Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000156-74.2021.4.03.6323
Relator(a)
Juiz Federal GABRIELA AZEVEDO CAMPOS SALES
Órgão Julgador
13ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
08/09/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 16/09/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. Controvérsia em relação ao
cumprimento de carência. Quadro clínico que dispensa o cumprimento de carência. Sentença
mantida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIO
Nº
RELATOR:
OUTROS PARTICIPANTES:
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000156-74.2021.4.03.6323
RELATOR:39º Juiz Federal da 13ª TR SP
RECORRENTE: HERNANDES APARECIDO PAMFILO DE CRISTO GONZAGA
Advogados do(a) RECORRENTE: RENALDO SIMOES - SP337867-A, CLOVIS FRANCO
PENTEADO - SP297736-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso interposto pelo INSS contra sentença que acolheu o pedido de concessão
de benefício previdenciário por incapacidade formulado pela parte autora.
O pedido de reforma da sentença funda-se no argumento denão cumprimento da carência após
o reingresso da parte autora no RGPS.
A parte recorrida apresentou contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000156-74.2021.4.03.6323
RELATOR:39º Juiz Federal da 13ª TR SP
RECORRENTE: HERNANDES APARECIDO PAMFILO DE CRISTO GONZAGA
Advogados do(a) RECORRENTE: RENALDO SIMOES - SP337867-A, CLOVIS FRANCO
PENTEADO - SP297736-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos dos arts. 42 e 59 da Lei n. 8.213/91, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-
doença) e a aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez) serão
devidos mediante preenchimento os seguintes requisitos: 1) incapacidade para o trabalho, em
grau variável conforme a espécie de benefício postulado; 2) período de carência, se exigido; e
3) qualidade de segurado quando do surgimento da incapacidade laboral.
No caso dos autos, a sentença analisou esses requisitos da seguinte forma:
[...] após entrevistar o autor, analisar toda a documentação médica que lhe foi apresentada e
examinar clinicamente o periciando, a médica perita concluiu que o autor é portador de
“Esquizofrenia Paranóide” (quesito 1), doença que lhe causa incapacidade para o trabalho
(quesito 4) de forma total e temporária (quesitos 5 e 6), com prazo estimado para reavaliação
em dois anos contados do ato pericial. Em resposta aos quesitos do juízo, a perita explicou que
“a Esquizofrenia Paranoide se caracteriza essencialmente pela presença de ideias delirantes
relativamente estáveis, frequentemente de perseguição, em geral acompanhadas de
alucinações, particularmente auditivas e de perturbações das percepções. Autor ser portador de
Quadro psicótico desde 2016, quando necessitou de internação psiquiátrica em primeiro surto
psicótico e comprova prejuízos em seu exame de estado mental que o impossibilita de exercer
atividades de trabalho. Possui funcionamento global comprometido, com sintomas de linha
positiva importantes, como fenômenos alucinatórios e delirantes ativos e prejuízos em sua
cognição, que prejudicam sua capacidade de planejamento e execuções de ações” (quesito 2).
Questionada quanto à data de início da doença (DID) e da incapacidade (DII), a perita afirmou
que a DID remonta meados de 2016 e a DII pôde ser fixada em 21/06/2017, com base na
documentação médica apresentada (quesito 3).
A incapacidade, como se vê, restou demonstrada. A qualidade de segurado do autor e o
cumprimento da carência na DII, igualmente, estão devidamente comprovados pelas telas do
CNIS trazidas aos autos pelo INSS (id 77749352).
Portanto, preenche o autor, desde a DER referente ao comunicado de decisão apresentado nos
autos com a inicial, em 22/02/2019, os requisitos do art. 59 da Lei nº 8.213/91 para a concessão
do benefício de auxílio-doença. O benefício deverá ser mantido ativo, pelo menos, até
29/06/2023, ou seja, dois anos contados do ato pericial.
O argumento do INSS no sentido de que não houve cumprimento da carência após o retorno da
parte autora ao RGPS não altera a sentença favorável à parte autora. Isso porque se trata de
segurado dispensado do cumprimento da carência, por ser portador deesquizofrenia, patologia
que caracteriza alienação mental e dispensa o número mínimo de recolhimentos, nos termos do
art. 26, II, da Lei n. 8.213/91.
O conceito de alienação mental não é unívoco. Como bem destacado em julgado do Tribunal
Regional Federal 3ª Região (MS 322906, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS
MUTA, ORGÃO ESPECIAL, j. 14/03/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/03/2012), “A CID-10 não
prevê código específico para ‘alienação mental’, aliás sequer faz referência ao diagnóstico, o
que, por certo, ocorre porque, conforme destacou avaliação médica no PA 2006.03.0214-
CJF3R: ‘segundo explicita a doutrina, aalienação mentalnão constitui, de fato, uma doença em
seu sentido estrito, mas um estado cuja constatação depende, antes de tudo, de umdiagnóstico
médicoespecífico e afirmativo, que primeiro reconheça a existência de umamoléstiae depois,
principalmente, a sua conformação à hipótese legalmente estabelecida’.”
Pode-se recorrer, para se tentar obter os contornos específicos da alienação mental, a alguns
diplomas regulamentares de nossa legislação, como a Portaria nº 1.675, de 6 de outubro de
2006, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no qual se afirma o seguinte:
Alienação Mental é um estado de dissolução dos processos mentais (psíquicos) de caráter
transitório ou permanente (onde o volume de alterações mentais pode levar a uma conduta
antissocial), representando risco para o portador ou para terceiros, impedindo o exercício das
atividades laborativas e, em alguns casos, exigindo internação hospitalar até que possa retornar
ao seio familiar. Em geral estão incluídos nesta definição os quadros psicóticos (moderados ou
graves), como alguns tipos de esquizofrenia, transtornos delirantes e os quadros demenciais
com evidente comprometimento da cognição (consciência, memória, orientação, concentração,
formação e inteligência).
Outro conceito regulamentar que pode ser invocado consta do Anexo da Portaria nº 1174, de 06
de setembro de 2006, do Ministério da Defesa, conforme seu Capítulo III, item 1.1:
Conceitua-se como alienação mental todo caso de distúrbio mental ou neuromental grave e
persistente, no qual, esgotados os meios habituais de tratamento, haja alteração completa ou
considerável da personalidade, comprometendo gravemente os juízos de valor e realidade,
destruindo a autodeterminação do pragmatismo e tornando o indivíduo total e
permanentemente inválido para qualquer trabalho.
Observa-se, de ambos os regulamentes citados, notas comuns para se identificar a alienação
mental, dentre elas a gravidade da doença, de forma a alterar de forma significativa a
capacidade cognitiva de seu portador, inclusive, mediante comportamentos psicóticos ou
antissociais.Assim, o enquadramento na categoria de “alienado mental” depende, sempre, de
diagnóstico médico, não sendo possível proceder a esse enquadramento mediante simples
constatação de que o segurado sofre de alguma doença de ordem psíquica.
Pois bem, do laudo pericial consta o seguinte a respeito da situação da autora:
[Laudo pericial – evento 22]
1. A parte autora é (foi) portadora de alguma doença/lesão/moléstia/deficiência/patologia física
ou mental? Em caso positivo, qual é (foi), e qual a CID correspondente? Em caso negativo,
quais as condições gerais de saúde da parte autora?
R: Sim. Esquizofrenia Paranóide, CID 10 F20.0.
2. Quais as características, conseqüências, sintomas e eventuais restrições oriundas da
patologia apresentada pela parte autora?
R: Segundo a CID 10 a A Esquizofrenia Paranóide se caracteriza essencialmente pela presença
de idéias delirantes relativamente estáveis, freqüentemente de perseguição, em geral
acompanhadas de alucinações, particularmente auditivas e de perturbações das percepções.
Autor ser portador de Quadro psicótico desde 2016, quando necessitou de internação
psiquiátrica em primeiro surto psicótico e comprova prejuízos em seu exame de estado mental
que o Impossibilita de exercer atividades de trabalho. Possui funcionamento global
comprometido, com sintomas de linha positiva importantes, como fenômenos alucinatórios e
delirantes ativos e prejuízos em sua cognição, que prejudicam sua capacidade de planejamento
e execuções de ações.
3. É possível precisar tecnicamente a data de início (e de final, se for o caso) da
doença/lesão/moléstia/deficiência que acomete(u) a parte autora? Em caso positivo, é possível
estabelecer a data/momento, ainda que aproximadamente, em que a
doença/lesão/moléstia/deficiência se tornou incapacitante para a parte autora? Com base em
que (referência da parte autora, atestados, exames, conclusão clínica, etc.) o perito chegou
na(s) data(s) mencionada(s)? Se apenas com base no que foi referido pelo periciando, o que
deu credibilidade às suas alegações?
R: DID: Desde meados de 2016 de acordo com relatórios médicos.
DII: Autor com incapacidade de longa data, desde sua última internação psiquiátrica datada em
21/06/2017 esta incapacitado para o trabalho.
4. Segundo sua impressão pericial, a parte autora encontra(ou)- se incapaz de exercer sua
profissão habitual?
R: Sim, autor comprova incapacidade total e temporária.
5. Apesar da incapacidade, a parte autora pode exercer alguma outra profissão? Em caso
positivo, citar exemplos de profissões que podem ser desempenhadas pela parte autora sem
comprometimento das limitações oriundas de sua incapacidade.
R: Não.
6. A incapacidade que acomete a autora é reversível? Se sim, qual o tratamento e qual o tempo
de sua duração para a devida recuperação?
R: Como autor é jovem, e é submetido a tratamento psiquiátrico regularmente, existe a
possibilidade, ainda que baixa de recuperação. Sabe-se que de acordo com literatura pertinente
que até 1/3 dos quadros de esquizofrenia podem atingir remissão, embora na prática isso seja
raro de observar. Sendo assim, é prudente que autor seja afastado por dois anos para posterior
reavaliação da capacidade laboral.
7. A parte autora precisa de assistência permanente de outra pessoa para os atos do cotidiano?
R: Não.
[Laudo médico legal – evento 32]
6. CONCLUSÕES
O periciando apresenta comprometimento do raciocínio lógico, não conseguindo exprimir
desejos ou necessidade, o que o impossibilita de imprimir diretrizes de vida.
Há restrição total para atos de vida negocial e patrimonial, como fazer empréstimos, conciliar,
dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, praticar atos que não sejam de
mera administração.
O quadro descrito é irreversível.
O laudo pericial (Id. 259389646) estimou em dois anos o prazo para que a autora pudesse
recuperar sua capacidade laborativa, ainda que baixa de recuperação existe a possibilidade. O
laudo médico legal (Id.259389657) constatou a dependência de terceiros para as atividades da
vida diária, bem como para os atos da vida civil.Tais constatações se coadunam com os
conceitos de alienação mental acima transcritos, razão pela qual a parte autora está dispensada
do cumprimento da carência para a concessão do benefício de auxílio-doença.
Dessa forma, a decisão recorrida não comporta qualquer reparo, eis que proferida com base em
minudente apreciação da prova e à luz dos parâmetros fixados pela legislação e pela
jurisprudência em relação à matéria controvertida.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
Condeno a parte recorrente ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% do valor
da condenação, atualizados na data do pagamento, nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/1995.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. Controvérsia em relação ao
cumprimento de carência. Quadro clínico que dispensa o cumprimento de carência. Sentença
mantida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Terceira Turma
decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
