Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0002739-87.2020.4.03.6316
Relator(a)
Juiz Federal LUCIANA MELCHIORI BEZERRA
Órgão Julgador
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
03/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 10/02/2022
Ementa
VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
RECURSOS DA PARTE RÉ E DA PARTE AUTORA. DADO PROVIMENTO AOS RECURSOS.
1. Pedido de concessão/restabelecimento de benefício por incapacidade.
2. Conforme consignado na sentença prolatada em sede de embargos de declaração:
“(...)
Quanto ao mérito, tem razão o embargante, razão pela qual promovo a integração do julgado,
com análise da petição e documentos apresentados nos eventos n. 23 e 24.
De fato, tal qual alegado pelo INSS, a parte autora, valendo-se do mesmo advogado, replicou
nestes autos, ipsis litteris, a ação que tramitou e foi definitivamente julgada sob o n. 1000749-
77.2019.8.26.0246, na 1º Vara do Foro de Ilha Solteira.
Com efeito, em ambas as ações, foi requerido o restabelecimento do auxílio-doença desde a
cessação, em 29/04/2019, ao argumento de que a autora é portadora de: a) QUADRO DE
POLINEUROPATIA SENSITIVO-MOTORA COM PREDOMÍNIO CRURAL E DISTAL,
APRESENTANDO TETRAPARESIA FLÁCIDA, COMPROMETIMENTO DA MARCHA E
MEMBROS SUPERIORES; b) PATOLOGIAS QUE SE ENQUADRAM NOS CIDs 10 F41.1,
N79.0, fazendo uso de diversos medicamentos, conforme relatos de diagnósticos juntados.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Observa-se que os autos n. 1000749-77.2019.8.26.0246foram distribuídos em 15/05/2019 (fl. 1
do evento n. 24), com realização de perícia médica, a qual reconheceu o acometimento de
fibromialgia, depressão, poliartrose e polineuropatia, mas concluiu pela inexistência de
incapacidade laborativa (fls. 32/34 do evento n. 24), respaldando a sentença de improcedência
proferida pelo juízo da 1º Vara do Foro de Ilha Solteira (fls. 35/39 do evento n. 24), que transitou
em julgado para a requerente em 29/01/2020(fl. 40 do evento n. 24).
Nota-se que a presente ação foi ajuizada em 17/11/2020, mediante apresentação dos mesmos
documentos que acompanharam o processo anterior, sem qualquer inovação em argumentos ou
exames. Não obstante, realizada a perícia médica, em 03/03/2021 (evento n. 19), concluiu-se
pela existência de incapacidade parcial e permanente, passível de reabilitação, com estimativa do
início da incapacidade há cerca de dez anos.
De todo modo, diante de todas as informações ora encadeadas, tendo em vista que a perícia
produzida nestes autos atestou a existência das mesmas moléstias reconhecidas nos autos n.
1000749-77.2019.8.26.0246, nos quais não se reconheceu incapacidade, conclui-se pela
impossibilidade da sentença embargada se sobrepor à anterior, em que se operou a coisa
julgada.
Não obstante, até mesmo pela cronicidade das moléstias que acometem a autora, é
perfeitamente factível que tenha apresentado agravamento após a realização da perícia realizada
nos autos n. 1000749-77.2019.8.26.0246, pelo que se justifica o deferimento do benefício nestes
autos, desde a data da realização da perícia, em 03/03/2021, ocasião em que se apurou a
incapacidade atual.
Vale ressaltar que a adequação da DII não prejudica o direito ao benefício, no que toca aos
demais requisitos (qualidade de segurado e carência), uma vez que o INSS reconhece a autora
como sendo segurada especial desde 30/08/2005, conforme se observa da consulta ao CNIS:
Sendo incontroversa a qualidade de segurada especial há longo prazo, não se verifica empecilho
ao deferimento do benefício. Tanto é assim que a autora foi beneficiária de diversos auxílios-
doença nos últimos anos, sem ter vertido qualquer recolhimento previdenciário desde
dezembro/2011.
Independentemente do reconhecimento do direito à concessão do benefício desde a data da
perícia, é o caso de acolher o pedido formulado pelo INSS de condenação da parte autora em
litigância de má-fé(evento n. 23).
Com efeito, nos termos do art. 80, I, do Código de Processo Civil, considera-se litigante de má-fé
aquele que deduz pretensão contra fato incontroverso.
No caso dos autos, ao passo que a parte autora, representada pelo mesmo advogado, replica
ação idêntica, cujo resultado desfavorável transitou em julgado, omitindo tal informação e sem
apresentar documentos aptos a demonstrar a modificação no estado de fato (art. 505, CPC),
sequer novo requerimento administrativo, é evidente que deduziu pretensão contra fato
incontroverso (atingido pela coisa julgada).
Hipóteses como a dos autos não podem ser toleradas pelo Poder Judiciário, uma vez que houve
clara manipulação da competência delegada da Justiça Federal, configurando ato atentatório à
dignidade da Justiça.
É certo que o detentor do conhecimento técnico é o advogado constituído pela parte, sendo o
maior responsável pela conduta reprovada.
Não obstante, a advocacia é função essencial à Justiça, possui guarida constitucional e a
legislação de regência assegura aos advogados certas prerrogativas para o pleno e efetivo
exercício de suas atribuições, entre elas a imunidade judicial (Lei 8.906/94, art. 7º, § 2º).
A proteção aos advogados encontra respaldo também no §6º do art. 77 do CPC:
Art. 77. § 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do
Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade
disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.
Diante disso, inviável a condenação pessoal do advogado à multa por litigância de má-fé, cuja
responsabilização disciplinar fica a cargo da OAB e civil deve ser analisada em processo próprio,
a critério da parte prejudicada.
Diante disso, condeno apenas a parte autora à multa de 1% sobre o valor da causa, nos termos
do art. 81 do Código de Processo Civil.
Embora se trate de parte beneficiária da justiça gratuita, isso não afasta o dever de pagar a multa
ora arbitrada, nos termos do art. 98, §4º, do CPC.
Ante o exposto, conheço dos embargos de declaração opostos e dou-lhes provimento para
integrar a fundamentação e para que no DISPOSITIVO passe a constar:
Diante do exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, com resolução de mérito,
nos termos do art. 487, I, CPC, determinando ao INSS que conceda o benefício de auxílio-
doença, com DIB em 03/03/2021 (data da perícia judicial), DCB na reabilitação, DIP em
01/06/2021(antecipação dos efeitos da tutela).
Determino a deflagração do processo de reabilitação, inclusive com a realização da perícia eletiva
(Tema 177, TNU). Eventual cessação do benefício antes da efetiva reabilitação deverá ser
precedida de fundamentação expressa em processo administrativo, que deverá estar à
disposição do segurado e do Poder Judiciário, sob pena de violação à coisa julgada e ao quanto
disposto no art. 62, Lei 8.213/91.
O INSS deverá pagar após o trânsito em julgado, a título de atrasados, as parcelas
compreendidas entre a DIB e a DIP, corrigidas monetariamente de acordo com o Manual de
Cálculos do Conselho da Justiça Federal vigente ao tempo da liquidação da sentença.
Tendo em vista o preenchimento dos requisitos da probabilidade do direito e perigo de dano,
notadamente pela natureza alimentar dos valores em questão, na forma do art. 300, CPC,
concedo a tutela de urgência, no prazo de 30 (trinta) dias da intimação desta sentença,
independente da interposição de eventual recurso ou reexame necessário, sob pena de multa e
demais cominações legais. Serve a presente sentença como ofício para as comunicações
necessárias.
Sem custas e honorários advocatícios em primeira instância (arts. 54 e 55, Lei 9.099/95).
Condeno, ainda, o INSS, a reembolsar os cofres do TRF-3ª Região, as despesas relativas aos
honorários periciais, na forma do art. 12, §1º, Lei 10.259/2001, e Enunciado 52/FONAJEF.
Defiro a gratuidade da justiça.
Condeno a parte autora à multa de 1% sobre o valor da causa, em razão da litigância de má-fé,
nos termos da fundamentação.
O benefício da justiça gratuita não afasta o dever de pagar a multa ora arbitrada, nos termos do
art. 98, §4º, do CPC.
Oficie-se a OAB/SP, nos termos do art. 77, § 6º, do CPC. (...)”.
3. Recurso do INSS: alega que a autora propôs ação idêntica, requerendo a concessão do
benefício de auxílio-doença ou concessão de aposentadoria, na 1º Vara do Foro de Ilha Solteira,
que tramitou sob o n. 1000749-77.2019.8.26.0246. O pedido é o mesmo em ambos os processos,
restabelecimento do benefício cessado em 29/04/2019. Ambas as ações foram propostas pelo
mesmo advogado. No processo n. 1000749-77.2019.8.26.0246, a parte autora passou por perícia
médica em 22/10/2019, onde foi constatado ausência de incapacidade. Assim, por sentença, já
transitada em julgado, o pedido foi julgado improcedente. Vale ressaltar que o Juízo "a quo"
reconheceu que a parte autora não comprovou agravamento da doença incapacitante, tampouco
apresentou documentos médicos diversos do apresentado no Processo n. 1000749-
77.2019.8.26.0246, tanto que condenou a parte autora nas penas de litigância de má-fé: Nota-se
que a presente ação foi ajuizada em 17/11/2020, mediante apresentação dos mesmos
documentos que acompanharam o processo anterior, sem qualquer inovação em argumentos ou
exames. Em suma, o que deve ser analisado não é a existência ou não de novo requerimento
administrativo após o transito em julgado da r. sentença, mas se houve ou não alteração fática,
com agravamento da doença, após o trânsito em julgado da ação n. 1000749- 77.2019.8.26.0246.
E no caso não houve agravamento da doença, pois a perita do juízo houve por bem assentar que
a data de início da incapacidade da parte autora há 10 anos. Ou seja, início da incapacidade é
anterior a perícia realizada nos autos do processo n. 1000749-77.2019.8.26.0246, onde foi
constatado ausência de incapacidade, demonstrando que não houve agravamento da doença,
após o trânsito em julgado da sentença proferida naqueles autos. Outrossim, a requerente não
apresentou documentos médicos novos em relação a demanda anterior. Logo, não existe
comprovação de agravamento da doença. Impõe-se a extinção deste processo sem resolução do
mérito nos termos do artigo 485, inciso V, do CPC, haja vista que, se o que se pretende afirmar
aqui é que os limites objetivos da demanda correspondem a um quadro fático estabilizado desde
2019, em relação a ele já existe um provimento jurisdicional de mérito, resultante de cognição
exauriente, contrário ao sentido da pretensão esposada pela parte autora. Requer a reforma da
sentença com o julgamento sem resolução do mérito, extinguindo-se o feito com fundamento na
coisa julgada material.
4. Recurso da parte autora: aduz que, demonstrado o agravamento do estado de saúde da
recorrente, comprovando a modificação no estado de fato, resta cabalmente afastada a coisa
julgada, bem como a comprovação de que o fato não é incontroverso, haja vista que o juízo
julgou procedente a ação, a pretensão da recorrente é legitima, não incidindo a litigância de má-
fé. Requer a reforma da sentença, revogando o capítulo que se refere à condenação por litigância
de má fé e seus consectários.
5. A concessão do benefício pretendido está condicionada ao preenchimento de três requisitos: o
cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei n.º
8.213/91), a qualidade de segurado quando do surgimento da incapacidade e a incapacidade total
e permanente para o desempenho de qualquer atividade laboral no caso de aposentadoria por
invalidez e total e temporária para o desempenho de sua atividade habitual, tratando-se de
auxílio-doença.
6. Laudo pericial médico: Parte autora (51 anos – agricultora) apresenta transtorno mental misto
depressão/ ansiedade, enxaqueca, hipertensão arterial, fibromialgia, doenças reumáticas,
osteoartrose, síndrome LER, bursite de ombro, transtorno de tireoide e obesidade. Segundo o
perito, “Doenças diagnosticada incapacitam autora para a função que exercia. Doenças
Osteoarticulares guardam nexo causal com o desempenho de esforços físicos intensos da função
que exercia. Hipertensão Arterial associado a fatores individuais e nutricionais Transtorno de
Tireoide e Obesidade associadas a fatores individuais, endócrinos e nutricionais Doenças
diagnosticadas geram incapacidade laborativa parcial. Uso de analgésicos, antiinflamatórios e
relaxantes musculares, anti-hipertensivos”. Incapacidade parcial e permanente há cerca de 10
anos
7. A parte autora ajuizou anteriormente o processo n. º 1000749-77.2019.8.26.0246, objetivando
o restabelecimento do benefício de auxílio doença e/ou a concessão de aposentadoria por
invalidez, desde a cessação do anterior auxílio doença em 29/04/2019. Naqueles autos foram
anexados exatamente os mesmos documentos médicos apresentados nesta demanda, salvo no
que tange a um único atestado, datado de 2020, que, por si, não comprova agravamento das
condições clínicas apuradas na ação anterior. Sequer foi efetuado novo requerimento
administrativo a justificar a propositura desta nova lide. Anote-se que as patologias constatadas
nestes autos não foram consideradas incapacitantes no feito anterior. Ainda, de acordo com a
perícia realizada no presente feito, não houve agravamento das doenças, tendo a DII sido,
inclusive, fixada “há cerca de 10 anos”. Destarte, assiste razão ao INSS-recorrente, sendo que,
tendo em vista a identidade de partes, causa de pedir e pedido, impõe-se a extinção do presente
feito sem resolução do mérito, com fundamento na coisa julgada.
8. Outrossim, no que se refere à condenação por litigância de má-fé, consigne-se que, de acordo
com o entendimento do STJ, para sua caracterização, faz-se necessário o preenchimento de três
requisitos: a) que a conduta da parte se subsuma a uma das hipóteses taxativamente elencadas
no art. 80 do CPC; b) que à parte tenha sido oferecida oportunidade de defesa (CF. art. 5o, LV); e
c) que sua conduta resulte prejuízo processual à parte adversa (RSTJ 135/187, 146/136). Neste
sentido, não se verifica a caracterização de má-fé da parte autora-recorrente, nestes autos, tão
somente pela interposição de nova demanda. Anote-se que a boa-fé é presumida, sendo que o
direito constitucional de acesso ao Poder Judiciário não pode, por si, caracterizar litigância de má
fé. Ademais, não houve prejuízo processual ao recorrido. Deste modo, ausente prova inequívoca
de dolo da parte autora e, não se vislumbrando que esta tenha interposto a presente ação para
buscar provimento manifestamente ilegal, não há como impor multa à parte autora.
9. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AOS RECURSOS DO INSS E DA PARTE AUTORA para
reformar a sentença e: a) reconhecer a ocorrência de coisa julgada e, em consequência, julgar
extinto o processo sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 485, V, CPC; b) afastar a
condenação da parte autora em litigância de má-fé, excluindo a multa arbitrada na sentença.
Revogo, em consequência, a tutela antecipada anteriormente concedida.
10. Sem honorários, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95, porquanto não há recorrente vencido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002739-87.2020.4.03.6316
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: MARIA DE LOURDES DOS SANTOS LUCON
Advogado do(a) RECORRENTE: CICERO DA SILVA PRADO - SP263830-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002739-87.2020.4.03.6316
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: MARIA DE LOURDES DOS SANTOS LUCON
Advogado do(a) RECORRENTE: CICERO DA SILVA PRADO - SP263830-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Relatório dispensado na forma do artigo 38, "caput", da Lei n. 9.099/95.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002739-87.2020.4.03.6316
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: MARIA DE LOURDES DOS SANTOS LUCON
Advogado do(a) RECORRENTE: CICERO DA SILVA PRADO - SP263830-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Voto-ementa conforme autorizado pelo artigo 46, primeira parte, da Lei n. 9.099/95.
VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
RECURSOS DA PARTE RÉ E DA PARTE AUTORA. DADO PROVIMENTO AOS RECURSOS.
1. Pedido de concessão/restabelecimento de benefício por incapacidade.
2. Conforme consignado na sentença prolatada em sede de embargos de declaração:
“(...)
Quanto ao mérito, tem razão o embargante, razão pela qual promovo a integração do julgado,
com análise da petição e documentos apresentados nos eventos n. 23 e 24.
De fato, tal qual alegado pelo INSS, a parte autora, valendo-se do mesmo advogado, replicou
nestes autos, ipsis litteris, a ação que tramitou e foi definitivamente julgada sob o n. 1000749-
77.2019.8.26.0246, na 1º Vara do Foro de Ilha Solteira.
Com efeito, em ambas as ações, foi requerido o restabelecimento do auxílio-doença desde a
cessação, em 29/04/2019, ao argumento de que a autora é portadora de: a) QUADRO DE
POLINEUROPATIA SENSITIVO-MOTORA COM PREDOMÍNIO CRURAL E DISTAL,
APRESENTANDO TETRAPARESIA FLÁCIDA, COMPROMETIMENTO DA MARCHA E
MEMBROS SUPERIORES; b) PATOLOGIAS QUE SE ENQUADRAM NOS CIDs 10 F41.1,
N79.0, fazendo uso de diversos medicamentos, conforme relatos de diagnósticos juntados.
Observa-se que os autos n. 1000749-77.2019.8.26.0246foram distribuídos em 15/05/2019 (fl. 1
do evento n. 24), com realização de perícia médica, a qual reconheceu o acometimento de
fibromialgia, depressão, poliartrose e polineuropatia, mas concluiu pela inexistência de
incapacidade laborativa (fls. 32/34 do evento n. 24), respaldando a sentença de improcedência
proferida pelo juízo da 1º Vara do Foro de Ilha Solteira (fls. 35/39 do evento n. 24), que transitou
em julgado para a requerente em 29/01/2020(fl. 40 do evento n. 24).
Nota-se que a presente ação foi ajuizada em 17/11/2020, mediante apresentação dos mesmos
documentos que acompanharam o processo anterior, sem qualquer inovação em argumentos
ou exames. Não obstante, realizada a perícia médica, em 03/03/2021 (evento n. 19), concluiu-
se pela existência de incapacidade parcial e permanente, passível de reabilitação, com
estimativa do início da incapacidade há cerca de dez anos.
De todo modo, diante de todas as informações ora encadeadas, tendo em vista que a perícia
produzida nestes autos atestou a existência das mesmas moléstias reconhecidas nos autos n.
1000749-77.2019.8.26.0246, nos quais não se reconheceu incapacidade, conclui-se pela
impossibilidade da sentença embargada se sobrepor à anterior, em que se operou a coisa
julgada.
Não obstante, até mesmo pela cronicidade das moléstias que acometem a autora, é
perfeitamente factível que tenha apresentado agravamento após a realização da perícia
realizada nos autos n. 1000749-77.2019.8.26.0246, pelo que se justifica o deferimento do
benefício nestes autos, desde a data da realização da perícia, em 03/03/2021, ocasião em que
se apurou a incapacidade atual.
Vale ressaltar que a adequação da DII não prejudica o direito ao benefício, no que toca aos
demais requisitos (qualidade de segurado e carência), uma vez que o INSS reconhece a autora
como sendo segurada especial desde 30/08/2005, conforme se observa da consulta ao CNIS:
Sendo incontroversa a qualidade de segurada especial há longo prazo, não se verifica
empecilho ao deferimento do benefício. Tanto é assim que a autora foi beneficiária de diversos
auxílios-doença nos últimos anos, sem ter vertido qualquer recolhimento previdenciário desde
dezembro/2011.
Independentemente do reconhecimento do direito à concessão do benefício desde a data da
perícia, é o caso de acolher o pedido formulado pelo INSS de condenação da parte autora em
litigância de má-fé(evento n. 23).
Com efeito, nos termos do art. 80, I, do Código de Processo Civil, considera-se litigante de má-
fé aquele que deduz pretensão contra fato incontroverso.
No caso dos autos, ao passo que a parte autora, representada pelo mesmo advogado, replica
ação idêntica, cujo resultado desfavorável transitou em julgado, omitindo tal informação e sem
apresentar documentos aptos a demonstrar a modificação no estado de fato (art. 505, CPC),
sequer novo requerimento administrativo, é evidente que deduziu pretensão contra fato
incontroverso (atingido pela coisa julgada).
Hipóteses como a dos autos não podem ser toleradas pelo Poder Judiciário, uma vez que
houve clara manipulação da competência delegada da Justiça Federal, configurando ato
atentatório à dignidade da Justiça.
É certo que o detentor do conhecimento técnico é o advogado constituído pela parte, sendo o
maior responsável pela conduta reprovada.
Não obstante, a advocacia é função essencial à Justiça, possui guarida constitucional e a
legislação de regência assegura aos advogados certas prerrogativas para o pleno e efetivo
exercício de suas atribuições, entre elas a imunidade judicial (Lei 8.906/94, art. 7º, § 2º).
A proteção aos advogados encontra respaldo também no §6º do art. 77 do CPC:
Art. 77. § 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do
Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade
disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.
Diante disso, inviável a condenação pessoal do advogado à multa por litigância de má-fé, cuja
responsabilização disciplinar fica a cargo da OAB e civil deve ser analisada em processo
próprio, a critério da parte prejudicada.
Diante disso, condeno apenas a parte autora à multa de 1% sobre o valor da causa, nos termos
do art. 81 do Código de Processo Civil.
Embora se trate de parte beneficiária da justiça gratuita, isso não afasta o dever de pagar a
multa ora arbitrada, nos termos do art. 98, §4º, do CPC.
Ante o exposto, conheço dos embargos de declaração opostos e dou-lhes provimento para
integrar a fundamentação e para que no DISPOSITIVO passe a constar:
Diante do exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, com resolução de mérito,
nos termos do art. 487, I, CPC, determinando ao INSS que conceda o benefício de auxílio-
doença, com DIB em 03/03/2021 (data da perícia judicial), DCB na reabilitação, DIP em
01/06/2021(antecipação dos efeitos da tutela).
Determino a deflagração do processo de reabilitação, inclusive com a realização da perícia
eletiva (Tema 177, TNU). Eventual cessação do benefício antes da efetiva reabilitação deverá
ser precedida de fundamentação expressa em processo administrativo, que deverá estar à
disposição do segurado e do Poder Judiciário, sob pena de violação à coisa julgada e ao quanto
disposto no art. 62, Lei 8.213/91.
O INSS deverá pagar após o trânsito em julgado, a título de atrasados, as parcelas
compreendidas entre a DIB e a DIP, corrigidas monetariamente de acordo com o Manual de
Cálculos do Conselho da Justiça Federal vigente ao tempo da liquidação da sentença.
Tendo em vista o preenchimento dos requisitos da probabilidade do direito e perigo de dano,
notadamente pela natureza alimentar dos valores em questão, na forma do art. 300, CPC,
concedo a tutela de urgência, no prazo de 30 (trinta) dias da intimação desta sentença,
independente da interposição de eventual recurso ou reexame necessário, sob pena de multa e
demais cominações legais. Serve a presente sentença como ofício para as comunicações
necessárias.
Sem custas e honorários advocatícios em primeira instância (arts. 54 e 55, Lei 9.099/95).
Condeno, ainda, o INSS, a reembolsar os cofres do TRF-3ª Região, as despesas relativas aos
honorários periciais, na forma do art. 12, §1º, Lei 10.259/2001, e Enunciado 52/FONAJEF.
Defiro a gratuidade da justiça.
Condeno a parte autora à multa de 1% sobre o valor da causa, em razão da litigância de má-fé,
nos termos da fundamentação.
O benefício da justiça gratuita não afasta o dever de pagar a multa ora arbitrada, nos termos do
art. 98, §4º, do CPC.
Oficie-se a OAB/SP, nos termos do art. 77, § 6º, do CPC. (...)”.
3. Recurso do INSS: alega que a autora propôs ação idêntica, requerendo a concessão do
benefício de auxílio-doença ou concessão de aposentadoria, na 1º Vara do Foro de Ilha
Solteira, que tramitou sob o n. 1000749-77.2019.8.26.0246. O pedido é o mesmo em ambos os
processos, restabelecimento do benefício cessado em 29/04/2019. Ambas as ações foram
propostas pelo mesmo advogado. No processo n. 1000749-77.2019.8.26.0246, a parte autora
passou por perícia médica em 22/10/2019, onde foi constatado ausência de incapacidade.
Assim, por sentença, já transitada em julgado, o pedido foi julgado improcedente. Vale ressaltar
que o Juízo "a quo" reconheceu que a parte autora não comprovou agravamento da doença
incapacitante, tampouco apresentou documentos médicos diversos do apresentado no
Processo n. 1000749-77.2019.8.26.0246, tanto que condenou a parte autora nas penas de
litigância de má-fé: Nota-se que a presente ação foi ajuizada em 17/11/2020, mediante
apresentação dos mesmos documentos que acompanharam o processo anterior, sem qualquer
inovação em argumentos ou exames. Em suma, o que deve ser analisado não é a existência ou
não de novo requerimento administrativo após o transito em julgado da r. sentença, mas se
houve ou não alteração fática, com agravamento da doença, após o trânsito em julgado da ação
n. 1000749- 77.2019.8.26.0246. E no caso não houve agravamento da doença, pois a perita do
juízo houve por bem assentar que a data de início da incapacidade da parte autora há 10 anos.
Ou seja, início da incapacidade é anterior a perícia realizada nos autos do processo n.
1000749-77.2019.8.26.0246, onde foi constatado ausência de incapacidade, demonstrando que
não houve agravamento da doença, após o trânsito em julgado da sentença proferida naqueles
autos. Outrossim, a requerente não apresentou documentos médicos novos em relação a
demanda anterior. Logo, não existe comprovação de agravamento da doença. Impõe-se a
extinção deste processo sem resolução do mérito nos termos do artigo 485, inciso V, do CPC,
haja vista que, se o que se pretende afirmar aqui é que os limites objetivos da demanda
correspondem a um quadro fático estabilizado desde 2019, em relação a ele já existe um
provimento jurisdicional de mérito, resultante de cognição exauriente, contrário ao sentido da
pretensão esposada pela parte autora. Requer a reforma da sentença com o julgamento sem
resolução do mérito, extinguindo-se o feito com fundamento na coisa julgada material.
4. Recurso da parte autora: aduz que, demonstrado o agravamento do estado de saúde da
recorrente, comprovando a modificação no estado de fato, resta cabalmente afastada a coisa
julgada, bem como a comprovação de que o fato não é incontroverso, haja vista que o juízo
julgou procedente a ação, a pretensão da recorrente é legitima, não incidindo a litigância de má-
fé. Requer a reforma da sentença, revogando o capítulo que se refere à condenação por
litigância de má fé e seus consectários.
5. A concessão do benefício pretendido está condicionada ao preenchimento de três requisitos:
o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei n.º
8.213/91), a qualidade de segurado quando do surgimento da incapacidade e a incapacidade
total e permanente para o desempenho de qualquer atividade laboral no caso de aposentadoria
por invalidez e total e temporária para o desempenho de sua atividade habitual, tratando-se de
auxílio-doença.
6. Laudo pericial médico: Parte autora (51 anos – agricultora) apresenta transtorno mental misto
depressão/ ansiedade, enxaqueca, hipertensão arterial, fibromialgia, doenças reumáticas,
osteoartrose, síndrome LER, bursite de ombro, transtorno de tireoide e obesidade. Segundo o
perito, “Doenças diagnosticada incapacitam autora para a função que exercia. Doenças
Osteoarticulares guardam nexo causal com o desempenho de esforços físicos intensos da
função que exercia. Hipertensão Arterial associado a fatores individuais e nutricionais
Transtorno de Tireoide e Obesidade associadas a fatores individuais, endócrinos e nutricionais
Doenças diagnosticadas geram incapacidade laborativa parcial. Uso de analgésicos,
antiinflamatórios e relaxantes musculares, anti-hipertensivos”. Incapacidade parcial e
permanente há cerca de 10 anos
7. A parte autora ajuizou anteriormente o processo n. º 1000749-77.2019.8.26.0246,
objetivando o restabelecimento do benefício de auxílio doença e/ou a concessão de
aposentadoria por invalidez, desde a cessação do anterior auxílio doença em 29/04/2019.
Naqueles autos foram anexados exatamente os mesmos documentos médicos apresentados
nesta demanda, salvo no que tange a um único atestado, datado de 2020, que, por si, não
comprova agravamento das condições clínicas apuradas na ação anterior. Sequer foi efetuado
novo requerimento administrativo a justificar a propositura desta nova lide. Anote-se que as
patologias constatadas nestes autos não foram consideradas incapacitantes no feito anterior.
Ainda, de acordo com a perícia realizada no presente feito, não houve agravamento das
doenças, tendo a DII sido, inclusive, fixada “há cerca de 10 anos”. Destarte, assiste razão ao
INSS-recorrente, sendo que, tendo em vista a identidade de partes, causa de pedir e pedido,
impõe-se a extinção do presente feito sem resolução do mérito, com fundamento na coisa
julgada.
8. Outrossim, no que se refere à condenação por litigância de má-fé, consigne-se que, de
acordo com o entendimento do STJ, para sua caracterização, faz-se necessário o
preenchimento de três requisitos: a) que a conduta da parte se subsuma a uma das hipóteses
taxativamente elencadas no art. 80 do CPC; b) que à parte tenha sido oferecida oportunidade
de defesa (CF. art. 5o, LV); e c) que sua conduta resulte prejuízo processual à parte adversa
(RSTJ 135/187, 146/136). Neste sentido, não se verifica a caracterização de má-fé da parte
autora-recorrente, nestes autos, tão somente pela interposição de nova demanda. Anote-se que
a boa-fé é presumida, sendo que o direito constitucional de acesso ao Poder Judiciário não
pode, por si, caracterizar litigância de má fé. Ademais, não houve prejuízo processual ao
recorrido. Deste modo, ausente prova inequívoca de dolo da parte autora e, não se
vislumbrando que esta tenha interposto a presente ação para buscar provimento
manifestamente ilegal, não há como impor multa à parte autora.
9. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AOS RECURSOS DO INSS E DA PARTE AUTORA
para reformar a sentença e: a) reconhecer a ocorrência de coisa julgada e, em consequência,
julgar extinto o processo sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 485, V, CPC; b)
afastar a condenação da parte autora em litigância de má-fé, excluindo a multa arbitrada na
sentença. Revogo, em consequência, a tutela antecipada anteriormente concedida.
10. Sem honorários, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95, porquanto não há recorrente
vencido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Decide a Décima
Primeira Turma Recursal do Juizado Especial Federal Cível da Terceira Região - Seção
Judiciária de São Paulo, por unanimidade, dar provimento aos recursos do INSS e da parte
autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
