
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5017832-45.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: ANA PAULA SANTOS LIMA
Advogado do(a) APELANTE: IZAIAS MANOEL DOS SANTOS - SP173632-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5017832-45.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: ANA PAULA SANTOS LIMA
Advogado do(a) APELANTE: IZAIAS MANOEL DOS SANTOS - SP173632-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER:
Trata-se de ação judicial ajuizada em dezembro de 2022, com o objetivo de obter a concessão de auxílio por incapacidade permanente, sendo os autos distribuídos a esta Corte em 16/08/2024.
A sentença proferida pela 2ª Vara Federal de São Paulo, em 19/04/2024, julgou improcedente o pedido, sob o fundamento da perda da qualidade de segurada na data do início da incapacidade.
A parte autora foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, com a exigibilidade suspensa em razão da concessão do benefício de justiça gratuita.
A autora interpõe recurso, alegando que a cessação do benefício por incapacidade em 2008, período em que ainda detinha a qualidade de segurada, foi indevida, uma vez que permanece incapacitada para o exercício de atividades laborativas.
Requer a reforma da sentença para que seja concedido o benefício por incapacidade desde a data da cessação indevida.
Sem apresentação de contrarrazões, os autos foram remetidos a esta C. Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5017832-45.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: ANA PAULA SANTOS LIMA
Advogado do(a) APELANTE: IZAIAS MANOEL DOS SANTOS - SP173632-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER:
Trata-se de recurso de apelação para concessão de auxílio por incapacidade permanente em face de sentença que julgou o pedido improcedente em razão da perda da qualidade de segurado na data de início da incapacidade.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Dos benefícios por incapacidade
Os benefícios por incapacidade têm fundamento no artigo 201 da Constituição Federal.
Por sua vez, a Lei nº 8.213/91 estabelece os requisitos necessários para a concessão de benefício por incapacidade permanente (artigo 42) e temporária (artigos 59 a 63), exigindo qualidade de segurado, em alguns casos carência, além de moléstia incapacitante para atividade que lhe garanta a subsistência.
Nesse sentido, a incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que garanta a subsistência enseja a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez; a incapacidade total e temporária para o exercício de atividade que garanta a subsistência justifica a concessão do benefício de auxílio-doença e a incapacidade parcial e temporária somente legitima a concessão do benefício de auxílio-doença se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo segurado.
A comprovação da incapacidade é realizada mediante perícia médica a cargo do INSS ou perito nomeado pelo Juízo, nos termos do artigo 42, §1º, da Lei nº 8.213/91 e arts. 443, II, 464 e 479 do Código de Processo Civil.
Contudo, registre-se que a avaliação das provas deve ser ampla, levando-se em consideração também as condições pessoais do requerente, conforme magistério da eminente Desembargadora Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS ("Direito previdenciário esquematizado", São Paulo: Saraiva, 2023, p. 122):
Na análise do caso concreto, deve-se considerar as condições pessoais do segurado e conjugá-las com as conclusões do laudo pericial para avaliar a incapacidade.
Não raro o laudo pericial atesta que o segurado está incapacitado para a atividade habitualmente exercida, mas com a possibilidade de adaptar-se para outra atividade. Nesse caso, não estaria comprovada a incapacidade total e permanente, de modo que não teria direito à cobertura previdenciária de aposentaria por invalidez. Porém, as condições pessoais do segurado podem revelar que não está em condições de adaptar-se a uma nova atividade que lhe garanta subsistência: pode ser idoso, ou analfabeto; se for trabalhador braçal, dificilmente encontrará colocação no mercado de trabalho em idade avançada.
No mesmo sentido é a jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE PARCIAL ALIADA ÀS CONDIÇÕES PESSOAIS. ANÁLISE. POSSIBILIDADE.
1. "Ainda que o laudo pericial tenha concluído pela incapacidade parcial para o trabalho, pode o magistrado considerar outros aspectos relevantes, tais como, a condição socioeconômica, profissional e cultural do segurado, para a concessão da aposentadoria por invalidez" (AgRg no AREsp 308.378/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 21/05/2013).
2. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida". Súmula 83 do STJ.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 2.036.962/GO, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 5/9/2022, DJe de 9/9/2022.)
Constatada a incapacidade, ainda é preciso observar se a carência e a qualidade de segurado foram comprovadas pela parte requerente.
Da qualidade de segurado
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes, ou ainda, independentemente do recolhimento de contribuições, no chamado período de graça, previsto no art. 15, da Lei nº 8.213/91.
No que tange ao trabalhador rural não há necessidade de recolhimento das contribuições, bastando a comprovação do efetivo exercício da atividade rural pelo número de meses correspondentes à carência do benefício requerido, conforme o disposto no artigo 39, I e artigo 25, I da Lei 8.213/91.
Ademais, na hipótese da perda da qualidade de segurado, dispõe o art. 27-A, da Lei 8.213/91 que, para a obtenção do benefício, o trabalhador "deverá contar, a partir da data da nova filiação à Previdência Social, com metade dos períodos previstos nos incisos I, III e IV do caput do art. 25 desta Lei."
Saliente-se que há entendimento jurisprudencial no sentido de que não há que se falar em perda da qualidade de segurado se a ausência de recolhimento de contribuições decorreu da impossibilidade de trabalho da pessoa acometida de doença.
A esse respeito, confira-se julgado do E. Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO ANTES DA OCORRÊNCIA DA MOLÉSTIA INCAPACITANTE. BENEFÍCIO INDEVIDO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO DESPROVIDO.
I- A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que, após cumprida a carência e conservando a qualidade de segurado, for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação em atividade que lhe garanta subsistência.
II- A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de que o segurado que deixa de contribuir para a Previdência Social, por estar incapacitado para o labor, não perde a qualidade de segurado.
(...)
V- Agravo interno desprovido. (AgRg no REsp 1245217/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 20/06/2012)
Da carência
Quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei nº 8.213/91, em seu artigo 25, inciso I.
Entretanto, o artigo 26, inciso II, do mesmo texto legal prescreve que independem de carência, o "auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho".
Também está dispensado de comprovar a carência o segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado.
A Lei n. 8.213/91, no artigo 151, previu, até a elaboração da referida lista, algumas doenças que, quando constatadas, dispensam o requisito da carência. São elas: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada.
A Portaria Interministerial MPAS/MS n. 2.998, de 23.8.2001, no art. 1º, além das doenças descritas, acrescentou para fins de exclusão da exigência da carência "o estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante)" e hepatopatia grave, para fins de concessão dos benefícios aqui tratados.
Por fim, não será devido o auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão (art. 42, §2º, §1º da Lei 8213/91).
Do caso em análise
A parte autora, atualmente com 52 anos de idade, é portadora de concussão cerebral, transtorno delirante orgânico (tipo esquizofrênico), transtornos de discos lombares e outros discos intervertebrais com mielopatia, além de transtorno do disco cervical com mielopatia.
Recebeu auxílio por incapacidade temporária, concedido administrativamente no período de 30/05/2006 a 20/01/2008, em razão de transtorno afetivo bipolar com episódio atual maníaco, sem sintomas psicóticos. Posteriormente, no período de 08/04/2009 a 19/06/2009 e de 01/10/2009 a 19/11/2019, voltou a receber o mesmo benefício em razão de traumatismo superficial do abdome, dorso e pelve, bem como por transtornos de discos torácicos, toracolombares e lombossacros.
Dada a sua condição de saúde, a autora formulou novo requerimento administrativo em 12/09/2016, visando à concessão de auxílio por incapacidade temporária, o qual foi indeferido por ausência de constatação de incapacidade laborativa (ID 300464010 – fl. 4).
Em 27/09/2023, foi realizada perícia psiquiátrica, na qual a autora relatou apresentar quadro de depressão desde 2005, mantendo tratamento psiquiátrico até a presente data (ID 300464084). O perito descreveu que a autora se encontrava apática, desmotivada, sonolenta, com cognição diminuída, tristeza persistente, pensamentos suicidas, diminuição de memória, sentimentos de inutilidade, irritabilidade, redução da libido, perda de energia e pessimismo — sinais clássicos que, à época, a tornavam inapta ao trabalho (ID 300464084).
Com base na documentação anexada aos autos e no exame clínico, diagnosticou a autora com depressão, concluindo que se encontra incapacitada total e temporariamente desde 28/09/2023, sendo o início da enfermidade datado de janeiro de 2006 (ID 300464084).
Registre-se que o perito psiquiatra declarou não ser possível prever um prazo de recuperação, afirmando que tal situação depende do tratamento adequado e da adesão da autora ao tratamento prescrito (ID 300464084).
Em 20/10/2023, foi realizada perícia com especialista em neurologia. Na ocasião, a autora relatou que sofreu traumatismo craniano em 2006, quando um portão caiu sobre sua cabeça, além de informar que não trabalha desde 2016 (ID 300464060).
O perito neurologista constatou que não havia sinais objetivos de diminuição de força, atrofia muscular ou alterações relacionadas ao sistema nervoso autônomo, observando força normal nos membros superiores e inferiores, com reflexos presentes e simétricos em ambos. Não foram identificados sintomas psiquiátricos que justificassem incapacidade laborativa (ID 300464060).
Por fim, a perícia médica judicial realizada em 13/11/2023, por especialista em traumatologia, verificou discreta limitação nos movimentos das colunas cervical e lombossacra, mas com marcha preservada e sem sinais de radiculopatia para os membros superiores ou inferiores, com manobras de Spurling e Lasegue negativas (ID 300464108).
Dessa forma, não foi caracterizada incapacidade laborativa (ID 300464108).
A sentença julgou improcedente o pedido, fundamentando-se no fato de que, das perícias realizadas, apenas a perícia psiquiátrica identificou incapacidade em 28/09/2023. O magistrado entendeu que não há elementos que comprovem a existência de incapacidade no período compreendido entre a data do indeferimento ou da cessação do benefício administrativo e a data da realização da perícia.
Ademais, o juízo destacou que a autora efetuou recolhimentos como contribuinte individual, sendo o último em 31/05/2021. Considerando que a data de início da incapacidade (DII) foi fixada em 28/09/2023, mesmo aplicando o período de graça de 24 meses, por ter vertido mais de 120 contribuições, a qualidade de segurada da autora foi mantida somente até 15/07/2023.
A análise do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) da autora evidencia que as últimas contribuições ao sistema previdenciário foram realizadas na qualidade de contribuinte individual.
Entre as perícias realizadas, apenas a perícia psiquiátrica constatou incapacidade a partir de 28/09/2023. No entanto, considerando a data de início da incapacidade fixada pelo exame pericial, verifica-se que a autora já não possuía a qualidade de segurada, uma vez que essa foi encerrada em 16/08/2022.
Ressalta-se, ainda, que os documentos médicos constantes nos autos não comprovam que a autora estava incapacitada desde a cessação do benefício anterior ou desde o requerimento administrativo de 2016.
Ademais, destaca-se a existência da ação judicial n. 0001637-21.2016.4.03.6332, julgada improcedente por ausência de comprovação de incapacidade laboral, com trânsito em julgado em 13/12/2016, poucos meses após a formulação do requerimento administrativo contemporâneo.
Dessa forma, é inviável a concessão dos benefícios pleiteados, pois, além de configurada a perda da qualidade de segurada da autora, mesmo a existência de incapacidade laboral não justificaria o deferimento do benefício.
Em suma, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido de benefício por incapacidade.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por AFASTAR A PRELIMINAR e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO à apelação, nos termos da fundamentação.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE PERMANENTE . PERDA QUALIDADE DE SEGURADO.
1. A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes, ou ainda, independentemente do recolhimento de contribuições, no chamado período de graça, previsto no art. 15, da Lei nº 8.213/91.
2. A perícia, realizada por médico psiquiatra, diagnosticou a parte autora com depressão, estando incapacitada total e temporariamente desde 28/09/2023, dia posterior à realização do exame pericial.
3. Entre as perícias realizadas, apenas a perícia psiquiátrica constatou incapacidade a partir de 28/09/2023. No entanto, considerando a data de início da incapacidade fixada pelo exame pericial, verifica-se que a autora já não possuía a qualidade de segurada, uma vez que essa foi encerrada em 16/08/2022.
4. Dessa forma, é inviável a concessão dos benefícios pleiteados, pois, além de configurada a perda da qualidade de segurada da autora, mesmo a existência de incapacidade laboral não justificaria o deferimento do benefício.
5. Apelação não provida.
ACÓRDÃO
JUÍZA FEDERAL
