
| D.E. Publicado em 13/03/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares arguidas, negar provimento aos recursos interpostos pelo INSS e por ELZA ALVES DOMINGO e, de ofício, determinar a alteração dos juros de mora e correção monetária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juíza Federal Convocada
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0018908-03.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A EXMA SENHORA JUIZA FEDERAL CONVOCADA GISELLE FRANÇA (Relatora): Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em face da r.sentença de fls. 143/144, que julgou procedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada requerido por ELZA ALVES DOMINGOS, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, no valor correspondente a 01 salário mínimo mensal, devido a partir do requerimento administrativo (04/04/2013).
Consectários legais aplicados da seguinte maneira: a) juros de mora contados desde a citação, conforme a seguinte sistemática: 1) no patamar de 0,5% ao mês, nos termos dos arts. 1062 do CC de 1916 e 219 do CPC até a entrada em vigor do Novo CPC, ou seja, até 11/01/2003; 2) a partir desta data, juros de 1% ao mês, de acordo com o artigo 406 do Novo CC c/c artigo 161, §1º, do CTN, até 30/06/2009 (quando entrou em vigor a Lei 11.960/2009); 3) a partir disso, juros moratórios calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009; b) correção monetária, sobre as prestações em atraso, desde as respectivas competências, da seguinte forma: 1) pelo INPC, a partir de 11/08/2006 até 30/06/2009, conforme artigo 31 da Lei nº 10.741/2003, c/c artigo 41-A da Lei 8.213/1991 (redação dada pela MP 316/06, convertida na Lei nº 11.340 de 26/12/2006); 2) após 30/06/2009, com base no índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25/03/2015; 3) após 25/03/2015, Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), de acordo com decisão do Supremo Tribunal Federal em questão de ordem nas ADIS 4357 e 4425.
Honorários sucumbenciais no importe de 10% do valor das prestações vencidas até a sentença, nos termos do artigo 20, §4º, do CPC.
Deferida a tutela antecipada para a implantação do benefício.
A r.sentença não foi submetida à remessa oficial.
O INSS apela requerendo seja a sentença submetida ao reexame necessário e aduz que a antecipação dos efeitos da tutela não encontra amparo no ordenamento jurídico. No mérito, alega não estar provado a hipossuficiência financeira da autora. Subsidiariamente, requer seja a data do início do benefício alterada para a data da juntada do laudo pericial aos autos, que foi a data em que o INSS teve ciência da incapacidade da autora. Ainda em sede subsidiária, requer a redução do percentual dos honorários advocatícios para 5%, bem como observada a Lei 11.960/2009 no cálculo dos atrasados (fls. 149/162).
Contrarrazões apresentadas (fls. 168/184).
Em recurso adesivo, a parte autora requer a majoração da verba honorária para 15% sobre o valor da condenação (fls. 185/189).
A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo improvimento do Recurso Adesivo da requerente, pelo parcial provimento do apelo do INSS e pelo improvimento do Reexame Necessário, alterando-se a r.sentença somente no que se refere à correção monetária (fls. 196/203).
É o relatório.
VOTO
A EXMA SENHORA JUIZA FEDERAL CONVOCADA GISELLE FRANÇA (Relatora): Inicialmente, por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, consigno que as situações jurídicas consolidadas e os atos processuais impugnados serão apreciados em conformidade com as normas ali inscritas, consoante determina o artigo 14 da Lei nº 13.105/2015.
Nesse sentido, a orientação do Superior Tribunal de Justiça, que editou o Enunciado Administrativo 2, in verbis: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça."
Nesse passo, embora não seja possível mensurar exatamente o valor da condenação, considerando o termo inicial do benefício (04/04/2013) e a data da sentença (04/08/2015), verifica-se, de plano, que a benesse concedida não ultrapassa o valor de 60 salários mínimos, não havendo que se falar em remessa oficial, nos termos do artigo 475, §2º, do CPC/1973.
Ainda em sede preliminar, no que diz respeito à tutela antecipada, sem razão as alegações do INSS.
Nos termos do artigo 273 do CPC/1973: "O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (...)
O artigo 300 do Novo CPC por sua vez, dispõe que: "A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo."
De todo modo, em linhas gerais, verifica-se que a tutela antecipada ou de urgência pode ser concedida quando caracterizados a verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
No caso, tendo em vista a natureza essencialmente alimentar do benefício assistencial, sendo a autora pessoa vulnerável e encontrando-se em estado de necessidade, é evidente o fundado receio de dano irreparável, caso haja demora na prestação jurisdicional, fato que comprometeria sua própria subsistência.
Assim, rejeito as preliminares arguidas.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
Em resumo, o Benefício da Prestação Continuada (BPC) é a garantia de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, atualmente, define o conceito de pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas
Vale ressaltar que a atual legislação, na redação da Lei 13.146/2015 - que ampliou ainda mais o conceito de pessoa com deficiência, ao preceituar que as barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", bastando "uma" -, está em harmonia com o conceito adotado pela ONU na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual foi ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009.
Verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual vão além de um conceito simplista de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, eis que devem ser considerados, também, para uma perfeita análise da situação de vulnerabilidade do requerente, fatores sociais e o meio em que a pessoa com deficiência vive, isto é, um conjunto de circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito.
Insta saliente, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
Dito isso, no caso dos autos, a perícia médica, realizada em 24/02/2015 (fls. 125/129), atestou que a autora é portadora de doenças de hipertensão arterial, diabetes, artrose, lombalgia, hérnia discal, alterações difusas da coluna lombar, ombro doloroso, além de já ter feito operação da vesícula e laqueadura. Concluiu que a autora é incapaz para qualquer atividade laborativa, sendo sua incapacidade absoluta, definitiva e sem possibilidade de reabilitação.
A perícia não deixa dúvida de que a parte autora possui limitações de longo prazo, que potencialmente a impede ou dificulta sobremaneira sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas. Precedente (RESP 201303107383, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:03/08/2017 ..DTPB:.).
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, o §3º do artigo 20 da Lei 8742/1993, em linhas gerais, considera como hipossuficiente para consecução deste benefício, pessoa cuja renda por pessoa do grupo familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo.
Andou bem o legislador, ao incluir o §11 no artigo 20, com a publicação da Lei 13.146/2015, normatizando expressamente que a comprovação da miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente possa ser comprovada por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere (AGARESP 201301166404, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:03/02/2017 ..DTPB:.; AGRESP 201500259775, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:24/05/2016 ..DTPB:.; RESP 200800142128, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:29/09/2008 ..DTPB:.).
Para efeitos da mensuração da renda per capita, o Decreto nº 6.214/2007, em seu artigo 4º, regulamentou o que se entende por Grupo Familiar, assim dispondo:
Mencionado artigo também normatizou, em seu inciso VI e §2º, as rendas que poderão ser excluídas no cômputo da renda familiar, bem como as que devem ser consideradas nesse cálculo, vejamos:
Por fim, cabe uma última ponderação, que é a consideração feita ao artigo 19, mencionado no inciso VI do artigo supra citado:
De acordo com esse artigo, se algum dos membros do Grupo Familiar receber igual benefício assistencial, referido benefício deve ser excluído da renda per capita familiar.
O STJ, em sede de Recurso Repetitivo já sedimentou o entendimento de que a mesma regra deve ser aplicada, por analogia, também para quando houver benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo.
Vejamos:
Nesse sentido, os julgados desta C. Corte Regional (TRF3ªRegião, AC 30993.55.2015.04.03.9999, Des Fed Carlos Delgado, DJ 24/10/2016; TRF3ª Região, AC 2014.03.00.013459-1, Des. Fed. Toru Yamamoto, DJ 27/04/2017; APELREEX 00015662120134036139, DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, TRF3 - OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/09/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.).
No presente caso, o estudo social de fls.79/83, realizado em 21/11/2013, constatou que a autora reside com o esposo (Gesoino Sebastião Domingos ) e o neto (Iago Henrique Fernandes Domingos) o qual tem a guarda, pois a mãe (sua filha) é usuária de drogas. O esposo da autora trabalha lavando caixas d'água, recebendo uma remuneração de R$ 400,00 por mês, aproximadamente. Nos períodos de chuva, não tem renda. Retiram leite no Centro de Saúde do Município e não recebem outros tipos de benefício governamental. O imóvel em que residem é próprio e composto de seis cômodos, sendo duas varandas, uma cozinha, dois quartos e um banheiro. O telhado tem forro e na casa tem piso. Os eletrodomésticos e os móveis da casa são os básicos para o uso doméstico. O grupo familiar não tem carro nem telefone e tem duas bicicletas. As despesas somam R$ 650,00, distribuídas em supermercado, água, luz, gás, farmácia e prestações referente à compra de um fogão.
Analisando o estudo social em comento, em harmonia às especiais condições da requerente, é forçoso reconhecer que o quadro de pobreza e extrema necessidade da autora são evidentes. A autora que trabalhou como rurícola desde criança, sente as consequências e as dores dessa difícil atividade agora na maturidade. É doente, vive sem recursos, em casa modesta e cuida de neto deixado à mingua por filha usuária de drogas, comprovando estar em situação de vulnerabilidade, fazendo jus ao benefício assistencial requerido.
Quanto ao termo inicial do benefício, havendo requerimento prévio administrativo em 04/04/2013, é nesta data que deve ser fixado o inicio do benefício, uma vez que foi neste momento que a autarquia teve ciência da pretensão da parte autora.
Nessa trilha:
Mantenho os honorários advocatícios fixados na sentença, tendo em vista a moderada complexidade do feito e por estar conforme os julgados desta C. 7ª Turma.
Considerando as evidências coligidas nos autos, nos termos supra fundamentado, bem como o caráter alimentar e assistencial do benefício, que está relacionado à sobrevivência de quem o pleiteia, deve ser mantida a tutela antecipada concedida pelo Juízo "a quo".
Declarada pelo Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11941/2009, não pode ser acolhido o apelo do INSS.
No entanto, não pode subsistir o critério adotado pela sentença, porque em confronto com o índice declarado aplicável pelo Egrégio STF, em sede de repercussão geral, impondo-se, assim, a modificação do julgado, inclusive, de ofício.
Assim, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, e, após, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947/PE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam: juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e correção monetária segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
Ante o exposto, rejeito as preliminares arguidas, nego provimento aos recursos interpostos pelo INSS e por ELZA ALVES DOMINGO e, de ofício, determino a alteração dos juros de mora e correção monetária, nos termos expendidos no voto.
Junte-se, aos autos, extrato CNIS em anexo, como parte integrante desta decisão.
É o voto.
Juíza Federal Convocada
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| Data e Hora: | 28/02/2018 20:01:56 |
