Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5068491-95.2018.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado GISELLE DE AMARO E FRANCA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
25/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/05/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO INDEVIDO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. ERRO DA
ADMINISTRAÇÃO. NATUREZA ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES.
1. Restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal, ser desnecessária a restituição dos
valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da
irrepetibilidade dos alimentos (MS 26085, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno; RE
587371, Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno; RE 638115, RE 638115, Relator Ministro
Gilmar Mendes, Tribunal Pleno).
2. O e. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de ser indevida a restituição
de valores recebidos de boa fé em decorrência de erro da Administração.
3. Pelo princípio da autotutela, a Administração pode anular seus próprios atos quando eivados
de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo
de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os
casos, a apreciação judicial (Súmula nº 473/STF).
4. Uma vez descontado pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores,
compelindo a Administração a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do
benefício não abarca as prestações já descontadas e que não eram devidas.
5. Tendo a autoria decaído de parte do pedido, é de se aplicar a regra contida no Art. 86, do CPC.
8. Apelação provida em parte.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5068491-95.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: JOAO BATISTA CANDIDO DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: MAURO HENRIQUE CASSEB FINATO - SP161867-N,
DOUGLAS EDUARDO DA SILVA - SP341784-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5068491-95.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: JOAO BATISTA CANDIDO DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: MAURO HENRIQUE CASSEB FINATO - SP161867-N,
DOUGLAS EDUARDO DA SILVA - SP341784-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta nos autos de ação de conhecimento em que se objetiva a
declaração de inexistência do débito, a cessação dos descontos efetuados a título de
complemento negativo no benefício de aposentadoria por idade do autor ea restituição dos
valores já descontados,em decorrência da irregularidadeno ato deconcessão do seubenefício
anteriorde aposentadoria por tempo de contribuição, apurada administrativamente pela
autarquia previdenciária.
O MM. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento de
honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, com a ressalva da
suspensão da exigibilidade, por se tratar de beneficiárioda gratuidade da justiça.
Inconformado, o autorpleiteia a reforma da r. sentença, sob a alegação deirrepetibilidade das
verbas de natureza alimentar recebidas de boa-fé.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5068491-95.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: JOAO BATISTA CANDIDO DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: MAURO HENRIQUE CASSEB FINATO - SP161867-N,
DOUGLAS EDUARDO DA SILVA - SP341784-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O autor foi titular de aposentadoria por tempo de contribuição, NB 42/126.339.785-6,concedidaa
partir de 08/04/2003, e, em 01/03/2005, a autarquia previdenciária procedeu ao cancelamento
do benefício, após regular procedimento administrativo em que apurou a irregularidade na
concessão, em virtude da inserção de dados insubsistentes nos cadastros do segurado, com a
participação de servidores do INSS.
Não obstante, pelo que consta dos autos, os valores foram recebidos de boa-fé e por erro da
Administração.
Com efeito, de acordo com os documentos que instruem os presentes autose com aconsulta
processual realizada no sítio eletrônicodo Tribunal de Contas da União, verifica-se que, nos
autos de tomada de contas especial instaurada pelo Instituto Nacional do Seguro Social –INSS
(processo TC 006.854/2013-3), em virtude de prejuízo causado pela ex-servidora Maria Lúcia
Lemos de Souza, referente àconcessão irregular de benefícios previdenciários junto
àagênciaManuelaBarbosa, na cidade doRio de Janeiro, não foi comprovado que os
beneficiários agiram em conluio com a autora das fraudes, de modo que foi excluída a
responsabilidade dos segurados, a teor do voto proferido pelo ilustre Relator, in verbis:
"Concordo com a unidade técnica quando aduz que não faria sentido determinar a citaçãodos
beneficiários, pois não foram carreadas aos autos provas aptas a demonstrar que eles agiram
emconluio com a autora das fraudes. Portanto, acolho a proposta de exclusão da
responsabilidade dossegurados no presente processo. No entanto, como bem ressaltado pela
unidade técnica e peloMP/TCU, deve-se comunicar ao Instituto Nacional do Seguro Social –
INSS e à Procuradoria daRepública no Estado do Rio de Janeiro que tal exclusão não impedirá
a adoção de providênciasadministrativas e/ou judiciais contra os beneficiários dos pagamentos
previdenciários inquinados, comvistas à recuperação dos valores indevidamente pagos".
Outrossim, observo que, malgradonão ter sido identificada naqueles autos a participação dos
beneficiários na conduta fraudulenta atribuída aservidores do INSS, nada obsta que a autarquia
efetue acobrança e o desconto dos valores indevidamente recebidos, condicionadaà
comprovação deque tais valores foram recebidos de má-fé, o que não logrou demonstrar nestes
autos, àmíngua da juntada de novos elementos capazes de infirmar a conclusão administrativa
sobre a ausência daresponsabilidade dos segurados na irregularidade apurada.
Assim, em razão da boa-fé do segurado e da natureza alimentar do benefício, não há que se
falar em restituição dos valores indevidamente recebidos.
Saliente-se que restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal, ser desnecessária a
restituição dos valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do
princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Confira-se:
"MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO QUE
CONSIDEROU ILEGAL APOSENTADORIA E DETERMINOU A RESTITUIÇÃO DE VALORES.
ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS DE PROFESSOR. AUSÊNCIA DE COMPATIBILIDADE
DE HORÁRIOS. UTILIZAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA OBTENÇÃO DE VANTAGENS
EM DUPLICIDADE (ARTS. 62 E 193 DA LEI N. 8.112/90). MÁ- FÉ NÃO CONFIGURADA.
DESNECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS. INOCORRÊNCIA DE
DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AO DIREITO ADQUIRIDO.
1. A compatibilidade de horários é requisito indispensável para o reconhecimento da licitude da
acumulação de cargos públicos. É ilegal a acumulação dos cargos quando ambos estão
submetidos ao regime de 40 horas semanais e um deles exige dedicação exclusiva.
2. O § 2º do art. 193 da Lei n. 8.112/1990 veda a utilização cumulativa do tempo de exercício de
função ou cargo comissionado para assegurar a incorporação de quintos nos proventos do
servidor (art. 62 da Lei n. 8.112/1990) e para viabilizar a percepção da gratificação de função
em sua aposentadoria (art. 193, caput, da Lei n. 8.112/1990). É inadmissível a incorporação de
vantagens sob o mesmo fundamento, ainda que em cargos públicos diversos.
3. O reconhecimento da ilegalidade da cumulação de vantagens não determina,
automaticamente, a restituição ao erário dos valores recebidos, salvo se comprovada a má- fé
do servidor, o que não foi demonstrado nos autos.
4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem-se firmado no sentido de que, no exercício
da competência que lhe foi atribuída pelo art. 71, inc. III, da Constituição da República, o
Tribunal de Contas da União cumpre os princípios do contraditório, da ampla defesa e do
devido processo legal quando garante ao interessado - como se deu na espécie - os recursos
inerentes à sua defesa plena.
5. Ato administrativo complexo, a aposentadoria do servidor, somente se torna ato perfeito e
acabado após seu exame e registro pelo Tribunal de Contas da União.
6. Segurança parcialmente concedida.
(STF , MS 26085, Relatora Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2008, DJe-107
divulg 12-06-2008 public 13-06-2008 ement vol-02323-02 PP-00269 RTJ VOL-00204-03 PP-
01165)".
Ainda, no julgamento do RE 587.371, o Pleno do STF ressaltou, conforme excerto do voto do
Ministro Relator: "... 2) preservados, no entanto, os valores da incorporação já percebidos pelo
recorrido, em respeito ao princípio da boa - fé , (...)" ( STF , RE 587371, Relator: Min. Teori
Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/2013, acórdão eletrônico Repercussão Geral -
Mérito, DJe-122 divulg 23.06.2014, public 24.06.2014).
E, mais recentemente, o Pleno do STF, ao julgar o RE 638115, novamente decidiu pela
irrepetibilidade dos valores recebidos de boa fé, conforme a ata de julgamento de 23.03.2015,
abaixo transcrita:
"Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, apreciando o tema 395 da repercussão
geral, conheceu do recurso extraordinário, vencidos os Ministros Rosa Weber, Luiz Fux,
Cármen Lúcia e Celso de Mello. Em seguida, o Tribunal, por maioria, deu provimento ao
recurso extraordinário, vencidos os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello. O
Tribunal, por maioria, modulou os efeitos da decisão para desobrigar a devolução dos valores
recebidos de boa-fé pelos servidores até esta data, nos termos do voto do relator, cessada a
ultra-atividade das incorporações concedidas indevidamente, vencido o Ministro Marco Aurélio,
que não modulava os efeitos da decisão. Impedido o Ministro Roberto Barroso. Presidiu o
julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 19.03.2015.
(RE 638115, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2015, processo
eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-151 divulg 31-07-2015 public 03-08-2015)".
De sua vez, o e. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de ser indevida a
restituição de valores recebidos de boa fé em decorrência de erro da Administração:
"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA
ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES.
IMPOSSIBILIDADE.
1. Conforme a jurisprudência do STJ, é incabível a devolução de valores percebidos por
pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração.
2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT,
julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores
recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada.
3. Recurso Especial não provido.
(STJ, REsp 1553521/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
03/11/2015, DJe 02/02/2016); e
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES
PAGOS EM RAZÃO DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO NA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO.
DESNECESSIDADE. BOA-FÉ DO SEGURADO. HIPOSSUFICIÊNCIA. NATUREZA
ALIMENTAR DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
É incabível a devolução pelos segurados do Regime Geral da Previdência Social de valores
recebidos em decorrência de erro da Administração Pública. Entendimento sustentado na boa-
fé do segurado, na sua condição de hipossuficiente e na natureza alimentar dos benefícios
previdenciários.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 1170485/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em
17/11/2009, DJe 14/12/2009)".
Contudo, ainda que reconhecida a impossibilidade de cobrança dos valores recebidos de boa-
fé, é de se afastar a obrigação de restituição dos valores já descontados do benefício
dosegurado, pois efetuados no âmbito administrativo, no exercício do poder-dever da autarquia
de apurar os atos ilegais, nos termos da Súmula 473, do STF:
"A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".9
Uma vez descontado pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores,
compelindo a administração a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do
benefício não abarca as prestações já descontadas e que não eram devidas.
Destarte, é de se reformar a r. sentença a fim de determinar ao réu que se abstenha de efetuar
o desconto dos valores indevidamente recebidos peloautor, de boa-fé e por erro da
Administração, não estando obrigado, contudo, à restituição dos valores já descontados até o
presente julgamento.
Tendo a autoria decaído de parte do pedido, vez que reconhecida a impossibilidade de
restituição dos valores já descontados em seu benefício, devem ser observadas as disposições
contidas nos §§ 2º, 3º, I, e 4º, do Art. 85, e no Art. 86, do CPC. A autarquia previdenciária está
isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei
9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei
8.620/93 e a parte autora, por ser beneficiária da assistência judiciária integral e gratuita, está
isenta de custas, emolumentos e despesas processuais.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação nos termos em que explicitado.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO INDEVIDO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. ERRO DA
ADMINISTRAÇÃO. NATUREZA ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES.
1. Restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal, ser desnecessária a restituição dos
valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da
irrepetibilidade dos alimentos (MS 26085, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno; RE
587371, Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno; RE 638115, RE 638115, Relator
Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno).
2. O e. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de ser indevida a restituição
de valores recebidos de boa fé em decorrência de erro da Administração.
3. Pelo princípio da autotutela, a Administração pode anular seus próprios atos quando eivados
de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por
motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em
todos os casos, a apreciação judicial (Súmula nº 473/STF).
4. Uma vez descontado pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores,
compelindo a Administração a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do
benefício não abarca as prestações já descontadas e que não eram devidas.
5. Tendo a autoria decaído de parte do pedido, é de se aplicar a regra contida no Art. 86, do
CPC.
8. Apelação provida em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
