Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000417-24.2020.4.03.6307
Relator(a)
Juiz Federal FLAVIA PELLEGRINO SOARES
Órgão Julgador
4ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
12/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 18/11/2021
Ementa
E M E N T A
BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE – SENTENÇA PROCEDENTE - PREEXISTÊNCIA – DÁ
PROVIMENTO AO INSS – INGRESSOU NO SISTEMA COM 67 ANOS DE IDADE E JÁ
PORTADORA DA DOENÇA DEGENERATIVA - CASSA TUTELA
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
4ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000417-24.2020.4.03.6307
RELATOR:11º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: JAIME DORACIOTTO FRANCISCO
Advogado do(a) RECORRIDO: MARCUS VINICIUS MARINO DE ALMEIDA BARROS -
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
SP313345-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000417-24.2020.4.03.6307
RELATOR:11º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: JAIME DORACIOTTO FRANCISCO
Advogado do(a) RECORRIDO: MARCUS VINICIUS MARINO DE ALMEIDA BARROS -
SP313345-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de ação em que se pleiteia a concessão do benefício previdenciário de auxílio doença
e/ou de aposentadoria por invalidez.
Sobreveio sentença que julgou procedente o pedido formulado na inicial, condenando o INSS a
conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por invalidez desde 20/09/2019.
Recorre o INSS alegando, em síntese, que há preexistência da incapacidade.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000417-24.2020.4.03.6307
RELATOR:11º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: JAIME DORACIOTTO FRANCISCO
Advogado do(a) RECORRIDO: MARCUS VINICIUS MARINO DE ALMEIDA BARROS -
SP313345-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Assiste razão ao INSS.
Os benefícios pretendidos pela parte autora exigem o preenchimento de três requisitos: a
qualidade de segurado quando do início da incapacidade, o cumprimento do período de
carência (dispensável em algumas situações) e a incapacidade total e temporária (auxílio-
doença) ou permanente (aposentadoria por invalidez) para o desempenho de atividade laboral.
Para fins de auxílio doença, considera-se atividade habitual aquela na qual o interessado está
qualificado, sem necessidade de qualquer habilitação adicional. Ou seja, se sempre exerceu
atividades braçais e está com problemas físicos, o fato de não estar incapacitado para exercer
atividades mentais não é obstáculo à concessão do auxílio-doença, na medida em que este tipo
de atividade não é sua atividade habitual, e para tanto necessitaria de qualificação que não tem
no momento. Por isso, o artigo 59 diz atividade habitual, e não simplesmente atividade.
Por sua vez, para a concessão da aposentadoria por invalidez é necessário que a parte autora
seja acometida por doença ou lesão que a incapacite total e permanentemente para o exercício
de atividade que lhe garanta a sua subsistência, comprove sua qualidade de segurado pelo
Regime Geral de Previdência Social, bem como o período de carência em regra de 12 (doze)
contribuições. Assim como o auxílio-doença, no benefício de aposentadoria por invalidez a
incapacidade não pode resultar de doença ou lesão preexistente à sua filiação ao Regime Geral
de Previdência Social, exceto se a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou
agravamento dessa doença ou lesão.
A qualidade de segurado é adquirida através do exercício de atividade econômica remunerada,
que implica no recolhimento da contribuição, ou mediante a inscrição e o recolhimento da
primeira contribuição, mantendo-se tal condição enquanto forem vertidas ao Regime Geral de
Previdência Social as respectivas contribuições previdenciárias.
A ausência de recolhimento das contribuições não significa a perda de qualidade de segurado,
permanecendo o vínculo e o direito à concessão de benefícios ao segurado por determinado
período, dependendo da situação que se enquadre o segurado nos termos do art. 15 da Lei nº
8.213/91.
A carência é o número de contribuições que são exigidas pela legislação para a concessão de
determinado benefício. Com a perda da qualidade de segurado, o art. 24, parágrafo único, da
Lei nº 8.212/91, dispõe acerca da possibilidade de aproveitamento das contribuições anteriores
à perda de qualidade de segurado, desde que após a nova filiação ao Regime de Previdência
Social, o segurado contribua com um terço do número de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência definido para o benefício pretendido.
Há que se destacar que as contribuições recolhidas com atraso além de não servirem para fins
de cumprimento de carência, nos termos previstos no art. 27, II da Lei 8.213/91, igualmente não
são suficientes a afastar a declaração de preexistência da incapacidade, não permitindo o
deferimento da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença, uma vez que os artigos 42, §
2º, e 59, parágrafo único, vedam a concessão de tais benefícios se a incapacidade resultar de
doença ou lesão preexistente à sua filiação ao Regime Geral de Previdência Social.
A parte autora foi submetida à perícia médica com clínico geral, que fez as seguintes
considerações: “Autor apresenta alteração de acuidade visual importante, limitando realizar
qualquer atividade laboral, assim como atividades habituais, necessitando de ajuda de sua
esposa por tempo integral. Apresenta ainda patologia vascular, o que o impede de realizar
atividades que exijam esforço físico intenso. Não apresenta previsão de alta/cura. 29.08.2019:
relata que realizou duas cirurgias oftalmológicas: catarata: 31.07.2019 e 28.08.2019.
Oftalmologista relata diagnóstico de maculopatia em ambos os olhos devido a degeneração
macular relacionada a idade, tipo exsudativa extensa em olho direito e inicial em olho esquerdo.
Necessita de quimioterapia antiangiogênica intra ocular em ambos os olhos pois existe risco de
piora da acuidade visual – 3 aplicações mensais, iniciando em olho direito. 19.09.2019: oftalmo
relata acompanhamento devido à baixa súbita de acuidade visual em ambos os olhos há
aproximadamente 5 anos. Realizou vários exames com diagnóstico de doença retiniana com
degeneração macular relacionada com a idade, com acuidade visual com melhor correção
menor 20/400. Irreversível. Realizado tratamento adequado. E na mesma data laudo do
cardiologista que relata diagnóstico de cardiopatia esquerda, com revascularização em 2014.
20.09.2019: laudo de vascular que relata seguimento desde 2015, realizou endorterectomia da
artéria carótida interna esquerda dia 15.02.2019. Portador de aterosclerose obliterante periférica
e aneurisma de aorta abdominal infra-renal. Sem condições para executar atividades laborais.”
Conclui que: “O autor apresenta diagnóstico de degeneração macular de olho direito e esquerdo
com alteração de acuidade visual importante, além de patologias cardíacas e vasculares
associadas. Autor apresenta 70 anos, encontra-se em tratamento e seguimento com
especialista e impossibilidade de cura de lesão ocular. Salvo melhor juízo, a conclusão é que o
autor apresenta incapacidade total e permanente, constatada nesta avaliação pericial.” Quanto
à data de início da doença, respondeu que “Diagnóstico de patologia visual há cerca de 6 anos.”
e quanto à data de início da incapacidade, respondeu que: “De acordo com autor, piora após
cirurgias de catarata. Em julho de 2019.”
Constatada a incapacidade, passo a análise dos demais requisitos:
A filiação ao Regime Geral da Previdência Social – RGPS é que confere ao
indivíduo/contribuinte a condição de segurado da Previdência Social, e se dá com a
manutenção de vínculo empregatício formal, consubstanciado no exercício de atividade
profissional remunerada na condição de empregado, ou mediante o recolhimento de
contribuições previdenciárias, nos casos dos contribuintes individuais, facultativos e
empresários.
Entende-se por filiação, para que não pairem dúvidas, não somente o ingresso inaugural ao
Regime Geral de Previdência Social, mas todo e qualquer reingresso ao sistema (oriundo de
novo vínculo empregatício formal ou recolhimento de contribuições previdenciárias) que
suceder eventual perda da qualidade de segurado.
Extrai-se da Lei n.º 8.213/91, ainda, conforme disposto em seus artigos 42, § 2º e 59, parágrafo
único, que não será devido aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença ao segurado que se
filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como
causa para o benefício, ressalvada a hipótese em que a incapacidade sobrevier por motivo de
progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
A progressão ou agravamento de uma doença, no entanto, são fatos que requerem
demonstração material da sua ocorrência, não dispensam a produção probatória e não
permitem o seu acolhimento a partir de meras presunções.
Dessa forma, para que fique configurado o alegado direito ao benefício pleiteado na petição
inicial, não basta a existência de incapacidade para o trabalho, sendo fundamental, ainda, que a
origem do evento incapacitante não seja preexistente à filiação (ingresso ou reingresso) ao
Regime Geral de Previdência Social, e que na DII (data de início da incapacidade) a parte
autora detivesse a qualidade de segurado(a) da Previdência Social.
No caso em tela, o conjunto probatório constituído nos autos não deixa dúvidas de que a parte
autora não detinha a qualidade de segurado da Previdência Social quando da origem do evento
incapacitante. Trata-se, inequivocamente, de incapacidade preexistente à filiação ao Regime
Geral de Previdência Social.
Conforme CNIS anexado aos autos (documento 191.738.054), verifica-se que a parte autora,
nascida em 14/06/1950, ingressou no sistema quando contava com 66 anos de idade,
possuindo recolhimentos nos períodos de 01/03/2017 a 26/02/2021 (ainda consta no referido
CNIS que há indicadores de pendências nos recolhimentos efetuados). Formulou pedido de
concessão do benefício já em 05/09/2019. Todavia, não obstante o jurisperito tenha fixado a
data de início da incapacidade em julho de 2019, mencionando que referida data foi fixada
porque “De acordo com autor, piora após cirurgias de catarata”, considerando os termos do
próprio relatório médico emitido pelo oftalmologista do autor no sentido de que o autor se
encontrava em tratamento há aproximadamente cinco anos (ou seja, desde o ano de 2014),
devido à baixa súbita de acuidade visual em ambos os olhos, oportunidade em que foram
realizados vários exames com diagnóstico de doença retiniana com degeneração macular
relacionada com a idade, e apresentando acuidade visual com melhor correção 20/400,
irreversível, e tendo em vista o ingresso do autor no sistema três anos após o referido
diagnóstico, e em momento em que já contava com 66 anos de idade, conclui-se que sua
doença e incapacidade são preexistentes ao ingresso no sistema, não havendo, dessa forma,
que se falar na concessão do benefício de incapacidade à parte autora.
Assim, tendo em vista que o jurisperito fixou a data de início da incapacidade com base no
relato do próprio autor, e verificada a constatação de incapacidade laborativa advinda de
doenças oftalmológicas de cunho degenerativo e irreversível em momento muito anterior ao
início do ingresso do autor ao sistema, não é mesmo devida a concessão do benefício a ele, em
razão da preexistência da incapacidade laborativa.
A corroborar:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. Artigo 557, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. FALTA DE QUALIDADE DE SEGURADO.
1 – O laudo pericial (fls. 88/89) afirma que o autor é portador de diabetes mellitus em fase
avançada desde 2004, com repercussão na visão, com deslocamento da retina e com perda de
100% da visão do olho esquerdo e 60% do olho direito, além de ter sofrido infarto agudo do
miocárdio no ano de 2000, tendo instalado pontes de safena. Conclui, assim, que sua
incapacidade é total e permanente para o exercício das atividades laborativas.
2 – Ao reingressar no regime Geral de Previdência Social em junho de 2004, vertendo
contribuições na condição de contribuinte individual, o autor já era portador da incapacidade
para o labor, tratando-se, portanto, de doença preexistente ao seu ingresso previdenciário e
consequente preexistência da incapacidade laborativa.
3 – Não basta a prova de ter contribuído em determinada época ao RGPS, há que se
demonstrar a não existência da incapacidade laborativa, quando se filiou ou retornou à
Previdência Social.
4 – Agravo a que se nega provimento.
Origem: TRF3 -TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA TERCEIRA REGIÃO; Classe: AC –
APELAÇÃO CÍVEL - 1897683; Processo: 0031011-47.2013.4.03.9999; Órgão Julgador:
SÉTIMA TURMA; Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS; Data do
Julgamento: 26/05/2014; Data da Publicação: 04/06/2014 – e-DJF3 Judicial 1. (grifo nosso)
O sistema previdenciário pressupõe mutualidade, com o recolhimento de contribuições pelo
tempo mínimo da carência exigida para cada benefício, previamente aos riscos sociais dos
quais o seguro social protege seus segurados.
Se, entretanto, fosse admitido o pagamento de contribuições posteriores à contingência social
contra qual visa a lei assegurar o trabalhador, como uma doença incapacitante, não haveria
mais Previdência, porque o trabalhador passaria a verter contribuições apenas se, e quando,
necessitasse do benefício, “fraudando” a concepção securitária do sistema.
É exatamente o que se verifica no caso concreto, onde é evidente que a parte autora ingressou
ao RGPS quando já estava acometida das patologias incapacitantes (que tiveram início quando
não detinha a condição de segurado obrigatório), em verdadeira tentativa de burlar o caráter
mutualista do sistema previdenciário brasileiro, com o claro propósito de obter indevidamente
benefício previdenciário contra o qual não estava segurado.
Não se ignora a incapacidade da autora para o trabalho, conforme constatado pela perícia
médica, porém diante do não preenchimento de requisitos objetivos legais para a concessão de
benefício no âmbito da Previdência Social não há que se falar na concessão de benefício por
incapacidade, que, nunca é demais destacar, não tem caráter assistencialista.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTOao recurso do INSS, para reformar integralmente a
sentença, e JULGAR IMPROCEDENTE o pedido. Prejudicado, portanto, o recurso interposto
pela parte autora.
Revogo a antecipação dos efeitos da tutela concedida nestes autos.
Oficie-se ao INSS para que proceda a imediata cessação do benefício previdenciário por
incapacidade concedido à parte autora por força de decisão antecipatória de tutela proferida
nestes autos.
Sem condenação em custas e honorários, face o disposto no artigo 55, da Lei n.º 9.099/1995.
Dispensada a ementa por interpretação extensiva do artigo 46 da lei n.º 9.099/95, segunda
parte.
É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE – SENTENÇA PROCEDENTE - PREEXISTÊNCIA – DÁ
PROVIMENTO AO INSS – INGRESSOU NO SISTEMA COM 67 ANOS DE IDADE E JÁ
PORTADORA DA DOENÇA DEGENERATIVA - CASSA TUTELA ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
