
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5096196-58.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GILMAR FIRMINO PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: CESAR AUGUSTO DE ARRUDA MENDES JUNIOR - SP149876-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5096196-58.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GILMAR FIRMINO PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: CESAR AUGUSTO DE ARRUDA MENDES JUNIOR - SP149876-N
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta em face de sentença, não submetida ao reexame necessário, que julgou procedente o pedido de auxílio por incapacidade temporária desde o requerimento administrativo até a readaptação, discriminados os consectários legais, antecipados os efeitos da tutela.
O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) alega a ausência da qualidade de segurado especial e exora a reforma integral do julgado. Subsidiariamente, requer seja afastada a reabilitação profissional.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5096196-58.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GILMAR FIRMINO PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: CESAR AUGUSTO DE ARRUDA MENDES JUNIOR - SP149876-N
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício por incapacidade laboral.
A cobertura do evento incapacidade para o trabalho é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II, da Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), cuja redação atual é dada pela Emenda Constitucional n. 103, publicada em 13/11/2019 (EC n. 103/2019):
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (...)”.
Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.
A aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade permanente (EC n. 103/2019), é devida ao segurado que for considerado permanentemente incapaz para o exercício de quaisquer atividades laborativas, não sendo possível a reabilitação em outra profissão.
Nos termos do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, o benefício será devido ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e será pago enquanto perdurar esta condição.
Por sua vez, o auxílio-doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária (EC n. 103/2019), é devido ao segurado que ficar temporariamente incapacitado para o trabalho e, à luz do disposto no artigo 59 da Lei n. 8.213/1991, "não para quaisquer atividades laborativas, mas para (...) sua atividade habitual" (Direito da Seguridade Social, Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005, p. 128).
São requisitos para a concessão desses benefícios, além da incapacidade laboral: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais, quando exigida, bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de benefício por incapacidade permanente ou temporária. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n. 8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza, ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).
O reconhecimento da incapacidade laboral, total ou parcial, depende da realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil (CPC). Contudo, o Juiz não está adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos pessoais, profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos autos.
Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) são pertinentes a esse tema.
Súmula 47 da TNU: “Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez”.
Súmula 53 da TNU: “Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social”.
Súmula 77 da TNU: “O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual”.
Especificamente quanto aos rurícolas, a legislação sofreu longa evolução, refletida em inúmeros diplomas normativos a versar sobre a matéria, sendo mister destacar alguns aspectos pertinentes a essa movimentação legislativa, para, assim, deixar claros os fundamentos do acolhimento ou rejeição do pedido.
Pois bem. Embora a primeira previsão legislativa de concessão de benefícios previdenciários ao trabalhador rural estivesse consubstanciada no Estatuto do Trabalhador Rural (Lei n. 4.214/63), que criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural – FUNRURAL com essa finalidade, somente depois da edição da Lei Complementar n. 11, de 25 de maio de 1971, passaram alguns desses benefícios, de fato, dentre os quais o de aposentadoria por invalidez, a ser efetivamente concedidos, muito embora limitados a um determinado percentual do salário mínimo.
Antes do advento da Constituição Federal de 1988, o artigo 3º da Lei n. 7.604, de 26 de maio de 1987, incluiu o auxílio-doença no Programa de Assistência ao Trabalhador Rural - PRORURAL.
Na época, não se perquiria sobre a qualidade de segurado, nem sobre o recolhimento de contribuições, por possuírem os benefícios previstos na Lei Complementar n. 11/1971, relativa ao FUNRURAL, caráter assistencial.
Somente a Constituição Federal de 1988 poria fim à discrepância de regimes entre a Previdência Urbana e a Rural, medida, por sinal, concretizada pelas Leis n. 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991.
Assim, a concessão dos benefícios de aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária para os trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribuna de Justiça (STJ) e desta Corte: STJ – AR 4041/SP – Proc. 2008/0179925-1, Rel, Ministro Jorge Mussi – Dje 05/10/2018; AREsp 1538882/RS – Proc. 2019/0199322-6, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11/10/2019; Ap.Civ. 6072016-34.2019.4.03.9999, 9ª Turma, Rel. Des. Fed. Gilberto Jordan, e-DJF3 Judicial – 02/03/2020; Ap.Civ. 5923573-44.2019.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Nelson Porfírio – Publ. 13/03/2020).
A comprovação do exercício da atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ).
No caso dos autos, o autor alega ter exercido atividades rurais em regime de economia familiar até ser acometido de doença incapacitante que o impede de trabalhar.
De acordo com a perícia médica judicial, realizada no dia 27/3/2023, o autor estava total e temporariamente incapacitado para o trabalho, desde abril de 2021, em razão de esquizofrenia.
Resta averiguar, entretanto, o exercício de atividades rurais quando deflagrada a incapacidade laboral.
Como início de prova material do alegado labor rural, apresentou documentos em nome do genitor, Cícero Nunes Pereira: (i) contrato de assentamento emitido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, emitido em 17/6/1998; (ii) declaração cadastral de produtor de 26/4/2000, (iii) cadastro de contribuinte de ICMS de 21/6/2006, (iv) notas fiscais de produtor de 2019, 2020, 2021 e 2022.
Apresentou, ainda, declaração de residência e atividade rural expedida pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo, noticiando que o genitor é titular de lote rural no Projeto de Assentamento Lagoinha, no Município de Presidente Epitácio, e que o autor ali residia com sua família, expedida em novembro de 2022.
Ocorre que não há outros elementos de prova nos autos, em nome do próprio autor, que corroborem o labor rural até o início da incapacidade.
Note-se, ainda, que os dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), corroborados pelas anotações na CTPS do autor informam que ele exerceu atividades urbanas de servente e de jardineiro, nos períodos de 5/5/2017 a 9/2/2018 e de 5/11/2018 a 7/3/2019.
Por sua vez, o fato de morar na zona rural não implica concluir que o autor trabalhava na lide rural, já que ausente documento em nome próprio comprovando que de fato exercia atividade rural na propriedade do genitor em período anterior à incapacidade.
Ademais, a prova oral produzida em audiência não é bastante para patentear o efetivo exercício de atividade rural do autor. Simplesmente disseram, genericamente, que ele sempre exerceu atividades rurais no sítio de seu pai sem qualquer informação adicional e em contradição com a prova documental que revelou vínculos urbanos do autor.
Logo, a prova testemunhal produzida em juízo, frágil e insubsistente, não é apta a corroborar a alegada manutenção do trabalho rural.
Nesse passo, a prova da atividade rural do próprio autor até o advento da incapacidade laboral apontada na prova técnica não está comprovada a contento, porque fincada exclusivamente em prova vaga.
Nessas circunstâncias, ainda que constatada a incapacidade do autor, os demais requisitos legais para a concessão do benefício não foram preenchidos.
Nesse sentido, cito o seguinte julgado:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. TRABALHADOR RURAL. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS.
1. São requisitos dos benefícios postulados a incapacidade laboral, a qualidade de segurado e a carência, esta fixada em 12 contribuições mensais, nos termos do art. 25 e seguintes da Lei nº 8.213/91.
2. Na hipótese de trabalhador rural, quanto à carência e qualidade de segurado, é expressamente garantido o direito à percepção de aposentadoria por incapacidade permanente ou auxílio por incapacidade temporária, no valor de um salário mínimo, desde que comprove o exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, por período equivalente ao da carência exigida por lei (art. 39 c/c art. 26, III, ambos da Lei n.º 8.213/91), sendo desnecessária, portanto, a comprovação dos recolhimentos ao RGPS, bastando o efetivo exercício da atividade campesina por tempo equivalente ao exigido para fins de carência.
3. No tocante à incapacidade, perícia realizada em 24.01.2023, o perito atestou: “.DIAGNÓSTICO: CEGUEIRA DE OLHO ESQUERDO E ESPONDILODISCARTROSE LOMBAR. CID H54 E M512. DATA DE INÍCIO DOENÇA (DID): A LESÃO DO OLHO OCORREU HÁ 28 ANOS. A DOENÇA DA COLUNA É CRÔNICA, DEGENERATIVA. HÁ INVALIDEZ TOTAL E TEMPORÁRIA PARA O TRABALHO EM DECORRÊNCIA DA DOENÇA DA COLUNA. DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE (DII): FICA COMPROVADA INVALIDEZ SOMENTE A PARTIR DESTA PERÍCIA MÉDICA. SUGIRO 6 MESES DE AFASTAMENTO DO TRABALHO, A PARTIR DESTA PERÍCIA, PARA ADEQUADO TRATAMENTO E RECUPERAÇÃO DA CAPACIDADE FUNCIONAL” (ID 293126397 - Pág. 82/93).
4. No caso vertente, de acordo com o extrato de dossiê previdenciário (ID 293126397 - Pág. 105/106), verifica-se que a parte autora recolheu contribuições ao INSS até 12/2012, como contribuinte individual.
5. Todavia, os depoimentos das testemunhas são ambíguos entre si, não permitindo aferir com clareza o efetivo e regular desempenho de atividade rural pela requerente no período imediatamente anterior à eclosão da incapacidade.
6. Destarte, é de se concluir que, na data do início da incapacidade (2023), de acordo com a estimativa do sr. perito, a parte autora não obteve êxito em comprovar que detinha a qualidade de segurada especial para a obtenção de quaisquer dos benefícios pleiteados.
7. Considerando que a parte autora não comprovou que detinha a qualidade de segurada e nem a carência necessária no momento da eclosão da incapacidade para o trabalho, torna-se despicienda a análise dos demais requisitos, de rigor, portanto, a manutenção da r. sentença.
8. Apelação da parte autora desprovida."
(TRF/3ª Região, AC n. 5001686-53.2024.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Nelson Porfirio, DJEN 19/8/2024)
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, dou provimento à apelação autárquica para julgar improcedente o pedido e revogo a tutela jurídica provisória, consoante Tema Repetitivo n. 692 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Informe-se ao INSS, via sistema, para fins de revogação da tutela antecipatória de urgência concedida.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE RURAL. QUALIDADE DE SEGURADO NÃO COMPROVADA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
- São requisitos para a concessão dos benefícios: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e insuscetível de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por incapacidade permanente) ou a incapacidade temporária (auxílio por incapacidade temporária), bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
- A concessão do benefício por incapacidade laboral para os trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e desta Corte.
- A comprovação do exercício da atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ).
- Não comprovada a qualidade de segurado rural até o advento da incapacidade laboral, por meio de início de prova material corroborada por prova testemunhal, não é possível a concessão do benefício pleiteado.
- Condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85 do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Tutela jurídica provisória revogada.
- Apelação provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
