado pela ONU na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual foi ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009.
Verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual vão além de um conceito simplista de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, eis que devem ser considerados, também, para uma perfeita análise da situação de vulnerabilidade do requerente, fatores sociais e o meio em que a pessoa com deficiência vive, isto é, um conjunto de circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito.
Insta saliente, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do benefício , nos termos da Súmula 48 da TNU:
Dito isso, no caso dos autos, a perícia médica realizada em 14/06/2016 relata que a autora apresenta diagnóstico de anomalia cromossômica devido ao fato da mãe ter apresentado Rubéola durante a gravidez. Apresenta alterações na coluna cervical, diminuição da acuidade auditiva e rebaixamento mental leve, o que lhe permite que faça atividades de baixa complexiddade. Além disso, apresenta transtorno depressivo e de ansiedade. Ao final, concluiu que a autora apresenta capacidade laborativa somente aproveitável sob condições especiais de trabalho, isto é, para o exercício de atividades manuais de natureza leve e complexidade elementar sob supervição de terceiros o que limita a inserção no mercado de trabalho (fls. 225/231).
Sopesando a conclusão da perícia, entendo que a parte autora apresenta limitações de longo prazo, que potencialmente podem impedir ou dificultar sobremaneira sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas, tendo em vista que é portadora de patologia, com restrição, principalmente, intelectual. Precedente (RESP 201303107383, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:03/08/2017 ..DTPB:.)
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, o §3º do artigo 20 da Lei 8742/1993, em linhas gerais, considera como hipossuficiente para consecução deste benefício , pessoa cuja renda por pessoa do grupo familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo.
Andou bem o legislador, ao incluir o §11 no artigo 20, com a publicação da Lei 13.146/2015, normatizando expressamente que a comprovação da miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente possa ser comprovada por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício , consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere (AGARESP 201301166404, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:03/02/2017 ..DTPB:.; AGRESP 201500259775, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:24/05/2016 ..DTPB:.; RESP 200800142128, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:29/09/2008 ..DTPB:.).
Para efeitos da mensuração da renda per capita, o Decreto nº 6.214/2007, em seu artigo 4º, regulamentou o que se entende por Grupo Familiar, assim dispondo:
Mencionado artigo também normatizou, em seu inciso VI e §2º, as rendas que poderão ser excluídas no cômputo da renda familiar, bem como as que devem ser consideradas nesse cálculo, vejamos:
Por fim, cabe uma última ponderação, que é a consideração feita ao artigo 19, mencionado no inciso VI do artigo supra citado:
De acordo com esse artigo, se algum dos membros do Grupo Familiar receber igual benefício assistencial, referido benefício deve ser excluído da renda per capita familiar.
O STJ, em sede de Recurso Repetitivo já sedimentou o entendimento de que a mesma regra deve ser aplicada, por analogia, também para quando houver benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo.
Vejamos:
Nesse sentido, os julgados desta C. Corte Regional (TRF3ªRegião, AC 30993.55.2015.04.03.9999, Des Fed Carlos Delgado, DJ 24/10/2016; TRF3ª Região, AC 2014.03.00.013459-1, Des. Fed. Toru Yamamoto, DJ 27/04/2017; APELREEX 00015662120134036139, DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, TRF3 - OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/09/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.).
No presente caso, o estudo social, realizado em 05/12/2015 (fls. 197/202), constatou que o grupo familiar analisado era composto da autora (nascida em 25/04/1997), Maria Ester costa de Souza (mãe, 35 anos de idade), Elizabete Sthefanny costa (irmã, 16 anos de idade), Wadson Costa de Souza (irmão, 14 anos de idade). A casa em que reside a família é própria, de construção recente, térrea, edificada em alvenaria, rebocada por dentro, sem pintura e coberta por telhado. A construção está em bom estado de conservação. A subsistência da família depende do trabalho da genitora da autora, que é funcionária pública municipal, trabalha como braçal e recebe renda bruta de R$ 1.623,20, que após os descontos, remonta em R$ 923,91. As despesas somam R$ 1.580,99, considerando gastos com água, luz, IPTU, previdência, empréstimmo, alimentação, gás, medicamentos. Seu ex-marido paga pensão alimentícia para Wadson, através de compra de itens no supermercado ou roupas. A família não recebe nenhum benefício assitencial. A autora frequenta a APAE desde 17/03/2014 e recebe atendimentos pedagógicos, fonoaudiólogos, terapeuta ocupacional, odontológico e social. A genitora da autora informou que ganhou uma bolsa de estudos para cursar pedagogia pela FATES/EDUCAI, mas ainda não sabia se iniciaria o curso, porque não tem com quem deixar os filhos. Concluiu, ao final, que a autora se encontra em situação de médio nível de vulnerabilidade social e econômica.
Analisando o estudo social em comento, em harmonia às especiais condições do requerente, é forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema necessidade que se apresenta.
A autora tem deficiência mental e nunca trabalhou. Compõe grupo familiar numeroso, cuja única fonte de renda é de sua genitora, que também tem de cuidar de outros dois filhos menores. Para exercer alguma atividade laborativa, a autora precisaria de supervisão constante, o que limita sua inserção no mercado de trabalho. As despesas do grupo com itens básicos de subsistência superam a única fonte de renda da família, que inclusive é onerada por pesada prestação de empréstimo, certamente contraído para garantir um fôlego na subsistência familiar.
Expostos os fatos e as provas produzidas, entendo que parte autora demonstrou preencher os requisitos legais, notadamente, os que dizem respeito à deficiência física e hipossuficiência econômica, comprovando estar em situação de vulnerabilidade, fazendo jus ao benefício assistencial requerido.
Mantida a concessão do beneficio de amparo social a partir do requerimento administrativo da autora, uma vez que foi neste momento que a autarquia teve ciência da pretensão da parte autora.
Nesse sentido:
Mantidos os honorários advocatícios determinados na sentença (10% sobre o valor da condenação, consideradas as parcelas vencidas até a sentença), porque de acordo com o zelo do causídico, da moderada complexidade do feito e porque está de acordo com a Súmula 111 do STJ e julgados desta C. 7ª Turma .
Considerando as evidências coligidas nos autos, nos termos supra fundamentado, bem como o caráter alimentar e assistencial do benefício, que está relacionado à sobrevivência de quem o pleiteia, deve ser mantida a tutela antecipada concedida pelo Juízo "a quo".
Declarada pelo Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11.941/2009, não pode ser acolhido o apelo do INSS.
No entanto, não pode subsistir o critério adotado pela sentença, porque em confronto com o índice declarado aplicável pelo Egrégio STF, em sede de repercussão geral, impondo-se, assim, a modificação do julgado, inclusive, de ofício.
Assim, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, e, após, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947/PE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam: juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e correção monetária segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso interposto pelo INSS e, de ofício, determino a alteração dos juros de mora e correção monetária, nos termos expendidos no voto.
Junte-se, aos autos, extrato CNIS em anexo, como parte integrante desta decisão.
É o voto.
Juíza Federal Convocada
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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| Data e Hora: | 28/02/2018 19:40:17 |
