
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002645-41.2013.4.03.6137
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: MARIA HELIA FERRARI
Advogado do(a) APELANTE: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - SP111577-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: ANDREA TERLIZZI SILVEIRA - SP194936-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002645-41.2013.4.03.6137
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: MARIA HELIA FERRARI
Advogado do(a) APELANTE: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - SP111577-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: ANDREA TERLIZZI SILVEIRA - SP194936-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de ação ajuizada em 26/11/2004, que tem por objeto a concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença a trabalhadora rural, a partir da citação, com pedido de tutela antecipada.
O feito foi sentenciado em 23/02/2006.
O pedido foi julgado procedente para conceder à autora auxílio-doença, a partir da citação. Anteciparam-se os efeitos da tutela provisória requerida.
O INSS interpôs recurso de apelação.
Decisão monocrática de segundo grau anulou a sentença proferida, determinando o retorno dos autos à origem para a produção de prova oral.
Baixados os autos e realizada a oitiva de testemunhas, nova sentença foi proferida em 02/03/2016, julgando improcedente o pedido, ao fundamento de perda da qualidade de segurada. Revogou-se a tutela anteriormente deferida.
A autora interpôs, então, o recurso de apelação de que se cogita.
Nas razões recursais, alega, em síntese, que a prova testemunhal produzida comprovou sua condição de segurada especial até a aquisição das moléstias incapacitantes.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002645-41.2013.4.03.6137
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: MARIA HELIA FERRARI
Advogado do(a) APELANTE: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - SP111577-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: ANDREA TERLIZZI SILVEIRA - SP194936-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Por preencher os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.
Pretende-se na presente ação benefício por incapacidade.
Os artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91 dão regramento à matéria, nos seguintes termos:
“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição” (ênfases colocadas).
“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos” (grifos apostos).
Eis, portanto, os requisitos que em um e outro caso se exigem: (i) qualidade de segurado; (ii) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (iii) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo grau e período de duração determinarão o benefício a calhar e (iv) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão de doença ou lesão (§2º do primeiro dispositivo copiado e §1º do segundo).
Verifico que a autora, nascida em 27/08/1935 (ID 903388343 – Págs. 23/24), não requereu benefício por incapacidade na esfera administrativa.
À cata de benefício por incapacidade, intentou a presente ação em 26/11/2004.
Em suas dobras, observado o devido processo legal, exames médicos-periciais foram elaborados.
O primeiro, realizado em 21/12/2005, constatou que a autora padece de escoliose destro côncava de coluna lombar, espondiloartrose lombo sacra, listese grau 1 de L5, redução de espaços discais em L5/S1, lombarização de S1 e osteoporose severa (ID 90388343 – Págs. 64/66).
Em razão disso, concluiu o senhor Perito que a autora estava incapacitada de forma total e temporária para o labor (ID 90388343 – Págs. 64/66). Não foi fixada data de início da incapacidade.
Por sua vez, a perícia efetuada em 25/06/2014 atestou que a autora – “do lar” – padecia de artropatia degenerativa glenoumeral, com sinais de lesão do manguito rotador, alterações degenerativas da cabeça de úmero, acrômio e articulação acrômio-clavicular (ID 90388344 – Págs.53/56).
Tachou a incapacidade de total e permanente. Fixou a data de início da incapacidade “há 07 anos” para a artrose no ombro e há “08 anos” para artrose na coluna (ID 90388344 – Págs.53/56).
Sobra escrutinar a presença dos demais requisitos que se impõem cumulativamente presentes para a concessão do benefício.
Afirma a autora na inicial: “iniciou o labor rural ainda quando criança, com cerca de 10 (dez) anos, na época, trabalhando ao lado de seus familiares, na região de Novo Horizonte-SP, laborando em lavouras diversas, principalmente para a subsistência da família, onde permaneceu até a idade de 06 (seis) anos. Ao depois, fora para a Região de Murutinga do Sul-SP, trabalhar na propriedade de seu pai, em lavouras de subsistência, plantando horta, milho, feijão, arroz, pomar, permanecendo lá, por cerca de 14 anos, até se casar. Casou-se e continuou na roça, trabalhando ao lado de seu esposo, na propriedade de seu sogro, córrego de Itauna, parte do imóvel Fazenda Aguatemi, também na região de Murutinga do Sul – SP, lidava com lavouras de café, roças diversas, hortas, pomares, feijão, milho, isto por cerca de 24 anos, até seu sogro vender a propriedade. Veio para a cidade, onde continuou a trabalhar em lavouras, mas desta feita, como bóia-fria, posto ser a única atividade que sabe exercer. Ocorre que há cerca de três anos, a autora passou a apresentar problemas graves, crônicos, na coluna lombar, sendo que estes problemas vieram se agravando com o passar dos anos, não podendo mais, a autora, exercer atividade que exija esforço físico, sendo que estes problemas vieram se agravando com o passar dos anos, não podendo mais, a autora, exercer atividade que exija esforço físico, sendo que inclusive, se o fizer, sente dores na região lombar, ficando desta forma sem condições para labor rural, posto que é a única atividade que sabia exercer” (ID 90388343 – Pág. 7).
Muito bem.
Objetivando benefício por incapacidade, os trabalhadores rurais estão dispensados de recolher contribuições. Ou dita obrigação toca aos empregadores (nas situações de trabalho assalariado) ou, em se tratando de segurados especiais, basta que demonstrem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao início da incapacidade, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido (doze meses, art. 25, I, da Lei nº 8.213/91).
Ademais, como ressabido, nas linhas do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, prova exclusivamente testemunhal não basta para comprovar tempo de atividade para fins previdenciários (Súmula 149 do STJ e Tema nº 297 de seus Recursos Repetitivos).
Faz início razoável de prova material qualquer documento contemporâneo à época do labor (Súmula 34 da TNU) e que seja referente a alguma fração do período a ser considerado (Súmula 14 da TNU).
Permite-se reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que este seja contemporâneo ao período a comprovar e corroborado por idônea e robusta prova testemunhal (Súmula 577 do STJ).
Mesmo o trabalhador rural boia-fria precisa exibir início de prova material para fazer jus a benefícios previdenciários (Tema Repetitivo 554/STJ).
Ademais, o STJ sedimentou o entendimento de que para a comprovação do labor rurícola do diarista (boia-fria), a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação à Súmula 149, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal (REsp 1321493/PR).
É, deveras, daquele Sodalício a compreensão de que o trabalhador rural boia-fria é equiparado ao segurado especial de que trata o inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991, quanto aos requisitos necessários à obtenção de benefício previdenciário (REsp nº 1762211/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. de 27/11/2018).
Vale registrar ainda que, em regra, documentos em nome de terceiros, como pais, cônjuge e filhos, são hábeis a comprovar a atividade rural a envolver segurado especial em regime de economia familiar (Súmula 73 do TRF4), situação em que dificilmente todos os membros da família terão documentos em seu próprio nome, posto que concentrados, na maioria das vezes, na figura de um só deles (STJ, REsp 506.959/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003 e TRF3, AC 2201513, 9.ª T., e-DJF3 Judicial 1 DATA: 28/04/2017).
O artigo 11, VII, § 1º, da Lei nº 8.213/91 define o regime de economia familiar e o artigo 106 do mesmo compêndio legal dispõe que a comprovação do exercício da atividade rural será feita, no caso de segurado especial em regime de economia familiar, por meio de um dos documentos lá elencados, a saber: contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar; bloco de notas do produtor rural; notas fiscais de entrada de mercadorias emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; documentos fiscais relativos à entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social; cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural ou licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra, em nome próprio, de seu cônjuge ou de seus genitores (TRF3, ApCiv. 0042952-23.2015.4.03.9999, Décima Turma, Rel. o Des. Fed. Baptista Pereira, DJF3 de 09/08/2018).
Com essa moldura, percebe-se que a autora não juntou aos autos nenhum documento que especificamente lhe diga respeito ou circunstancie trabalho rural por ela realizado. Não possui registros de atividades ou recolhimentos cadastrados no CNIS.
Para provar exercício da atividade rural, a autora trouxe a lume os seguintes documentos:
- Certidão de casamento, núpcias havidas em 18/01/1955, emprestando a seu marido, Ernesto Ferrari, a qualificação de lavrador (ID 90388343 – Pág. 25);
- Certificado de reservista de 3ª categoria, emitido em 27/11/1964, dando Ernesto Ferrari como lavrador (ID 90388343 – Pág. 26);
- Certidão do Cartório de Registro de Imóveis de Andradina/SP, atestando que o sogro da autora, Vitorio Ferrari, lavrador, adquiriu uma área de terras rurais de 24.200m² em 22/02/1960 (ID 90388343 – Pág. 27);
- Certidão de casamento do filho da autora, Herminio Ferrari, celebrado em 25/10/1980, dizendo-o lavrador (ID 90388343 – Pág. 29);
- Certidão de casamento de sua enteada, Maria Aparecida Ferrari, firmado em 23/05/1988, qualificando o cônjuge desta como lavrador (ID 90388343 – Pág. 30) e
- Certidão de casamento de sua filha, Célia Regina Ferrari, que se reporta a ato realizado em 03/12/1988, qualificando o contraente lavrador (ID 90388343 – Pág. 31).
Como a incapacidade diagnosticada na autora na perícia realizada em 25/06/2014 remete-se a 2006/2007 nenhum dos documentos oferecidos à guisa de prova é contemporâneo aos fatos a comprovar (trabalho rural em 2005).
Segundo consulta realizada no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, verifico que o cônjuge da autora, Ernesto Ferrari, não possui vínculos laborativos e esteve em gozo de aposentadoria por invalidez de trabalhador rural no período compreendido entre 27/12/1984 e 29/05/2014.
Na audiência de instrução ocorrida em 07/06/2011, foram ouvidas 3 (três) testemunhas, a saber:
Claudenilson Matiusse declarou: “Tenho conhecimento que a autora trabalhou na atividade rural, praticando atividades na lavoura de café, milho e feijão. O sítio em que ela trabalhava era vizinho ao meu. Tal sítio pertencia ao sogro dela. Pelo que sei ela trabalhou na atividade rural desde o início da década de 80, inclusive chegou a trabalhar com o meu pai. Atualmente em razão de sua idade avançada ela não mais trabalha na roça. (...) O trabalho desempenhado com o meu pai também foi rural, com café” (ID 90388343 – Pág. 125).
José Geraldo Amadio afirmou: “Tenho conhecimento que a autora trabalhou na atividade rural, em um sítio que pertencia ao sogro dela. Sua atividade consistia na plantação e cultivo das lavouras de café e arroz. Sei que ela trabalhou nessa atividade desde 1980 contudo, atualmente, em razão de sua idade avançada ela não mais exerce tal atividade. (...) Tenho conhecimento que a autora mudou para a cidade no final dos anos 90, mas sei que continuou trabalhando com o cultivo de arroz” (ID 90388343 – Pág. 126).
Antonio Ucedas asseverou: “Tenho conhecimento que a autora trabalhava no cultivo de arroz, café e outros alimentos, desde 1980. Pelo que sei ela trabalhou até o ano de 1995 aproximadamente, ano em que ela se mudou para a cidade” (ID 90388343 – Pág. 127).
E na audiência realizada em 13/10/2015 (ID 90388344 – Págs. 74/75 e mídia juntada aos autos), colheu-se o seguinte:
A autora, em seu depoimento pessoal, disse que trabalhou na roça desde a infância com os genitores. Após se casar continuou trabalhando no campo no sítio do sogro, localizado no bairro Itaúna, no município de Muritinga do Sul/SP, juntamente com seu marido. O sítio era de propriedade do sogro, sr. Vitorio Ferrari. Afirmou a autora que reside em Muritinga do Sul há 10 (dez) anos e que quando ficou enferma ainda morava no sítio do sogro. A autora e seu marido foram morar na cidade após o sítio ser vendido. O seu sogro faleceu há 20 (vinte) anos e o sítio foi vendido há 25 (vinte e cinco) anos. Após mudar-se para a cidade, a autora trabalhou como diarista, juntamente com seu marido, por poucos dias (10 dias apenas), em outras propriedades, no entanto, parou porque não aguentava mais laborar. Morou por 10 (dez) ou 15 (quinze) anos no sítio do sogro, e ajudava o marido na roça como podia, dentro de suas limitações físicas. O seu cônjuge faleceu há 1 (um) ano e 4 (quatro) meses. Começou a ter problemas de saúde enquanto morava no sítio do sogro, onde carpia e plantava café. Na propriedade havia café e mamona e a produção era vendida, no entanto, insuficiente para o sustento, motivo pelo qual trabalhavam em outras propriedades também. Sobre as testemunhas, afirmou que as conhece há muitos anos, da época em que trabalhava como diarista, mas as mesmas não conheciam a autora na época em que esta laborava no sítio do sogro. Teve 4 (quatro) filhos, sendo que os mais velhos, Emílio e Neide, trabalharam na roça do sogro. Negou ter feito qualquer “bico” na cidade. Por fim, afirmou que no sítio do sogro não havia empregados.
A testemunha Claudenilson Matiusse afirmou conhecer a autora há aproximadamente 35 (trinta e cinco) anos, pois visitava o sítio vizinho na infância. O sítio em que residia a autora ficava no bairro Itaúna, em Muritinga do Sul, e posteriormente o pai do depoente adquiriu referido imóvel. Afirmou que efetivamente via a autora trabalhando na plantação de café, arroz, milho. Acredita que o sítio era de propriedade do cônjuge da autora. Não soube dizer até quando a autora morou no sítio, mas acredita que até 1989 e 1990. Não tem certeza da data em que seu genitor comprou o imóvel, mas afirmou ter a autora saído do sítio após a venda. Afirmou que a autora mudou-se para a cidade no ano 2000. O depoente sempre morou na cidade, mas via a autora trabalhando porque tinha o sítio ao lado, que frequentava em razão da retirada de leite. Afirmou que a autora passou a morar próximo a ele na cidade, razão pela qual pôde acompanhar que ela continuou sempre trabalhando junto com o marido. A autora parou de trabalhar há muitos anos, há 15 (quinze) ou 20 (vinte) anos ou até mais. Após mudar-se na cidade, a autora permaneceu trabalhando, na condição de diarista, juntamente com o marido, por cerca de 10 (dez) anos, no entanto, parou em decorrência da doença. Nunca a viu trabalhando em outro tipo de atividade. Sabe que a autora e seu marido sempre trabalharam na roça. O marido da demandante faleceu há pouco mais de 1 (um) ano, com mais de 80 (oitenta) anos, mas que estava aposentado há, pelo menos, 15 (quinze) anos.
José Geraldo Amadio afirmou conhecer a autora desde 1983, ano em que se mudou para Muritinga do Sul/SP. Na época a autora morava no sítio, sem saber informar quem era o proprietário. Não presenciou o trabalho dela no sítio. Acredita que ela se mudou para a cidade em 1986, quando passou a trabalhar juntamente como marido como bóia-fria. O depoente via o casal passando de caminhão ou trator perto de seu comércio. O trabalho como bóia-fria foi a partir de 1990, aproximadamente, até ela ficar doente, o que acredita ter sido há 10 (dez) anos. Afirmou que a autora trabalhou como bóia-fria desde 1990 e que parou há 5 (cinco) anos ou mais. Nunca viu a autora desempenhando atividade urbana.
A testemunha Antonio Ucedas afirmou conhecer a autora há cerca de 25 (vinte e cinco) ou 30 (trinta) anos, porque também trabalhava na roça e passava na estrada em frente ao sítio onde ela morava e a via trabalhando. A propriedade era localizada em Muritinga do Sul, no bairro Itaúna. Acredita que pertencia ao marido da autora. Via a autora plantando milho e carpindo. A autora e o marido venderam o sítio e foram morar na cidade, há muito tempo, sem precisar data. Após a mudança para a cidade, a autora parou de trabalhar na roça. No entanto, não soube informar se a requerente desempenhava outra atividade na cidade. Sabe que a autora ficou doente, mas não sabe quando isso ocorreu. Nunca viu a autora trabalhar como diarista.
A autora foi ouvida novamente e afirmou ter se mudado para a cidade há aproximadamente 20 (vinte) anos. Seu sogro faleceu também há 20 (vinte) anos, mas não se lembra o ano exato. Mudou-se para a cidade antes do óbito de seu sogro e tem certeza disso. Nessa época já havia parado de trabalhar em decorrência das dores que a acometiam. Lembra-se de ter passado por perícia médica e que já estava parada há muitos anos. Afirmou que trabalhou apenas 10 (dez) dias como diarista após ter se mudado para a cidade. As 3 (três) testemunhas arroladas conheceram a autora após estar mudar-se para a cidade. Nenhuma das testemunhas presenciou o seu trabalho rural por 10 (dez) dias após mudar-se para a cidade. Começou a sentir dores ainda morando no sítio e que enquanto estava no sítio, conseguia trabalhar. Após a mudança para a cidade, trabalhou por apenas 10 (dez) dias e não aguentou mais.
A testemunha Claudenilson Matiusse foi novamente ouvida e reafirmou que presenciou a autora trabalhando após esta mudar-se para a cidade, embora não tenha certeza o tempo de duração. Acredita que a autora se confundiu ao responder as perguntas do Juízo. Tem certeza que viu a autora trabalhar por muito mais tempo do que a autora afirmou. Não se retratou em seu depoimento.
O senhor José Geraldo Amadio foi novamente ouvido e afirmou que no sítio quase não viu a autora trabalhar, mas presenciou a mesma em caminhão de bóia-fria por quase 10 (dez) anos após a sua mudança para a cidade. Tem certeza que presenciou a situação até aproximadamente 2010.
Ou seja, os depoimentos guardam contradições insuperáveis (das declarações com elas mesmas e entre si). Deles não é possível extrair que a autora manteve-se trabalhando na roça pelo menos no ano de 2005.
Quer dizer, por sobre início material de prova incoetâneo, a prova oral, absolutamente contraditória, não deita prova sobre a faina agrária que era preciso demonstrar, no período azado. A análise da prova foi realizada de forma vertical e exauriente e dela se tira que a autora não trabalhou na lavoura nos doze meses que precederam a DII.
Em suma, qualidade de segurada não se evidenciou e, corolário disso, o benefício não é devido.
A sentença proferida, por isso, não merece reparo.
Anoto no fecho que, conforme consulta realizada no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, a autora está a desfrutar pensão por morte previdenciária NB 162.625.928-0 desde 29/05/2014.
Diante do exposto, nego provimento à apelação da autora, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. TRABALHADORA RURAL. QUALIDADE DE SEGURADA NÃO COMPROVADA. APELO DESPROVIDO.
- Segundo os artigos 42 e 59 da Lei n° 8.213/91, a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença depende da comprovação dos seguintes requisitos: (I) qualidade de segurado; (II) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (III) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo grau e período de duração determinarão o benefício a calhar; e (IV) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão da doença ou lesão (§2º do primeiro dispositivo citado e §1º do segundo).
- Em se tratando de benefício por incapacidade, os trabalhadores rurais estão dispensados de recolher contribuições. Ou dita obrigação toca aos empregadores ou, em se tratando de segurados especiais, basta que demonstrem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao início da incapacidade, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido (doze meses, art. 25, I, da Lei nº 8.213/91).
- Ademais, como ressabido, nas linhas do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, prova exclusivamente testemunhal não basta para comprovar tempo de atividade para fins previdenciários (Súmula 149 do STJ e Tema nº 297 de seus Recursos Repetitivos).
- Faz início razoável de prova material qualquer documento contemporâneo à época do labor (Súmula 34 da TNU) e que seja referente a alguma fração do período a ser considerado (Súmula 14 da TNU).
- Mesmo o trabalhador rural boia-fria precisa exibir início de prova material para fazer jus a benefícios previdenciários (Tema Repetitivo 554/STJ). Ademais, o STJ sedimentou o entendimento de que para a comprovação do labor rurícola do diarista (boia-fria), a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação à Súmula 149, cuja aplicação é mitigada se a apequenada prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal (REsp 1321493/PR - Tema 554 do STJ).
- É, deveras, daquele Sodalício a compreensão de que o trabalhador rural boia-fria é equiparado ao segurado especial de que trata o inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991, quanto aos requisitos necessários à obtenção de benefício previdenciário (REsp nº 1762211/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. de 27/11/2018).
- Seja sublinhado que declaração a respeito de profissão inserta em documentos públicos e particulares relativos a trabalhador rural concentra inegável valor probatório (Sumula 6 da TNU), diante da dificuldade de se produzirem outros, específicos, atinentes ao trabalho mesmo – em razão da informalidade que grassa no meio campesino. Por isso, aludidos documentos constituem início de prova material capaz de conduzir, coadjuvada por outros elementos, ao reconhecimento de tempo de serviço (STJ - AgRg no AREsp 100.566/MT, Rel. o Min. Herman Benjamin, DJe 24/04/2012).
- Vale registrar ademais que, em regra, documentos em nome de terceiros, como pais, cônjuge e filhos, são hábeis a comprovar a atividade rural a envolver segurado especial em regime de economia familiar, situação em que dificilmente todos os membros da família terão documentos em seu próprio nome, posto que concentrados, na maioria das vezes, na figura de um só deles (TRF3, AC 2201513, 9.ª T., e-DJF3 Judicial 1 DATA: 28/04/2017).
- O artigo 106, da Lei n. 8.213/91, dispõe que a comprovação do exercício da atividade rural será feita, no caso de segurado especial em regime de economia familiar, por meio de um dos documentos lá elencados, a saber: contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar; bloco de notas do produtor rural; notas fiscais de entrada de mercadorias emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; documentos fiscais relativos à entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social; cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural ou licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra, em nome próprio, de seu cônjuge ou de seus genitores (TRF3, ApCiv. 0042952-23.2015.4.03.9999, Décima Turma, Rel. o Des. Fed. Baptista Pereira, DJF3 de 09/08/2018
- Da prova testemunhal produzida não ressai trabalho rural da autora nos doze meses imediatamente anteriores à data de início da incapacidade.
- Benefício por incapacidade indevido.
- Apelação da autora desprovida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
