Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000067-37.2020.4.03.6339
Relator(a)
Juiz Federal LUCIANA MELCHIORI BEZERRA
Órgão Julgador
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
03/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 10/02/2022
Ementa
VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
RECURSO DA PARTE RÉ. DADO PROVIMENTO AO RECURSO.
1. Pedido de concessão de benefício previdenciário por incapacidade.
2. Conforme consignado na sentença:
“(...)
In casu, a análise de todos os requisitos perpassa pelo reconhecimento da existência de
qualidade de segurado no momento da incapacitação laborativa, razão pela qual tais requisitos
serão analisados simultaneamente.
Conforme consta na CTPS juntada aos autos e no extrato do CNIS (evento 002, páginas 11-23 e
evento 008 – págs. 2-3), o último labor devidamente registrado do autor ocorreu no lapso
11.04.2014 a 12.12.2014, como canavicultor, junto à empresa Bioenergia do Brasil S/A.
Percebeu, ainda, administrativamente, auxílio-doença de natureza previdenciária entre
23.06.2014 a 12.12.2014.
Quanto à incapacitação laborativa, segundo a conclusão lançada no laudo médico judicial (evento
021 - grifei): “O quadro relatado pelo requerente condiz com a patologia alegada porque
apresenta quadro de alterações cardíacas relacionadas à doença de Chagas, que se apresenta
como incapacitante para labores com esforços físicos severos. Está incapacitado para labores
que exijam esforços físicos moderados e severos, como por exemplo nas atividades rurais. (...) A
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
patologia alegada é geradora de incapacidade parcial e permanente para o desempenho das
atividades profissionais desempenhadas pelo autor – trabalhador rural.”.
A análise da CTPS do autor e a prova oral colhida em audiência revela que quase toda a vida
laborativa deste se desenvolveu como canavicultor ou trabalhador rural, em labores
reconhecidamente severos, de modo que deve ser reconhecida incapacidade permanente para a
atividade habitual.
A doença veio a se manifestar em 2014, quando o autor já possuía 55 anos (61 anos hoje), e,
sopesadas suas condições pessoais – ensino fundamental incompleto (até o 2° ano), experiência
profissional restrita a única atividade, a qual se encontra total e irreversivelmente impossibilitado
de realizar -, entendo ser inviável reabilitação ou readaptação.
Deste modo, ao meu ver, encontra-se o demandante total e permanentemente inapto para o
desempenho de atividade laborativa.
Pois bem.
A divergência pendente reside na condição de segurado do autor no momento da incapacitação.
O expert do juízo, nos quesitos acerca do início da doença e da incapacidade, respondeu o
seguinte:
a. Data provável do início da(s) doença/lesão/moléstia(s) que acomete(m) o(a) periciado(a).
R:- Relata diagnóstico em 2014.
i. Data provável do início da incapacidade identificada. Justifique.
R:- Não há como atestar incapacidade antes do momento da perícia médica, até porque o
Periciando diz que vinha trabalhando normalmente até então.
Da leitura do laudo, vê-se que a ausência de fixação do início da incapacidade decorreu de
suposta continuidade do labor após o diagnóstico da doença. Todavia, não é isso que se revela a
prova nos autos.
Como já consignado, o último vínculo em CTPS no autor remonta a dezembro de 2014, estendido
até essa data pelo pagamento de auxílio-doença previdenciário (a última remuneração da
empresa ocorreu em junho de 2014). Logo, presente qualidade de segurado, pelo menos, até
12.12.2015.
As testemunhas foram unânimes ao relatar que, desde 2014, o autor nunca mais trabalhou em
virtude de problemas de saúde. Até afirmam que ele buscou novas oportunidades, porém, a
empresa não realizava a admissão em virtude da moléstia identificada. E, de fato, deve-se
reconhecer que desde essa época o autor já possuía incapacitação.
O perito não apontou a origem da informação de que o autor teria permanecido trabalhando a
afastar o reconhecimento da incapacidade desde o diagnóstico da doença. Tal indicação não
consta nem mesmo no histórico inicial do laudo.
Além disso, a própria conclusão do perito foi no sentido de que a motivação da incapacitação
para labores com esforço físico severos é a presença de "alterações cardíacas relacionadas à
doença de chagas", circunstância detectada em exames médicos juntados aos autos como
ecodopplercardiograma datado de 16.01.2015 e cateterismo cardíaco datado de 03.09.2014, o
que tem aptidão para demonstrar que, ainda enquanto segurado do RGPS, sobreveio a
incapacidade laborativa do autor para suas atividades habituais.
Reconheço, portanto, a data do início da incapacidade permanente em 03.09.2014, enquanto o
autor ainda detinha a qualidade de segurado.
Comprovada a presença de todos os requisitos, inclusive a carência de 12 meses (art. 25, inciso I
da Lei 8.213/91), deve ser concedido ao autor auxílio por incapacidade permanente.
Quanto à data de início da benesse, tenho deva corresponder à data do requerimento
administrativo, ou seja, 17.12.2019. A despeito de existir a incapacidade desde a cessação do
benefício anterior (cessado em dezembro de 2014), o autor não comprovou requerimento
administrativo de renovação do benefício em momento anterior.
Tendo em vista a conclusão pela incapacidade permanente, resta prejudicada a fixação de data
de cessação da aposentação ora deferida.
A renda mensal inicial do benefício será calculada administrativamente e observada a regra
anterior à Emenda Constitucional 103/2019, não devendo de ser, por imperativo constitucional
(art. 201, § 2º, da CF), inferior a um salário mínimo.
O fato gerador da aposentadoria por incapacidade permanente é a incapacidade total e
permanente para o labor sem possibilidade de readaptação. Considerando que a incapacidade
fora reconhecida desde o ano de 2014, devem, portanto, serem aplicadas as regras anteriores à
EC 103/19.
(...)
Destarte, ACOLHO O PEDIDO, extinguindo o processo com resolução de mérito (art. 487, I, do
CPC), condenando o INSS a conceder ao autor o benefício previdenciário de auxílio por
incapacidade permanente, desde 17.12.2019, em valor a ser apurado administrativamente, com
base nas regras anteriores à EC 103/2019.
Concedo a tutela de urgência, para determinar à autarquia federal a imediata implantação do
benefício acima concedido. Oficie-se, devendo a ELABDJ comprovar o cumprimento no prazo de
30 dias.
(...)”
3. Recurso do INSS: Alega que, ao reconhecer incapacidade desde 03.09.2014, a sentença
extrapolou os limites da jurisdição, pois entrou em colisão contra coisa julgada formada no
Processo 00017704920158260407, no qual restou assentado não existir incapacidade. Aduz que
a Justiça já se pronunciou, de forma imutável, que não havia incapacidade do autor em 2016.
Sustenta que não poderia a sentença proferida nos presentes autos vir declarar incapacidade
desde 2014 para conceder benefício desde 2019. Alega que a última relação previdenciária do
autor encerrou em 2014 (vínculo laboral até 06/2014 e auxílio-doença até 12/12/2014, portanto,
só se pode falar em qualidade de segurado até 15.02.2016 (contados 12 meses desde a
cessação do benefício previdenciário por incapacidade). Sustenta que a sentença partiu de
premissa inválida (de que haveria incapacidade desde 2014, mas a própria Justiça já definiu que
não havia incapacidade e julgou improcedente o pedido de restabelecimento do auxílio-doença
cessado em 2014), sendo que não poderia a sentença afirmar incapacidade desde 2014 porque
há coisa julgada dizendo que não havia incapacidade desde 2014. Requer a reforma da sentença
para que seja reconhecida existência de coisa julgada e a extinção da relação jurídica entre o
Recorrido e a Previdência Social, extinguir o processo, com cassação da antecipação de tutela ,
declarando a ausência do direito vindicado na inicial.
4. A concessão do benefício pretendido está condicionada ao preenchimento de três requisitos: o
cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei n.º
8.213/91), a qualidade de segurado quando do surgimento da incapacidade e a incapacidade total
e permanente para o desempenho de qualquer atividade laboral no caso de aposentadoria por
invalidez e total e temporária para o desempenho de sua atividade habitual, tratando-se de
auxílio-doença.
5. Laudo pericial médico (30/06/2020): Parte autora (60 anos – trabalhador rural) apresenta
Doença de Chagas, com alterações cardíacas. Consta do laudo: “(...) 1. Em caso afirmativo, essa
doença ou afecção o(a) incapacita para O SEU TRABALHO OU PARA A SUA ATIVIDADE
HABITUAL? R:- Sim, está totalmente incapacitado para atividade rural. (...) 1. Defina se a
incapacidade verificada é: a) total e definitiva; b) total e temporária; c) parcial e definitiva; d)
parcial e temporária. R:- Parcial e permanente. 1. No caso de incapacidade parcial, favor apontar:
8.1- Se restou sequela da lesão ocorrida. Em caso afirmativo, favor identificá-las. R:- Sequelas
cardíacas. 8.2- Se das sequelas identificadas, quais foram às consequências traumáticas e
funcionais dos órgãos e membros atingidos. R:- Alterações cardíacas que impedem o Periciando
para atividades com esforços físicos. 8.3- Se tal sequela causou redução na capacidade
laborativa. Especificar qual o grau. R:- Sim, para labores com esforços físicos moderados e
severos. 8.4- Se a lesão deixou sequelas estéticas e deformidades, quantificando os graus de
perdas das mobilidades. R:- Não. 8.5- Se houve redução de capacidade de um dos membros,
quais são os riscos de sobrecarga desse membro afetado e do outro membro. Especificar
também se há possibilidade de comprometimento de outros membros ou órgãos? Quais? R:- Não
é o caso de lesão ortopédica. 1. Em se tratando de periciando(a) incapacitado(a), favor
determinar a data provável do início da DOENÇA e da INCAPACIDADE. Justificar a resposta. R:-
Relata sintomas desde 2014, mas vem trabalhando normalmente até 2019. 1. O(a) periciando(a),
necessita da assistência permanente de outra pessoa? R:- Não. 1. O(a) periciando(a) está
acometido de: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira,
paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose
anquilosante, nefropatia grave, estado avançado de doença de Paget (osteíte deformante),
síndrome de deficiência imunológica adquirida (AIDS) e ou contaminação por radiação? R:-
Miocardiopatia Chagásica com alterações importantes. (...) a. Data provável do início da(s)
doença/lesão/moléstia(s) que acomete(m) o(a) periciado(a). R:- Relata diagnóstico em 2014. i.
Data provável do início da incapacidade identificada. Justifique. R:- Não há como atestar
incapacidade antes do momento da perícia médica, até porque o Periciando diz que vinha
trabalhando normalmente até então. a. A incapacidade remonta à data de início da(s)
doença/moléstia(s) ou decorre de progressão ou agravamento dessa patologia? Justifique. R:-
Progressão e agravamento. a. É possível afirmar se havia incapacidade entre a data do
indeferimento ou da cessação do benefício administrativo e a data da realização da perícia
judicial? Se positivo, justificar apontando os elementos par esta conclusão. R:- Não há como
atestar incapacidade antes do momento da perícia médica. Caso se conclua pela incapacidade
parcial e permanente, é possível afirmar se o(a) periciado(a) está apto para o exercício de outra
atividade profissional ou para a reabilitação? Qual atividade? R:- Está apto para labores com
esforços físicos leves, mas como já tem idade avançada e pouca instrução, acreditamos não ter
condições de reabilitação profissional. (...)”
6. De acordo com o CNIS anexado aos autos (ID 178407571), o último vínculo empregatício do
autor teve início em 11/04/2014, com última remuneração em 06/2014. Esteve em gozo de
benefício de auxílio-doença no período de 23/06/2014 a 12/12/2014.
7. Outrossim, a parte autora ajuizou anteriormente a ação n. º 0001770-49.2015.8.26.0407,
objetivando a concessão de benefício por incapacidade. A ação foi julgada improcedente, por
ausência de incapacidade laborativa; a parte autora interpôs recurso de apelação, ao qual foi
negado provimento. O acórdão transitou em julgado em 13.06.17 para a parte autora e em
21.06.17 para o INSS. Possível o ajuizamento de outra ação judicial, uma vez que a parte autora
efetuou novo requerimento administrativo, bem como anexou novos documentos médicos. Anote-
se que a circunstância de a perícia realizada no feito anterior ter concluído pela inexistência de
incapacidade laborativa não afastaria, em princípio, o direito ao benefício por incapacidade, ante
as conclusões do perito judicial nesta ação e a natureza das patologias do autor. Contudo, não é
possível considerar a DII em 2014, conforme procedido na sentença, posto que sobre a
inexistência de incapacidade laborativa nessa data operou-se a coisa julgada. Assim, seria
possível reconhecer a DII, tão somente, a partir do dia seguinte ao trânsito em julgado da referida
demanda anterior, ou seja, 22.06.2017. Todavia, na referida data, a parte autora não mais
possuía qualidade de segurada, não fazendo, portanto, jus ao benefício pretendido.
8. No mais, ainda que se considere a data do início da incapacidade na data da perícia, em
30.06.2020, conforme apontado pelo perito médico judicial nestes autos, o autor tampouco teria
qualidade de segurado, posto que, após a cessação do benefício de auxílio-doença, em
12/12/2014, não voltou a verter contribuições ao RGPS.
9. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS para reformar a sentença e
julgar improcedente o pedido formulado na inicial. Revogo, em consequência, a tutela antecipada
anteriormente concedida.
10. Sem honorários, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95, porquanto não há recorrente vencido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000067-37.2020.4.03.6339
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: DOMINGOS FERREIRA LIMA NETO
Advogado do(a) RECORRIDO: CLAUDIO ROBERTO TONOL - SP167063-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000067-37.2020.4.03.6339
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: DOMINGOS FERREIRA LIMA NETO
Advogado do(a) RECORRIDO: CLAUDIO ROBERTO TONOL - SP167063-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Relatório dispensado na forma do artigo 38, "caput", da Lei n. 9.099/95.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000067-37.2020.4.03.6339
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: DOMINGOS FERREIRA LIMA NETO
Advogado do(a) RECORRIDO: CLAUDIO ROBERTO TONOL - SP167063-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Voto-ementa conforme autorizado pelo artigo 46, primeira parte, da Lei n. 9.099/95.
VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
RECURSO DA PARTE RÉ. DADO PROVIMENTO AO RECURSO.
1. Pedido de concessão de benefício previdenciário por incapacidade.
2. Conforme consignado na sentença:
“(...)
In casu, a análise de todos os requisitos perpassa pelo reconhecimento da existência de
qualidade de segurado no momento da incapacitação laborativa, razão pela qual tais requisitos
serão analisados simultaneamente.
Conforme consta na CTPS juntada aos autos e no extrato do CNIS (evento 002, páginas 11-23
e evento 008 – págs. 2-3), o último labor devidamente registrado do autor ocorreu no lapso
11.04.2014 a 12.12.2014, como canavicultor, junto à empresa Bioenergia do Brasil S/A.
Percebeu, ainda, administrativamente, auxílio-doença de natureza previdenciária entre
23.06.2014 a 12.12.2014.
Quanto à incapacitação laborativa, segundo a conclusão lançada no laudo médico judicial
(evento 021 - grifei): “O quadro relatado pelo requerente condiz com a patologia alegada porque
apresenta quadro de alterações cardíacas relacionadas à doença de Chagas, que se apresenta
como incapacitante para labores com esforços físicos severos. Está incapacitado para labores
que exijam esforços físicos moderados e severos, como por exemplo nas atividades rurais. (...)
A patologia alegada é geradora de incapacidade parcial e permanente para o desempenho das
atividades profissionais desempenhadas pelo autor – trabalhador rural.”.
A análise da CTPS do autor e a prova oral colhida em audiência revela que quase toda a vida
laborativa deste se desenvolveu como canavicultor ou trabalhador rural, em labores
reconhecidamente severos, de modo que deve ser reconhecida incapacidade permanente para
a atividade habitual.
A doença veio a se manifestar em 2014, quando o autor já possuía 55 anos (61 anos hoje), e,
sopesadas suas condições pessoais – ensino fundamental incompleto (até o 2° ano),
experiência profissional restrita a única atividade, a qual se encontra total e irreversivelmente
impossibilitado de realizar -, entendo ser inviável reabilitação ou readaptação.
Deste modo, ao meu ver, encontra-se o demandante total e permanentemente inapto para o
desempenho de atividade laborativa.
Pois bem.
A divergência pendente reside na condição de segurado do autor no momento da
incapacitação.
O expert do juízo, nos quesitos acerca do início da doença e da incapacidade, respondeu o
seguinte:
a. Data provável do início da(s) doença/lesão/moléstia(s) que acomete(m) o(a) periciado(a).
R:- Relata diagnóstico em 2014.
i. Data provável do início da incapacidade identificada. Justifique.
R:- Não há como atestar incapacidade antes do momento da perícia médica, até porque o
Periciando diz que vinha trabalhando normalmente até então.
Da leitura do laudo, vê-se que a ausência de fixação do início da incapacidade decorreu de
suposta continuidade do labor após o diagnóstico da doença. Todavia, não é isso que se revela
a prova nos autos.
Como já consignado, o último vínculo em CTPS no autor remonta a dezembro de 2014,
estendido até essa data pelo pagamento de auxílio-doença previdenciário (a última
remuneração da empresa ocorreu em junho de 2014). Logo, presente qualidade de segurado,
pelo menos, até 12.12.2015.
As testemunhas foram unânimes ao relatar que, desde 2014, o autor nunca mais trabalhou em
virtude de problemas de saúde. Até afirmam que ele buscou novas oportunidades, porém, a
empresa não realizava a admissão em virtude da moléstia identificada. E, de fato, deve-se
reconhecer que desde essa época o autor já possuía incapacitação.
O perito não apontou a origem da informação de que o autor teria permanecido trabalhando a
afastar o reconhecimento da incapacidade desde o diagnóstico da doença. Tal indicação não
consta nem mesmo no histórico inicial do laudo.
Além disso, a própria conclusão do perito foi no sentido de que a motivação da incapacitação
para labores com esforço físico severos é a presença de "alterações cardíacas relacionadas à
doença de chagas", circunstância detectada em exames médicos juntados aos autos como
ecodopplercardiograma datado de 16.01.2015 e cateterismo cardíaco datado de 03.09.2014, o
que tem aptidão para demonstrar que, ainda enquanto segurado do RGPS, sobreveio a
incapacidade laborativa do autor para suas atividades habituais.
Reconheço, portanto, a data do início da incapacidade permanente em 03.09.2014, enquanto o
autor ainda detinha a qualidade de segurado.
Comprovada a presença de todos os requisitos, inclusive a carência de 12 meses (art. 25,
inciso I da Lei 8.213/91), deve ser concedido ao autor auxílio por incapacidade permanente.
Quanto à data de início da benesse, tenho deva corresponder à data do requerimento
administrativo, ou seja, 17.12.2019. A despeito de existir a incapacidade desde a cessação do
benefício anterior (cessado em dezembro de 2014), o autor não comprovou requerimento
administrativo de renovação do benefício em momento anterior.
Tendo em vista a conclusão pela incapacidade permanente, resta prejudicada a fixação de data
de cessação da aposentação ora deferida.
A renda mensal inicial do benefício será calculada administrativamente e observada a regra
anterior à Emenda Constitucional 103/2019, não devendo de ser, por imperativo constitucional
(art. 201, § 2º, da CF), inferior a um salário mínimo.
O fato gerador da aposentadoria por incapacidade permanente é a incapacidade total e
permanente para o labor sem possibilidade de readaptação. Considerando que a incapacidade
fora reconhecida desde o ano de 2014, devem, portanto, serem aplicadas as regras anteriores à
EC 103/19.
(...)
Destarte, ACOLHO O PEDIDO, extinguindo o processo com resolução de mérito (art. 487, I, do
CPC), condenando o INSS a conceder ao autor o benefício previdenciário de auxílio por
incapacidade permanente, desde 17.12.2019, em valor a ser apurado administrativamente, com
base nas regras anteriores à EC 103/2019.
Concedo a tutela de urgência, para determinar à autarquia federal a imediata implantação do
benefício acima concedido. Oficie-se, devendo a ELABDJ comprovar o cumprimento no prazo
de 30 dias.
(...)”
3. Recurso do INSS: Alega que, ao reconhecer incapacidade desde 03.09.2014, a sentença
extrapolou os limites da jurisdição, pois entrou em colisão contra coisa julgada formada no
Processo 00017704920158260407, no qual restou assentado não existir incapacidade. Aduz
que a Justiça já se pronunciou, de forma imutável, que não havia incapacidade do autor em
2016. Sustenta que não poderia a sentença proferida nos presentes autos vir declarar
incapacidade desde 2014 para conceder benefício desde 2019. Alega que a última relação
previdenciária do autor encerrou em 2014 (vínculo laboral até 06/2014 e auxílio-doença até
12/12/2014, portanto, só se pode falar em qualidade de segurado até 15.02.2016 (contados 12
meses desde a cessação do benefício previdenciário por incapacidade). Sustenta que a
sentença partiu de premissa inválida (de que haveria incapacidade desde 2014, mas a própria
Justiça já definiu que não havia incapacidade e julgou improcedente o pedido de
restabelecimento do auxílio-doença cessado em 2014), sendo que não poderia a sentença
afirmar incapacidade desde 2014 porque há coisa julgada dizendo que não havia incapacidade
desde 2014. Requer a reforma da sentença para que seja reconhecida existência de coisa
julgada e a extinção da relação jurídica entre o Recorrido e a Previdência Social, extinguir o
processo, com cassação da antecipação de tutela , declarando a ausência do direito vindicado
na inicial.
4. A concessão do benefício pretendido está condicionada ao preenchimento de três requisitos:
o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei n.º
8.213/91), a qualidade de segurado quando do surgimento da incapacidade e a incapacidade
total e permanente para o desempenho de qualquer atividade laboral no caso de aposentadoria
por invalidez e total e temporária para o desempenho de sua atividade habitual, tratando-se de
auxílio-doença.
5. Laudo pericial médico (30/06/2020): Parte autora (60 anos – trabalhador rural) apresenta
Doença de Chagas, com alterações cardíacas. Consta do laudo: “(...) 1. Em caso afirmativo,
essa doença ou afecção o(a) incapacita para O SEU TRABALHO OU PARA A SUA ATIVIDADE
HABITUAL? R:- Sim, está totalmente incapacitado para atividade rural. (...) 1. Defina se a
incapacidade verificada é: a) total e definitiva; b) total e temporária; c) parcial e definitiva; d)
parcial e temporária. R:- Parcial e permanente. 1. No caso de incapacidade parcial, favor
apontar: 8.1- Se restou sequela da lesão ocorrida. Em caso afirmativo, favor identificá-las. R:-
Sequelas cardíacas. 8.2- Se das sequelas identificadas, quais foram às consequências
traumáticas e funcionais dos órgãos e membros atingidos. R:- Alterações cardíacas que
impedem o Periciando para atividades com esforços físicos. 8.3- Se tal sequela causou redução
na capacidade laborativa. Especificar qual o grau. R:- Sim, para labores com esforços físicos
moderados e severos. 8.4- Se a lesão deixou sequelas estéticas e deformidades, quantificando
os graus de perdas das mobilidades. R:- Não. 8.5- Se houve redução de capacidade de um dos
membros, quais são os riscos de sobrecarga desse membro afetado e do outro membro.
Especificar também se há possibilidade de comprometimento de outros membros ou órgãos?
Quais? R:- Não é o caso de lesão ortopédica. 1. Em se tratando de periciando(a)
incapacitado(a), favor determinar a data provável do início da DOENÇA e da INCAPACIDADE.
Justificar a resposta. R:- Relata sintomas desde 2014, mas vem trabalhando normalmente até
2019. 1. O(a) periciando(a), necessita da assistência permanente de outra pessoa? R:- Não. 1.
O(a) periciando(a) está acometido de: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental,
neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de
Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado de doença de
Paget (osteíte deformante), síndrome de deficiência imunológica adquirida (AIDS) e ou
contaminação por radiação? R:- Miocardiopatia Chagásica com alterações importantes. (...) a.
Data provável do início da(s) doença/lesão/moléstia(s) que acomete(m) o(a) periciado(a). R:-
Relata diagnóstico em 2014. i. Data provável do início da incapacidade identificada. Justifique.
R:- Não há como atestar incapacidade antes do momento da perícia médica, até porque o
Periciando diz que vinha trabalhando normalmente até então. a. A incapacidade remonta à data
de início da(s) doença/moléstia(s) ou decorre de progressão ou agravamento dessa patologia?
Justifique. R:- Progressão e agravamento. a. É possível afirmar se havia incapacidade entre a
data do indeferimento ou da cessação do benefício administrativo e a data da realização da
perícia judicial? Se positivo, justificar apontando os elementos par esta conclusão. R:- Não há
como atestar incapacidade antes do momento da perícia médica. Caso se conclua pela
incapacidade parcial e permanente, é possível afirmar se o(a) periciado(a) está apto para o
exercício de outra atividade profissional ou para a reabilitação? Qual atividade? R:- Está apto
para labores com esforços físicos leves, mas como já tem idade avançada e pouca instrução,
acreditamos não ter condições de reabilitação profissional. (...)”
6. De acordo com o CNIS anexado aos autos (ID 178407571), o último vínculo empregatício do
autor teve início em 11/04/2014, com última remuneração em 06/2014. Esteve em gozo de
benefício de auxílio-doença no período de 23/06/2014 a 12/12/2014.
7. Outrossim, a parte autora ajuizou anteriormente a ação n. º 0001770-49.2015.8.26.0407,
objetivando a concessão de benefício por incapacidade. A ação foi julgada improcedente, por
ausência de incapacidade laborativa; a parte autora interpôs recurso de apelação, ao qual foi
negado provimento. O acórdão transitou em julgado em 13.06.17 para a parte autora e em
21.06.17 para o INSS. Possível o ajuizamento de outra ação judicial, uma vez que a parte
autora efetuou novo requerimento administrativo, bem como anexou novos documentos
médicos. Anote-se que a circunstância de a perícia realizada no feito anterior ter concluído pela
inexistência de incapacidade laborativa não afastaria, em princípio, o direito ao benefício por
incapacidade, ante as conclusões do perito judicial nesta ação e a natureza das patologias do
autor. Contudo, não é possível considerar a DII em 2014, conforme procedido na sentença,
posto que sobre a inexistência de incapacidade laborativa nessa data operou-se a coisa
julgada. Assim, seria possível reconhecer a DII, tão somente, a partir do dia seguinte ao trânsito
em julgado da referida demanda anterior, ou seja, 22.06.2017. Todavia, na referida data, a parte
autora não mais possuía qualidade de segurada, não fazendo, portanto, jus ao benefício
pretendido.
8. No mais, ainda que se considere a data do início da incapacidade na data da perícia, em
30.06.2020, conforme apontado pelo perito médico judicial nestes autos, o autor tampouco teria
qualidade de segurado, posto que, após a cessação do benefício de auxílio-doença, em
12/12/2014, não voltou a verter contribuições ao RGPS.
9. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS para reformar a sentença e
julgar improcedente o pedido formulado na inicial. Revogo, em consequência, a tutela
antecipada anteriormente concedida.
10. Sem honorários, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95, porquanto não há recorrente
vencido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Decide a Décima
Primeira Turma Recursal do Juizado Especial Federal Cível da Terceira Região - Seção
Judiciária de São Paulo, por unanimidade, dar provimento ao recurso, sendo que a Juíza
Federal Maíra Felipe Lourenço acompanha o resultado por fundamento diverso, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
