
| D.E. Publicado em 13/03/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, negar provimento ao recurso interposto pelo INSS, e, de ofício, determinar a alteração dos juros de mora e correção monetária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juíza Federal Convocada
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001385-65.2012.4.03.6006/MS
RELATÓRIO
A EXMA SENHORA JUIZA FEDERAL CONVOCADA GISELLE FRANÇA (Relatora): Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em face da r.sentença de fls. 174/176, que julgou procedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada requerido por LUIZ HENRIQUE DA SILVA, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, no valor correspondente a 01 salário mínimo mensal, devido a partir da data do requerimento administrativo (19/09/2011). Determinado, também, que sobre os atrasados devidos desde a DIB deverão incidir correção monetária a partir do dia em que deveriam ter sido pagos e juros de mora a partir da citação, ambos calculados nos moldes da Resolução CJF nº 134/10 (Manual de Cálculos da Justiça Federal) com as alterações promovidas pela Resolução nº 267, de 02/12/2013.
A r.sentença foi submetida à remessa oficial.
Deferida a tutela antecipada para a implantação imediata do benefício.
Honorários advocatícios fixados em R$ 1.200,00 a cargo do INSS, que também foi condenado ao pagamento das despesas com a produção da prova pericial.
O INSS apela requerendo a reforma da sentença, apresentando os seguintes fundamentos (fls. 185/198):
- não preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício;
- não caracterização da miserabilidade;
- subsidiariamente, que a data do início do benefício seja alterada para a data da juntada aos autos do relatório de estudo social;
- redução dos honorários advocatícios para 5% sobre o valor da causa;
- aplicação do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009.
Sem contrarrazões, os autos subiram para este Tribunal Regional Federal (fls. 199/200).
A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 264/265).
É o relatório.
VOTO
A EXMA SENHORA JUIZA FEDERAL CONVOCADA GISELLE FRANÇA (Relatora): Inicialmente, por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, consigno que as situações jurídicas consolidadas e os atos processuais impugnados serão apreciados em conformidade com as normas ali inscritas, consoante determina o artigo 14 da Lei nº 13.105/2015.
Nesse sentido, a orientação do Superior Tribunal de Justiça, que editou o Enunciado Administrativo 2, in verbis: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça."
Nesse passo, embora não seja possível mensurar exatamente o valor da condenação, considerando o termo inicial do benefício (19/09/2011) e a data da sentença (31/07/2015), verifica-se, de plano, que a benesse concedida não ultrapassa o valor de 60 salários mínimos, não havendo que se falar em remessa oficial, nos termos do artigo 475, §2º, do CPC/1973.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
Em resumo, o Benefício da Prestação Continuada (BPC) é a garantia de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, atualmente, define o conceito de pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Vale ressaltar que a atual legislação, na redação da Lei 13.146/2015 - que ampliou ainda mais o conceito de pessoa com deficiência, ao preceituar que as barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", bastando "uma" -, está em harmonia com o conceito adotado pela ONU na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual foi ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009.
Verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual vão além de um conceito simplista de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, eis que devem ser considerados, também, para uma perfeita análise da situação de vulnerabilidade do requerente, fatores sociais e o meio em que a pessoa com deficiência vive, isto é, um conjunto de circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
Dito isso, no caso dos autos, a perícia médica, realizada em 07/03/2013, atestou que o autor é portador de cegueira bilateral, devido à evisceração dos dois olhos por glaucoma congênito. Sua incapacidade é total e permanente, podendo ser estabelecida desde 19/05/1994 (data da retirada dos globos oculares), sendo impossível a recuperação ou reabilitação. Por conta disso, apresenta dificuldades para realizar atos do cotidiano e necessita de ajuda de terceiros para sair de casa ou cozinhar.
O laudo pericial não deixa dúvidas de que o autor apresenta limitações, que potencialmente podem impedir ou dificultar sobremaneira sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas, haja vista que necessita de auxílio de outras pessoas para atos rotineiros, sendo sua deficiência irreversível. Precedente (RESP 201303107383, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:03/08/2017 ..DTPB:.).
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, o §3º do artigo 20 da Lei 8742/1993, em linhas gerais, considera como hipossuficiente para consecução deste benefício, pessoa cuja renda por pessoa do grupo familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo.
Andou bem o legislador, ao incluir o §11 no artigo 20, com a publicação da Lei 13.146/2015, normatizando expressamente que a comprovação da miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente possa ser comprovada por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere (AGARESP 201301166404, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:03/02/2017 ..DTPB:.; AGRESP 201500259775, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:24/05/2016 ..DTPB:.; RESP 200800142128, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:29/09/2008 ..DTPB:.).
Para efeitos da mensuração da renda per capita, o Decreto nº 6.214/2007, em seu artigo 4º, regulamentou o que se entende por Grupo Familiar, assim dispondo:
Mencionado artigo também normatizou, em seu inciso VI e §2º, as rendas que poderão ser excluídas no cômputo da renda familiar, bem como as que devem ser consideradas nesse cálculo, vejamos:
Por fim, cabe uma última ponderação, que é a consideração feita ao artigo 19, mencionado no inciso VI do artigo supra citado:
De acordo com esse artigo, se algum dos membros do Grupo Familiar receber igual benefício assistencial, referido benefício deve ser excluído da renda per capita familiar.
O STJ, em sede de Recurso Repetitivo já sedimentou o entendimento de que a mesma regra deve ser aplicada, por analogia, também para quando houver benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo.
Vejamos:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA . IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(STJ Resp nº 1.355.052/SP, Primeira Seção, Ministro Relator BENEDITO GONÇALVES, Dj. 25/2/2015, DJe 05/11/2015 )
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA PER CAPITA FAMILIAR. EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO RECEBIDO POR IDOSO QUE FAÇA PARTE DO NÚCLEO FAMILIAR. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 10.741/03 (ESTATUTO DO IDOSO). ENTENDIMENTO ASSENTADO NO JULGAMENTO DO RESP N. 1.355.052/SP, JULGADO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. 1. A Primeira Seção, no julgamento do REsp n. 1.355.052/SP, sob o regime dos recursos repetitivos do artigo 543-C do Código de Processo Civil, firmou o entendimento de que: "Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93". 2. Agravo regimental não provido. ..EMEN:
(AGARESP 201301446851, BENEDITO GONÇALVES, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:07/12/2015 ..DTPB:.)
Nesse sentido, os julgados desta C. Corte Regional (TRF3ªRegião, AC 30993.55.2015.04.03.9999, Des Fed Carlos Delgado, DJ 24/10/2016; TRF3ª Região, AC 2014.03.00.013459-1, Des. Fed. Toru Yamamoto, DJ 27/04/2017; APELREEX 00015662120134036139, DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, TRF3 - OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/09/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.).
No presente caso, o estudo social de fls. 159/162, realizado em 27/11/2013, constatou que o autor residia com mais quatro pessoas, a saber: genitora (Edileuza Euzébio da Silva, 48 anos, solteira, sem renda), irmã (Maria Vanessa Euzébio da Silva, 11 anos, portadora de Síndrome de Down, recebe benefício previdenciário), irmão ( Fernando Servião da Silva, 16 anos, cursando 6º ano do Ensino Fundamental), sobrinho do autor (João Paulo da Silva Caetano, 05 anos, cuidado por Edileuza deste o terceiro mês de vida, sendo sua genitora - Silvana da Silva Caetano - residente em Saltos do Guairá/PY). O imóvel em que residem é de madeira e sem forro, os móveis e eletrodomésticos são velhos, o fogão é de lenha, mas há higiene no local.
Analisando o estudo social em comento, em harmonia às especiais condições do requerente, é forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema necessidade que se apresenta.
A família é muito carente e sobrevive, praticamente, do benefício assistencial de Maria Vanessa Euzébio da Silva, que, conforme fundamentado, deve ser excluído do cálculo.
Conjugando a deficiência do autor, sua necessidade para atos do cotidiano e as precárias condições em que sua família vive, sua inclusão no mercado de trabalho resta dificultado sobremaneira, comprovando estar em situação de vulnerabilidade, fazendo jus ao benefício assistencial requerido.
Quanto ao termo inicial do benefício, havendo requerimento prévio administrativo em 19/09/2011, é nesta data que deve ser fixado o inicio do benefício, uma vez que foi neste momento que a autarquia teve ciência da pretensão da parte autora.
Nessa trilha:
Os honorários advocatícios foram fixados modicamente em R$ 1.200,00, devendo ser mantidos, considerando o zelo profissional do causídico e a moderada complexidade da questão.
Considerando as evidências coligidas nos autos, nos termos supra fundamentado, bem como o caráter alimentar e assistencial do benefício, que está relacionado à sobrevivência de quem o pleiteia, deve ser mantida a tutela antecipada concedida pelo Juízo "a quo".
Declarada pelo Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11941/2009, não pode ser acolhido o apelo do INSS.
No entanto, não pode subsistir o critério adotado pela sentença, porque em confronto com o índice declarado aplicável pelo Egrégio STF, em sede de repercussão geral, impondo-se, assim, a modificação do julgado, inclusive, de ofício.
Assim, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, e, após, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947/PE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam: juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e correção monetária segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
Ante o exposto, não conheço da remessa oficial, nego provimento ao recurso interposto pelo INSS, e, de ofício, determino a alteração dos juros de mora e correção monetária, nos termos expendidos no voto.
Junte-se, aos autos, extrato CNIS em anexo, como parte integrante desta decisão.
É o voto.
Juíza Federal Convocada
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