
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0027397-92.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: VALDECI BRAMBILLA
Advogado do(a) APELANTE: DIRCEU MIRANDA JUNIOR - SP206229-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0027397-92.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: VALDECI BRAMBILLA
Advogado do(a) APELANTE: DIRCEU MIRANDA JUNIOR - SP206229-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de ação que tem por objeto pedido de concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença, a partir do requerimento administrativo (17/07/2014).
O feito foi sentenciado. Julgou-se improcedente o pedido de concessão do benefício, em razão da não comprovação de incapacidade laborativa.
O autor interpôs de recurso de apelação. Preliminarmente, averbou de insuficiente o laudo produzido, ante a necessidade de realização de nova perícia médica por especialista em cardiologia; também sustenta indispensável a produção de prova oral para aferição da sua condição de segurado. Superada a nulidade da sentença, pugna pela reforma do julgado, com a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, destacando a gravidade das patologias que o acometem, os documentos médicos coligidos, sua ocupação (lavrador), idade e baixo grau de instrução.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
Decisão colegiada de segundo grau converteu o julgamento em diligência, determinando o retorno dos autos à origem para complementação do laudo pericial, ficando diferida a apreciação do recurso.
Baixados os autos e realizada a perícia determinada, as partes se manifestaram.
A parte autora peticionou indigitando a precariedade do novo laudo produzido, porquanto não analisou a existência de incapacidade laborativa com relação aos males cardíacos, tal como determinado pela decisão colegiada.
Os autos retornaram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0027397-92.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: VALDECI BRAMBILLA
Advogado do(a) APELANTE: DIRCEU MIRANDA JUNIOR - SP206229-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Por preencher os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.
De saída, aprecio a questão preliminar ventilada no apelo.
Queixa-se o autor da insuficiência da perícia realizada, incompleta – ao que alega – por não ter analisado as patologias indicadas na inicial e nos atestados médicos.
O autor afirma-se portador de espondilose lombar, escoliose destroconvexa, lordose lombar acentuada, abaulamento de discos intervertebrais, hipertensão arterial e cardiomegalia (ID 183095474 – Págs. 6, 46 e 49).
Para aquilatar incapacidade, determinou-se a produção de prova pericial (ID 183095474 – Págs. 111/119).
O senhor Perito nomeado atestou padecer o autor de alterações degenerativas leves na coluna vertebral, as quais não lhe acarretavam incapacidade laborativa (ID 183095474 – Pág. 117).
O autor impugnou a perícia realizada, afirmando-a insuficiente e pugnando pela produção de nova perícia por especialista. Defendeu não ter sido analisada a incapacidade laborativa sob a ótica da cardiologia, em que pese o atestado médico acostado aos autos indicar hipertensão arterial e cardiomegalia (ID 183095474 – Pág. 49 e ID 183095474 – Págs. 143/175).
Intimado a apresentar laudo complementar, o senhor Louvado informou ter realizado o exame físico no autor e analisado os exames anexados, sem maiores explicações (ID 183095474 – Págs. 190/191). Acrescentou que “não consta história de infarto, o Periciando disse que não apresentou infarto do miocárdio” (ID 183095474 – Pág. 191).
A sentença julgou improcedente o pedido, diante da não constatação da incapacidade laborativa (ID 183095474 - Pág. 234-236).
Com a interposição do recurso e a consequente subida dos autos a esta Corte, decisão colegiada de segundo grau converteu o julgamento em diligência, determinando o retorno dos autos à origem para complementação do laudo pericial, ficando diferida a apreciação do recurso. Assim se decidiu: “In casu, a ação foi ajuizada em 09/03/2015 (fl. 02) visando à concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença. Na inicial, o demandante relatou ser portador de ‘espondilose lombar, escoliose dextro convexa, acentuação da lordose lombar, abaulamento dos discos intervertebrais, hipertensão arterial e cardiomegalia’. Realizada perícia em 10/05/2016, o laudo médico considerou o autor, nascido em 10/02/1963, trabalhador rural e que estudou até a oitava série do ensino fundamental, capacitado para o trabalho (fls. 106/114). Observa-se que o perito judicial, em resposta aos quesitos formulados, respondeu que o requerente é portador de ‘alterações degenerativas leves, não incapacitantes, na coluna lombo-sacra, concluindo, no entanto, pela ausência de incapacidade laborativa. Nota-se que o ‘expert’, no tópico ‘breve histórico da patologia alegada pelo autor, exame clínico e físico’, no subitem ‘consta dos autos’, mencionou o documento médico de fl. 47, datado de 06/01/2015, em que atestado ser o periciando portador de ‘hipertensão arterial e cardiomegalia’. Contudo, restringiu-se ao exame físico do autor e concluiu pela ausência de incapacidade laboral, sem tecer quaisquer considerações acerca das referidas moléstias. Inconformado, o requerente postulou a complementação da perícia (fls. 130/162), sobrevindo respostas, numa delas alegando que a não avaliação cardíaca teve por base a falta de documentos (fls. 174/175). Dessa forma, verifica-se que o laudo pericial se revela lacônico e pouco elucidativo. Sobretudo, está em conflito com as moléstias apontadas nos documentos médicos que instruem o feito, sequer abordando a ‘hipertensão arterial e cardiomegalia’. Assim, entende-se que o laudo médico não reflete o real estado de saúde da parte autora, vez que há, nos autos, documentos médicos bastante contraditórios à sua conclusão” (ID 183073471 – Págs. 64/65).
Baixados os autos, foi realizada a nova perícia determinada (ID 183073471 – Págs. 93/104).
Atestou o perito padecer o autor de transtornos dos discos lombares (CID M51), hipertensão arterial (CID I10), diabetes mellitus (CID E10), artrose (CID M19.9), escoliose (CID M41), transtornos dos discos cervicais (CID M50) e estenose da coluna vertebral (CID M48.0). Confirmou-se incapacidade total e temporária do autor desde abril de 2019, “quando exame atualizado da coluna lombo-sacra indica persistência das doenças, capazes de incapacitá-lo” (ID 183073471 – Pág. 98). Estimou 8 (oito) meses de afastamento para avaliação de melhora do quadro (ID 183073471 – Pág. 99).
O digno Experto relatou haver constatado, como comorbidades, a existência de hipertensão arterial sistêmica e de diabetes mellitus controlada com medicamentos.
Ao exame físico, atestou “bulhas normorrítmicas, normofonéticas, em dois tempos sem sopro. Ausência de estase jugular” (ID 183073471 – Págs. 94 e 96).
Ainda que tenha informado na perícia que “foram analisados todos os exames e atestados anexados ao processo”, não teceu nenhuma consideração acerca dos efeitos na capacidade de trabalho do segurado que a hipertensão arterial (constatada) e da cardiomegalia (não confirmada à falta de documentação médica) acarretavam. Sequer a medição da pressão arterial foi realizada (ID 183073471 – Págs. 93/104).
Em resposta aos questionamentos apresentados pelo autor, o perito afirmou que “Não foram apresentados exames complementares que indiquem patologia cardíaca, sendo a mesma somente indicada por atestado médico datado de 01/2015. Da mesma forma, na petição inicial não há alegações de patologias cardíacas” (ID 183073471 – Págs. 143/147).
O autor, inconformado, aduz que o “despacho que converteu o julgamento em diligência para análise dos problemas cardíacos, não teve cumprimento, desrespeitando a decisão do Tribunal Superior, de modo que continua caracterizado o cerceamento de demonstrar a presença dos requisitos necessários à outorga do benefício vindicado”. Bateu-se pela realização de nova perícia (ID 183073471 – Págs. 154 e 160).
E tem razão.
Percebo que, de fato, a perícia médica realizada não se preordenou à aferição de (in)capacidade laborativa em face das patologias cardíacas (hipertensão arterial e cardiomegalia), tal como determinado na decisão colegiada.
O senhor Louvado não teceu juízo sobre o atestado médico datado de 2015, relatando a existência de tais patologias (ID 183095474 – Pág. 49). Não aprofundou o exame, como dos autos se dessume, em ordem a averiguar pelos meios disponíveis se o autor é portador das moléstias cardíacas indicadas. Sobretudo, deixou de esclarecer se são elas incapacitantes, precarizando as conclusões a que chegou.
Sem embargo, prova pericial por especialista (art. 465, caput, do CPC) é indispensável à demonstração do direito sustentado.
Se é verdade que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar o seu convencimento com base em outros elementos dos autos (art. 479 do CPC), menos certo não é que a existência de prova hígida é direito da parte e pressuposto para a formação do convencimento judicial. Quando a perícia judicial não cumpre os requisitos mínimos de idoneidade, priva o magistrado de poder de decisão, em sua correta amplitude.
Comparece cerceamento de defesa quando o juiz indefere a realização de prova pericial, requerida oportuna e justificadamente pela parte com o fito de comprovar suas alegações, e o pedido é julgado improcedente exatamente pelo fato de que a prova que o promovente logrou produzir entremostrava-se frágil e insatisfatória (Agint no REsp n. 2.004.764/SP, Quarta Turma, Rel. o Min. Raul Araújo, j. de 26/09/2022, DJe de 13/10/2022).
Queixa-se também o autor do indeferimento da realização de oitiva das testemunhas arroladas, prova que sustenta indispensável à demonstração do direito vindicado.
O ônus do fato constitutivo do direito compete ao autor (art. 373, I, do CPC).
De outro modo, o livre convencimento motivado funda-se especialmente nas provas importantes ao julgamento da causa (art. 370, caput, do CPC).
Ora, no caso em voga foi requerida a oitiva testemunhal com o objetivo de comprovar a qualidade de segurado do autor, que se declara trabalhador rural.
Nessa seara, é assente que, para a prova da atividade rurícola, basta o início de prova material ser contemporâneo aos fatos alegados, desde que acompanhado por robusta prova testemunhal que amplie sua eficácia probatória. Repare-se:
“PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TEMPO DE SERVIÇO. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE AGRÍCOLA NO PERÍODO DE CARÊNCIA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL AMPLIADO POR PROVA TESTEMUNHAL. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ.
1. O Tribunal a quo concluiu o seguinte: "os documentos apresentados pela parte autora configuram início razoável de prova material da atividade de rurícola em atenção à solução pro misero, adotada no âmbito do Colendo STJ e pelos Tribunais Regionais Federais; a prova oral produzida nos autos confirma sem sombra de dúvidas a qualidade de trabalhador rural da parte autora" (e-STJ fl. 72).
2. Para o reconhecimento do tempo de serviço do trabalhador rural, não há exigência legal de que o documento apresentado como início de prova material abranja todo o período que se quer comprovar; basta o início de prova material ser contemporâneo aos fatos alegados e referir-se, pelo menos, a uma fração daquele período, corroborado com prova testemunhal, a qual amplie sua eficácia probatória, como ocorre na hipótese. Precedentes.
3. Acolher a pretensão do recorrente de que não foram preenchidos todos os requisitos para a concessão de aposentadoria, bem como apurar a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, é tarefa que demandaria o revolvimento dos elementos fático-probatórios da demanda, o que é vedado na presente seara recursal, consoante disposto no enunciado da Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental não provido” (STJ, AgRg no AgResp nº 286.515 – MG, r. Min. Castro Meira, j. 18/03/2013).
Assim, necessária é também a produção de prova testemunhal, para robustecer o substrato material juntado aos autos (ID 183095474 – Págs. 35/37 e ID 183095474 – Pág. 38), se a conclusão da perícia médica der pela incapacidade do autor para o trabalho.
Corolário disso, é a anulação da sentença proferida, com o retorno dos autos à vara de origem, para regular instrução do feito.
Ante o exposto, nos termos da fundamentação, dou provimento à apelação do autor para, acolhendo a matéria preliminar, anular a sentença com vistas a que se produza prova pericial-médica por especialista em cardiologia e também oral, para demonstrar qualidade de segurado, se incapacidade para o trabalho habitual do apelante for constatada.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. TRABALHADOR RURAL. PROVA PERICIAL NÃO CONCLUÍDA. PROVA TESTEMUNHAL NÃO REALIZADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA.
- O autor se queixa da insuficiência da perícia realizada, incompleta, ao que alega, por não ter analisado as patologias indicadas na inicial.
- Prova pericial, no caso, é indispensável à demonstração do direito sustentado.
- A perícia médica realizada não foi direcionada para a aferição da incapacidade laborativa com relação às patologias cardíacas (hipertensão arterial e cardiomegalia), tal como determinado na decisão colegiada.
- Laudo médico-pericial insuficiente.
- Preconiza o Superior Tribunal de Justiça que, para a prova da atividade rurícola, basta início de prova material ser contemporâneo aos fatos alegados, desde que acompanhado por robusta prova testemunhal que amplie sua eficácia probatória.
- O que se tem, em suma, é que os autos não estão suficientemente instruídos. Consequência disso é a anulação da sentença proferida, como se requereu em preliminar do recurso, com o retorno dos autos à vara de origem para regular instrução e novo julgamento.
- Apelação provida.
