
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5061006-05.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ERIKA BARCELOS ANICETO
Advogado do(a) APELADO: ANDREA CRISTINA PARALUPPI FONTANARI - SP274546-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5061006-05.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ERIKA BARCELOS ANICETO
Advogado do(a) APELADO: ANDREA CRISTINA PARALUPPI FONTANARI - SP274546-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ajuizada em 1º/10/2019, que tem por objeto a concessão de aposentadoria por invalidez, com o acréscimo de 25% previsto no artigo 45 da Lei nº 8.213/91, ou o restabelecimento de auxílio-doença desde 28/05/2019, data da cessação administrativa do benefício por incapacidade precedente.
O feito foi sentenciado em 06/04/2022. O pedido foi julgado procedente, para conceder aposentadoria por invalidez à autora, a partir de 28/05/2019, cujas prestações vencidas haviam de acrescer-se de correção monetária e juros de mora. Remeteu-se a fixação dos honorários advocatícios da sucumbência à fase de execução do julgado. Não se condenou o INSS no pagamento de custas processuais.
O INSS interpôs apelação. Nas razões desfiadas, sustenta não ter ficado comprovada a incapacidade laborativa da autora para o desempenho de sua atividade habitual de dentista. Subsidiariamente, requer que o termo inicial do benefício seja fixado na data da perícia judicial; que seja observada a EC nº 103/2019 no cálculo do valor do benefício; a redução dos honorários advocatícios observando-se a Súmula nº 111 do STJ e a isenção de custas.
Com contrarrazões, nas quais a parte autora bate-se pela concessão de tutela provisória de urgência, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5061006-05.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ERIKA BARCELOS ANICETO
Advogado do(a) APELADO: ANDREA CRISTINA PARALUPPI FONTANARI - SP274546-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.
Pretende-se benefício por incapacidade (aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença).
Os artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91 dão regramento à matéria, nos seguintes termos:
“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição” (ênfases colocadas).
“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos” (grifos apostos).
A EC 103/2019 rebatizou os benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença, passando a chamá-los de aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária, respectivamente.
Eis, portanto, os requisitos que em um e outro caso se exigem: (i) qualidade de segurado; (ii) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (iii) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo grau e período de duração determinarão o benefício a calhar e (iv) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão de doença ou lesão (§2º do primeiro dispositivo copiado e §1º do segundo).
Percebo que a autora, nascida em 21/02/1978 (ID 260887945), esteve em gozo de auxílio-doença previdenciário nos períodos de 11/09/2014 a 11/10/2014, de 24/03/2017 a 04/10/2018 e de 05/10/2018 a 28/05/2019 (ID’s 260887957, 260887964, 260887967 e consulta atualizada ao CNIS).
Inconformada com a cessação do benefício, a autora intentou a presente ação em 1º/10/2019. Em suas dobras, observado o devido processo legal, exame médico-pericial foi levado a efeito em 13/07/2021 (ID 260888184).
Os achados revelam que a autora – cirurgiã-dentista até 2017 – padece de espondilose da coluna cervical (CID’s M47 e M51) e episódio depressivo (CID F32).
No exame físico a que se sujeitou a autora, a senhora Perita não encontrou anormalidades. Discorreu: “Periciada destra. Presença de cicatriz cirúrgica antiga na região cervical anterior à direita. Cicatriz pequena antiga no joelho e tornozelo esquerdos. Periciada corada e hidratada. Pulmões com murmúrio vesicular presente e simétrico, sem ruídos anormais. Ritmo cardíaco regular; pressão arterial de 12x7 mmHg. Abdome flácido, indolor, sem massas palpáveis. Sem edemas. A periciada se apresenta com vestes e higiene adequadas. Atitude ativa e colaborativa. Atenta à entrevista. Tem noção precisa da natureza e finalidade do exame. Orientada no tempo, espaço e circunstâncias. Memória preservada. Sem alterações à sensopercepção. Pensamento estruturado, com curso, forma e conteúdo regulares. Capacidade de abstração e crítica em relação à doença preservadas. Humor eutímico. Afeto congruente. Inteligência dentro dos limites de normalidade. Marcha sem alterações. Força muscular preservada globalmente. Tônus normal. Ausência de atrofia muscular (circunferência de braços 29cm; antebraços 23cm; coxas 51cm; panturrilhas 36cm). Ausência de atrofia dos músculos das mãos. Reflexos osteotendíneos normoativos e simétricos em membros superiores e vivos e simétricos em membros inferiores. Reflexo cutâneo-plantar em flexão bilateral. Ausência de clônus aquileu. Sem restrições à flexão, extensão, inclinação lateral e rotação da coluna cervical e lombar. Sem sinais de compressão radicular cervical ou lombar. Sem sinais de compressão do nervo mediano no punho, bilateralmente. Nervos cranianos íntegros. Sem alterações de fala. Equilíbrio preservado. Sem alterações na coordenação. Ausência de edema, calor ou rubor em articulações (ausência de artrite). Sem restrição à mobilização de articulação de ombros, cotovelos, punhos, mãos, quadris, joelhos, tornozelo direito e pés. Discreta restrição à flexão e extensão do tornozelo esquerdo. Sem sinais de instabilidade articular. Ausência de deformidades articulares incapacitantes” (ID 260888184 – Pág. 4).
No corpo do trabalho pericial, a senhora Louvada expôs: “A periciada comprova Espondilose de coluna e foi tratada cirurgicamente em função de compressão de raiz nervosa no passado. No entanto, não foi possível identificar, ao exame físico atual, a presença de déficits de força, atrofia muscular, alteração de tônus ou reflexos, dificuldade de marcha ou qualquer achado indicativo de limitação funcional que implique incapacidade laborativa para sua atividade habitual. Em relação ao Episódio Depressivo, a periciada comprovou tratamento ambulatorial e não houve tratamento hospitalar. Não apresenta queixas ansiosas ou depressivas. Ao exame, não foi possível detectar rebaixamento do humor. Não há alterações de pensamento. Não há atividade delirante, nem ideação suicida. Não há, portanto, evidências de limitação funcional que implique incapacidade laborativa para sua atividade habitual. A data de início da doença pode ser fixada, pelo menos, a partir de 12/01/2016, segundo dados de documentação apresentada. Não há, ao exame atual, sinais de disfunção cognitiva ou retardo mental. A periciada consegue alimentar-se, vestir-se, deambular e comunicar-se, estando independente para as atividades da vida diária” (ID 260888184 – Págs. 5/6).
De tudo, concluiu: “A periciada não comprova, ao exame atual, incapacidade laborativa para sua atividade habitual” (ID 260888184 – Pág. 6).
É verdade que as conclusões do laudo pericial não vinculam necessariamente o juiz, se este localizar nos autos outros elementos que o persuadam a desconsiderá-las (art. 479 do CPC). Mas, sem esse contraste, não há como decidir contrariamente a elas, se ainda são o meio por excelência (porque provindas de sujeito processual técnico e imparcial) de forrar, no contraditório e segundo as regras que o regem, a convicção judicial que se postula.
Sobreleva que a existência de doença não significa, por si só, incapacidade laborativa. É preciso que os efeitos da doença repercutam no desempenho do trabalho habitual do segurado, prejudicando-o, o que na espécie não aflorou.
Sobre o assunto, já decidiu esta Nona Turma:
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE LABORAL AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORAL ATESTADA EM LAUDO PERICIAL. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
- São requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por incapacidade permanente) e a incapacidade temporária (auxílio por incapacidade temporária), bem como a demonstração de que o segurado não era portador da alegada enfermidade ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
- Atestada a ausência de incapacidade laborativa por meio de prova técnica, e não tendo esta sido infirmadas por outros elementos de prova que autorizem convicção em sentido diverso, não é possível a concessão dos benefícios pretendidos.
- Sucumbência recursal. Manutenção da condenação da parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do Código de Processo Civil, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação não provida” (AC nº 5068379-19.2024.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Daldice Santana, j. 18/07/2024, DJEN 24/07/2024).
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA/APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. NULIDADE DA SENTENÇA. NOVA PERÍCIA. DESNECESSIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
- A Lei nº 8.213/91 preconiza, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade permanente, nos termos da EC n° 103/2019, será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária, nos termos da EC n° 103/2019, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência e a condição de segurado.
- O benefício de auxílio por incapacidade temporária, por sua vez, é devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 contribuições mensais e for considerado temporariamente incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual, por mais de 15 dias consecutivos e possuir a condição de segurado (arts. 59 a 63 da Lei de Benefícios).
- Não restou suficientemente comprovado o preenchimento dos requisitos legais (incapacidade laborativa), não fazendo jus a parte autora à concessão da aposentadoria por incapacidade permanente e/ou auxílio por incapacidade temporária.
- Muito embora o objeto da causa verse sobre matéria de direito e de fato, "in casu", prescinde da produção de novo laudo pericial, uma vez que existem provas material e pericial suficientes para o deslinde da causa, não se configurando hipótese de cerceamento de defesa ou de qualquer outra violação de ordem constitucional ou legal. Da análise do laudo pericial produzido nos autos, verifico que o mesmo foi conduzido de maneira adequada, dispensando qualquer outra complementação. Vale ressaltar que a perita é médica devidamente registrada no respectivo Conselho de Classe (CRM), especializada em medicina do trabalho e perícias médicas, presumindo-se detenha conhecimentos gerais da área de atuação, suficientes ao exame e produção da prova determinada.
- Honorários advocatícios majorados ante a sucumbência recursal, observando-se o limite legal, nos termos do §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015, e observada a gratuidade da justiça.
- Apelação da parte autora não provida" (AC nº 5003710-74.2021.4.03.6114, Rel. Des. Fed. Gilberto Jordan, j. 28/06/2023, DJEN 04/07/2023).
Investigação sobre circunstâncias socioeconômicas só se afigura possível na hipótese de incapacidade parcial (Súmula 47 da TNU), esta que no caso não se positivou.
Atestados médicos de caráter particular datados em 2018, 2019, 2020 e abril/2021, sugerindo afastamento do trabalho (ID’s 260887970, 260888003, 260888006, 260888009, 260888011, 260888012, 260888078 e 260888148), anteriores portanto ao exame pericial levado a efeito, a este não se sobrepõem. Laudos e atestados médicos obtidos unilateralmente pelo segurado equiparam-se a mero parecer de assistente técnico, mas não prevalecem em contraste com a conclusão do Perito Judicial, que prepara a prova aos rigores do devido processo legal e tangido pela regra da imparcialidade.
Ausente incapacidade, anódino perquirir sobre qualidade de segurado e carência, de vez que, para os benefícios perseguidos, os requisitos que os ensejam devem apresentar-se cumulativamente.
Por todo o visto, a solução que se empresta à demanda é incompatível com a concessão da tutela provisória requerida em contrarrazões.
A sentença proferida, em suma, merece reparo.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora em honorários advocatícios dela decorrentes, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, na forma do artigo 85, § 2º, do CPC, cuja exigibilidade enfrenta a ressalva prevista no artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal.
Anoto no fecho que, conforme consulta atualizada no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, não se verifica, em favor da autora, nova concessão de benefício por incapacidade.
Diante do exposto, dou provimento à apelação do INSS, para julgar improcedente o pedido, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. APELAÇÃO DESPROVIDA.
- Consoante os artigos 42 e 59 da Lei n° 8.213/91, a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença dependem da comprovação dos seguintes requisitos: (I) qualidade de segurado; (II) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (III) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo grau e período de duração determinarão o benefício a calhar; e (IV) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão da doença ou lesão (§2º do primeiro dispositivo citado e §1º do segundo).
- Segundo a conclusão pericial, a autora está apta para o desempenho de sua atividade laborativa habitual. Com esse quadro fático, benefício por incapacidade não se oportuniza.
- Apelação do INSS provida.
