Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002323-43.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
01/07/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 03/07/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RURAL POR INCAPACIDADE LABORAL. ATIVIDADE RURAL
SEM REGISTRO EM CARTEIRA NÃO COMPROVADA. CONJUNTO PROBATÓRIO
INSUFICIENTE. NÃO PREENCHIMENTO DOSREQUISITOS.
- São requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: a qualidade de segurado, a
carência de doze contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de
forma permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que
garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-
doença), bem como a demonstração de que o segurado não era portador da alegada
enfermidade ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
- Para os trabalhadores rurais segurados especiais, a legislação prevê o pagamento de alguns
benefícios não contributivos, no valor de um salário mínimo (artigo 39, I, da Lei n.8.213/1991).
Depois da edição da Lei n. 8.213/1991, a situação do rurícola modificou-se, pois passou a integrar
sistema único, com os mesmos direitos e obrigações dos trabalhadores urbanos, tornando-se
segurado obrigatório da Previdência Social. A partir do advento da CF/1988, não mais há
distinção entre trabalhadores urbanos e rurais (artigos 5º, caput, e 7º, da CF/1988), cujos critérios
de concessão e cálculo de benefícios previdenciários regem-se pelas mesmas regras.
- O conjunto probatório dos autos é insuficiente à demonstração do alegado exercício de
atividades rurais quando deflagrada a incapacidade laboral da parte autora apontada na perícia
judicial.
- Mantida a condenação da parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
advogado, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do
Código de Processo Civil, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do
mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação não provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002323-43.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: FRANCISCO FERREIRA DE LIMA
Advogado do(a) APELANTE: JEFFERSON FERNANDES NEGRI - SP162926-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002323-43.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: FRANCISCO FERREIRA DE LIMA
Advogado do(a) APELANTE: JEFFERSON FERNANDES NEGRI - SP162926-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interpostaem face da sentençaque julgou improcedente o pedido de
benefício rural por incapacidade laboral (aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença).
A parte autora sustenta possuir os requisitos legais para a concessão dos benefícios e requer a
reforma integral do julgado.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
Manifestou-se a Procuradoria Regional da República pelo desprovimento do recurso.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002323-43.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: FRANCISCO FERREIRA DE LIMA
Advogado do(a) APELANTE: JEFFERSON FERNANDES NEGRI - SP162926-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício ruralpor incapacidade.
A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da
Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), com a
redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998, que tem o seguinte teor:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e
idade avançada (...)”.
Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da
CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.
A aposentadoria por invalidez, segundo a dicção do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, é devida ao
segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o
trabalho, de forma omniprofissional, e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade
que lhe garanta a subsistência.
O auxílio-doença é devido a quem ficar temporariamente incapacitado, à luz do disposto no artigo
59 da mesma lei, mas a incapacidade se refere "não para quaisquer atividades laborativas, mas
para aquela exercida pelo segurado (sua atividade habitual)" (Direito da Seguridade Social,
Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005,
p. 128).
Assim, o evento determinante para a concessão desses benefícios é a incapacidade para o
trabalho.
São requisitos para a concessão desses benefícios: a qualidade de segurado, a carência de doze
contribuições mensais, quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e
insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (
aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-doença), bem como a
demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime
Geral da Previdência Social.
Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as
condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez ou de
auxílio-doença. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n.
8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza,
ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).
O reconhecimento da incapacidade, total ou parcial, depende da realização de perícia médica,
por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil (CPC).Contudo, o juiz
não está adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos
pessoais, profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos
autos.
Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) são pertinentes a esse tema.
Súmula 33 da TNU: “Quando o segurado houver preenchido os requisitos legais para a
concessão da aposentadoria por tempo de serviço na data do requerimento administrativo, esta
data será o termo inicial da concessão do benefício”.
Súmula 47 da TNU: Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve
analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por
invalidez.
Súmula 53 da TNU: Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a
incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de
Previdência Social.
Súmula 77 da TNU: O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando
não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual.
Noutro passo, para os trabalhadores rurais segurados especiais, a legislação prevê o pagamento
de alguns benefícios não contributivos, no valor de um salário mínimo (artigo 39, I, da Lei
n.8.213/1991).
Depois da edição da Lei n. 8.213/1991, a situação do rurícola modificou-se, pois passou a integrar
sistema único, com os mesmos direitos e obrigações dos trabalhadores urbanos, tornando-se
segurado obrigatório da Previdência Social.
A partir do advento da CF/1988, não mais há distinção entre trabalhadores urbanos e rurais
(artigos 5º, caput, e 7º, da CF/1988), cujos critérios de concessão e cálculo de benefícios
previdenciários regem-se pelas mesmas regras.
Assim, a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença para os
trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência
do egrégio Superior Tribunal de Justiça e nesta Corte: STJ/ 5ª Turma, Processo 200100465498,
rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 22/10/2001; STJ/5ª Turma, Processo 200200203194, rel.
Min. Laurita Vaz, DJ 28/4/2003; TRF-3ª Região/ 9ª Turma, Processo 20050399001950-7, rel.
juíza Marisa Santos, DJ 10/10/2005; TRF-3ª Região/ 8ª Turma, Processo 200403990027081, rel.
juiz Newton de Lucca, DJ 11/7/2007; TRF-3ª Região/ 10ª Turma, Processo 200503990450310,
rel. juíza Annamaria Pimentel, DJ 30/5/2007.
De acordo com a perícia médica judicialrealizada em 22/10/2017, o autor, nascido em 1963, está
total e permanentemente incapacitado para o trabalho, por ser portador de "Epilepsia (G40);
Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool (F10.5) e Degeneração do
Sistema Nervoso devido ao álcool (G31.2)".
O perito afirmou tratar-se de quadro de alienação mental, com demência severa, além de
convulsões imprevisíveis. Eleesclareceu:
"O Requerente é portador de um quadro de Epilepsia, desde os 7 anos de idade.
Submete-se regularmente, desde então, a controles médicos especializados e a tratamentos com
drogas Anticonvulsivantes e Antiepiléticas. Faz uso das drogas que lhe são receitadas, mas
concomitantemente, ingeria álcool em quantidades consideráveis, pelo menos no período em que
viveu sem supervisão de sua irmã.
O Exame Físico Pericial Objetivo mostrou uma pessoa doente, depauperada, com estado geral
apenas regular, apresentando dificuldadespara andar. Seu psiquismo está muito prejudicado,
com déficit de memória e de atenção.
A Epilepsia do Requerente tem origem desconhecida, tendo ocorrido a primeira crise aos 15 anos
de idade.
O quadro apresentado pelo Requerente é irreversível, sendo imprevisível a ocorrência das crises
que se apresentam incidentes de forma aleatória, como ocorre em geral em tal quadro.
Por outro lado, o prognóstico do quadro é igualmente desconhecido, pois não há como prever
através de Exame Médico Clínico, bem como com subsídios através de Exames
Complementares, a incidência, frequência e intensidade ou gravidade das crises, que podem
trazer consequências variadas, dependendo da condição ou do local em que se encontra o
paciente durante o episódio. Pode haver, muitas vezes, ferimentos de face ou fraturas ósseas
pelas quedas que comumente ocorrem, bem como pelas convulsões, muitas vezes com
contusões, ferimentos, ou outras consequências imprevisíveis. No caso em estudo, ocorreu uma
fratura de fêmur.
Não há enquadramento específico do quadro apresentado, na Tabela Referencial da SUSEP
/DPVAT.
O Requerente é Inapto para o Trabalho. Portanto, há incapacidade funcional no presente caso.
O quadro clínico e as manifestações iniciais tiveram início aos 15 anos de idade.
As limitações funcionais e pessoais, tiveram início aos 37 anos de idade.
É necessário o acompanhamento de familiares, ou terceiros."
Resta verificar, entretanto, os demais requisitos para a concessão do benefícioquando deflagrada
a incapacidade apontada na perícia, ou seja, no ano de 2000, quando o autor tinha 37 (trinta e
sete anos) anos de idade.
Na petição inicial, o autoralega:
"O demandante desde tenra idade sempre prestou serviços na condição de rurícola, sem o
devido registro na carteira de trabalho para diversos proprietários rurais da região até quando os
problemas de saúde não permitissem mais.
Para maior clareza, esclarece os locais onde trabalhou: reside e trabalha no lote da irmã, lote 153
do Projeto de Assentamento Ranildo Silva, Mutun, desde o ano de 2007".
Como início de prova materialdo alegado trabalho rural, apresentou: (i) contrato de concessão de
uso, sob condição resolutiva, de lote de área comunitária doInstituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), no qual são beneficiários Francisca Ferreira Moraes e Francisco de
Assis Ferreira de Moraes; (ii) Cópia daInscrição no sistema de dados do Cadastro Nacional de
Informações Sociais (CNIS), com data de cadastramento em26/7/2005 e endereço em
"Acampamento Renascer".
Os dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS - ID 130892563) informam a
manutenção de vínculotrabalhistapor aproximadamente um ano, em 2007. Este é o único registro
existente relacionado à vinculação do autor ao sistema previdenciário.
Ocorre que o conjunto probatório dos autos demonstram que o autor somente foi residir com
suairmã em acampamento/assentamento no ano de 2001, ou seja, quando ele já estava total e
permanentemente incapacitado para o trabalho, sem condições de exercer atividades laborais.
As testemunhas Antonio Gonçalves e Atílio Pinto Instrandeclararam em juízo que
foramacampadospor volta do ano 2001 e que o autorresidia no mesmo acampamento junto om
sua irmã e cunhado, exercendo alguns trabalhos de diária na área rural.
Depois do período como assentados, a irmã do requerente ganhou um lote, e este manteve-se
morando com ela. No lote, o requerente e sua família plantavam mandioca e criavam alguns
animais.
Nesse passo, não há nada que comprove o exercício de atividades rurais do autor noperíodo
anterior ao ano de2001.
Assim, verifica-se queà época do início da incapacidade laboral o autor não detinha a qualidade
de segurado e que a incapacidade laborativa é preexistente à aquisição da qualidade de
segurado da parte requerente,sendo inviável, pois, a concessão do benefício.
Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em R$ 900,00 (novecentos reais), já majorados em razão da fase recursal,
conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma
do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RURAL POR INCAPACIDADE LABORAL. ATIVIDADE RURAL
SEM REGISTRO EM CARTEIRA NÃO COMPROVADA. CONJUNTO PROBATÓRIO
INSUFICIENTE. NÃO PREENCHIMENTO DOSREQUISITOS.
- São requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: a qualidade de segurado, a
carência de doze contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de
forma permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que
garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-
doença), bem como a demonstração de que o segurado não era portador da alegada
enfermidade ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
- Para os trabalhadores rurais segurados especiais, a legislação prevê o pagamento de alguns
benefícios não contributivos, no valor de um salário mínimo (artigo 39, I, da Lei n.8.213/1991).
Depois da edição da Lei n. 8.213/1991, a situação do rurícola modificou-se, pois passou a integrar
sistema único, com os mesmos direitos e obrigações dos trabalhadores urbanos, tornando-se
segurado obrigatório da Previdência Social. A partir do advento da CF/1988, não mais há
distinção entre trabalhadores urbanos e rurais (artigos 5º, caput, e 7º, da CF/1988), cujos critérios
de concessão e cálculo de benefícios previdenciários regem-se pelas mesmas regras.
- O conjunto probatório dos autos é insuficiente à demonstração do alegado exercício de
atividades rurais quando deflagrada a incapacidade laboral da parte autora apontada na perícia
judicial.
- Mantida a condenação da parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários de
advogado, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do
Código de Processo Civil, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do
mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
