
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001761-92.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: EMILIA PAULINO DE FREITAS
Advogados do(a) APELANTE: VINICIUS DE OLIVEIRA - MS23910-A, VINICIUS RODRIGUES CACERES - MS17465-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001761-92.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: EMILIA PAULINO DE FREITAS
Advogados do(a) APELANTE: VINICIUS DE OLIVEIRA - MS23910-A, VINICIUS RODRIGUES CACERES - MS17465-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos de benefício rural por incapacidade laboral e benefício assistencial de prestação continuada, condenando-a ao pagamento de verba honorária, observada a gratuidade de justiça.
Nas razões recursais, alega a comprovação da qualidade de segurado especial, além da incapacidade laboral e requer a reforma do julgado para fins de concessão de aposentadoria por incapacidade permanente.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001761-92.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: EMILIA PAULINO DE FREITAS
Advogados do(a) APELANTE: VINICIUS DE OLIVEIRA - MS23910-A, VINICIUS RODRIGUES CACERES - MS17465-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
No caso em análise, em observância ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum, a controvérsia recursal cinge-se ao direito da parte autora a benefício por incapacidade laboral, pois o preenchimento dos requisitos necessários à concessão de benefício assistencial não foram impugnados nas razões da apelação.
A cobertura do evento incapacidade para o trabalho é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II, da Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), cuja redação atual é dada pela Emenda Constitucional n. 103, publicada em 13/11/2019 (EC n. 103/2019):
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (...)”.
Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.
A aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade permanente (EC n. 103/2019), é devida ao segurado que for considerado permanentemente incapaz para o exercício de quaisquer atividades laborativas, não sendo possível a reabilitação em outra profissão.
Nos termos do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, o benefício será devido ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e será pago enquanto perdurar esta condição.
Por sua vez, o auxílio-doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária (EC n. 103/2019), é devido ao segurado que ficar temporariamente incapacitado para o trabalho e, à luz do disposto no artigo 59 da Lei n. 8.213/1991, "não para quaisquer atividades laborativas, mas para (...) sua atividade habitual" (Direito da Seguridade Social, Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005, p. 128).
São requisitos para a concessão desses benefícios, além da incapacidade laboral: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais, quando exigida, bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de benefício por incapacidade permanente ou temporária. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n. 8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza, ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).
O reconhecimento da incapacidade laboral, total ou parcial, depende da realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil (CPC). Contudo, o Juiz não está adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos pessoais, profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos autos.
Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) são pertinentes a esse tema.
Súmula 47 da TNU: “Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez”.
Súmula 53 da TNU: “Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social”.
Súmula 77 da TNU: “O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual”.
Especificamente quanto aos rurícolas, a legislação sofreu longa evolução, refletida em inúmeros diplomas normativos a versar sobre a matéria, sendo mister destacar alguns aspectos pertinentes a essa movimentação legislativa, para, assim, deixar claros os fundamentos do acolhimento ou rejeição do pedido.
Pois bem. Embora a primeira previsão legislativa de concessão de benefícios previdenciários ao trabalhador rural estivesse consubstanciada no Estatuto do Trabalhador Rural (Lei n. 4.214/63), que criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural – FUNRURAL com essa finalidade, somente depois da edição da Lei Complementar n. 11, de 25 de maio de 1971, passaram alguns desses benefícios, de fato, dentre os quais o de aposentadoria por invalidez, a ser efetivamente concedidos, muito embora limitados a um determinado percentual do salário mínimo.
Antes do advento da Constituição Federal de 1988, o artigo 3º da Lei n. 7.604, de 26 de maio de 1987, incluiu o auxílio-doença no Programa de Assistência ao Trabalhador Rural - PRORURAL.
Na época, não se perquiria sobre a qualidade de segurado, nem sobre o recolhimento de contribuições, por possuírem os benefícios previstos na Lei Complementar n. 11/1971, relativa ao FUNRURAL, caráter assistencial.
Somente a Constituição Federal de 1988 poria fim à discrepância de regimes entre a Previdência Urbana e a Rural, medida, por sinal, concretizada pelas Leis n. 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991.
Assim, a concessão dos benefícios de aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária para os trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribuna de Justiça (STJ) e desta Corte: STJ – AR 4041/SP – Proc. 2008/0179925-1, Rel, Ministro Jorge Mussi – Dje 05/10/2018; AREsp 1538882/RS – Proc. 2019/0199322-6, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11/10/2019; Ap.Civ. 6072016-34.2019.4.03.9999, 9ª Turma, Rel. Des. Fed. Gilberto Jordan, e-DJF3 Judicial – 02/03/2020; Ap.Civ. 5923573-44.2019.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Nelson Porfírio – Publ. 13/03/2020).
Cabe destacar, ainda, que o pescador artesanal está equiparado ao trabalhador rural para efeitos previdenciários, à luz do artigo 11, da Lei n. 8.213/1991.
A comprovação do exercício da atividade rural – e da atividade de pescador artesanal - deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ).
No caso dos autos, de acordo com a perícia médica judicial de 28/6/2022, a autora (nascida em 1959) está total e permanentemente incapacitada para o trabalho, por portadora de males ortopédicos.
Resta averiguar, entretanto, a qualidade de segurada especial da autora na data do requerimento administrativo.
A autora alega que sempre exerceu suas atividades laborativas em propriedade rural da família, denominada Fazenda São Francisco, primeiramente com os pais e, depois do casamento, juntamente com o marido, em regime de economia familiar, sem contratação de empregados.
Como início de prova material do alegado trabalho rural, apresentou: (i) certidão de casamento celebrado em 1975, na qual consta a profissão do marido como lavrador; (ii) notas fiscais de venda de produtos, dentre eles eucalipto, emitidas em 2019 pelo cônjuge; (iii) certidão de registro do imóvel Fazenda São Francisco, na qual a autora e seu marido são os proprietários.
Ocorre que referido imóvel possui 165 hectares, ultrapassando os quatro módulos fiscais previstos em lei, sendo que a propriedade rural não se amolda à situação exigida pelo artigo 11, § 1º, da Lei n. 8.213/1991.
Por seu turno, a prova oral colhida em audiência de 14/8/2023 é bastante fraca. As testemunhas Sebastião Bernardo de Freitas e Osvaldo Pereira dias se reportaram genericamente ao trabalho da autora juntamente com o marido na propriedade, sem a ajuda de empregados. Afirmaram que a autora possui criação de gado e produz queijos.
Por oportuno, cabe destacar que em ação anterior de concessão de aposentadoria rural por idade (autos n. 5002009-39.2016.4.03.99990, transitada em julgado), a questão da qualidade de segurada especial da autora já foi analisada, sendo o pedido julgado improcedente em razão da não configuração do alegado regime de economia familiar, conforme fundamentação a seguir transcrita (destaquei):
“(...) No caso em tela, a autora trouxe documentação que demonstra a existência de grande rebanho na propriedade herdada pela autora, conforme ela própria afirmou, tendo em média 300 cabeças de gado e transações de venda conforme as notas fiscais e DANFE.
Dos documentos apresentados depreende-se que a autora, é na verdade grande proprietário rural de uma fazenda com rebanho bovino, descaracterizando o regime de economia familiar, no qual o trabalho é exercido pelos membros da família, em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, considerado como indispensável à própria subsistência, nos termos do artigo 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91.
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURAL. PECUARISTA. PROPRIEDADE RURAL EXTENSA. IMPROVÁVEL O TRABALHO SEM A UTILIZAÇÃO DE EMPREGADOS PERMANENTES. 1. Para a concessão de benefício previdenciário, in casu, aposentadoria por idade no valor de um salário mínimo, prevista no artigo 143 da Lei n.º 8.213/91, o segurado, na qualidade de pequeno produtor rural que exerce a atividade rurícola em regime de economia familiar, tem que comprovar o exercício de trabalho rural, ainda que descontinuamente, mas no período imediatamente anterior ao ajuizamento da demanda, em número de meses idêntico à carência desse benefício, dispensando-se, assim, a comprovação do efetivo recolhimento das contribuições mensais nesse período, nos termos dos artigos 39, inciso I, 48, § 2º, e 143, todos da Lei n.º 8.213/91. 2. Na forma do artigo 55, § 3.º, da Lei n.º 8.213/91 e de acordo com a Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, para o reconhecimento de exercício atividade rural é necessário ao menos início de prova documental, a ser complementada por prova testemunhal. 3. No caso em análise, o início de prova documental carreado aos autos é insuficiente para comprovar que o Autor desenvolve atividade de rurícola em regime de economia familiar pelo tempo necessário para o deferimento do benefício previdenciário pleiteado, uma vez que na propriedade desenvolve-se atividade agropecuária com intuito de lucro, descaracterizando o regime de economia familiar em caráter de subsistência, nos termos do art. 11, VII, § 1º, da Lei nº 8.213/91. Além disto, a propriedade possui 138,8 hectares, a qual, apesar de classificada como "pequena propriedade rural", não nos faz parecer razoável que os trabalhos tenham sido feitos apenas por membros da família como afirmaram as testemunhas. 4. Desse modo, o autor não faz jus ao benefício de aposentadoria por idade, na condição de rurícola, em regime de economia familiar, uma vez que, tratando-se de segurado obrigatório da previdência social, para fazer jus ao benefício pleiteado na condição de produtor rural imprescindível é a existência da prova de que recolheu aos cofres previdenciários as contribuições devidas, como contribuintes individuais (inciso V, letra "a", do artigo 11, da Lei nº 8.213/91). 5. Agravo interno provido. (AC: 1136123; Proc: 2006.03.99.029681-7; UF: MS; Órgão Julgador: Nona Turma; Data do Julgamento: 02.02.2009; DJF3 CJ2 Data: 18.03.2009, pág: 1517; Desembargador Federal Nelson Bernardes. (Grifei).
Observo ainda que os depoimentos testemuhais não condizem com o que desponta da documentação anexada e que a autora omitiu em seu depoimento a existência do rebanho que os documentos apontam e a compra e venda conforme teor das notas fiscais
Destarte a autora não preencheu os requisitos legais necessários para concessão de aposentadoria.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS, para julgar improcedente o pedido da autora.”
Desse modo, é possível concluir que a autora não se enquadra na definição de pequeno produtor rural, nem que exerce agricultura familiar de subsistência.
Não estão atendidos os requisitos para a concessão do benefício, porque não comprovado o trabalho exclusivamente rural, em regime de economia familiar, nos termos do artigo 39, da Lei n. 8.213/1991.
Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. TRABALHADOR RURAL. SEGURADO ESPECIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCARACTERIZAÇÃO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
- São requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade laboral: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e insuscetível de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por incapacidade permanente) ou a incapacidade temporária (auxílio por incapacidade temporária), bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
- A concessão do benefício por incapacidade laboral para os trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e desta Corte.
- A comprovação do exercício da atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ).
- Não comprovado o exercício de atividades rurais em regime de economia familiar por meio de início de prova material, não é possível a concessão do benefício pleiteado, diante da ausência da qualidade de segurado especial.
- Mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação não provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
