Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5003197-28.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
23/07/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 27/07/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RURAL POR INCAPACIDADE LABORAL. SEGURADO
ESPECIAL. PROVA TESTEMUNHAL INDISPENSÁVEL. CERCEAMENTO DE DEFESA.
NULIDADE RECONHECIDA DE OFÍCIO. SENTENÇA ANULADA.
-São requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: a qualidade de segurado, a
carência de doze contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de
forma permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que
garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-
doença), bem como a demonstração de que o segurado não era portador da alegada
enfermidade ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
- Para os trabalhadores rurais segurados especiais, a legislação prevê o pagamento de alguns
benefícios não contributivos, no valor de um salário mínimo (artigo 39, I, da Lei n.8.213/1991).
Depois da edição da Lei n. 8.213/1991, a situação do rurícola modificou-se, pois passou a integrar
sistema único, com os mesmos direitos e obrigações dos trabalhadores urbanos, tornando-se
segurado obrigatório da Previdência Social. A partir do advento da CF/1988, não mais há
distinção entre trabalhadores urbanos e rurais (artigos 5º, caput, e 7º, da CF/1988), cujos critérios
de concessão e cálculo de benefícios previdenciários regem-se pelas mesmas regras.
- Nas ações em que se pleiteia a concessão de benefício previdenciário por incapacidadeem
decorrência do exercício de atividade rural sem anotações em carteira de trabalho,a realização de
prova testemunhal é imprescindível para se aferir a qualidade de segurado da parte autora.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Havendo necessidade de colheita de determinada prova, o Magistradodeve determinar, até
mesmo de ofício, a sua produção, em homenagem ao princípio da verdade real. Precedentes do
STJ.
- Cerceamento de defesa configurado. Sentença anuladapara a realização de prova testemunhal
e novo julgamento.
- Apelações das partes prejudicadas.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003197-28.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: DORILY MOREIRA
Advogado do(a) APELANTE: THIAGO LESCANO GUERRA - MS12848-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003197-28.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: DORILY MOREIRA
Advogado do(a) APELANTE: THIAGO LESCANO GUERRA - MS12848-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelações interpostas em face da sentença, não submetida a reexame necessário,
que julgou procedente o pedido de auxílio-doença, desde a data de início da incapacidade fixada
na perícia (10/6/2019), discriminados os consectários legais e antecipados os efeitos da tutela.
A parte autora requer a concessão de aposentadoria por invalidez, além da retroação do termo
inicial do benefício à data do requerimento administrativo.
A autarquia previdenciária, por sua vez,sustenta a perda da qualidade de segurado e exora a
reforma integral do julgado. Subsidiariamente,impugna o termo inicial do benefício, os critérios de
incidência da correção monetária e dos juros de mora, além dos honorários de advogado.
Prequestiona a matéria.
Semcontrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
A Procuradoria Regional da República da 3ª Região manifestou-se pelo provimento da apelação
da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003197-28.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: DORILY MOREIRA
Advogado do(a) APELANTE: THIAGO LESCANO GUERRA - MS12848-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício ruralpor incapacidade.
A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da
Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), com a
redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998, que tem o seguinte teor:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e
idade avançada (...)”.
Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da
CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.
A aposentadoria por invalidez, segundo a dicção do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, é devida ao
segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o
trabalho, de forma omniprofissional, e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade
que lhe garanta a subsistência.
O auxílio-doença é devido a quem ficar temporariamente incapacitado, à luz do disposto no artigo
59 da mesma lei, mas a incapacidade se refere "não para quaisquer atividades laborativas, mas
para aquela exercida pelo segurado (sua atividade habitual)" (Direito da Seguridade Social,
Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005,
p. 128).
Assim, o evento determinante para a concessão desses benefícios é a incapacidade para o
trabalho.
São requisitos para a concessão desses benefícios: a qualidade de segurado, a carência de doze
contribuições mensais, quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e
insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (
aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-doença), bem como a
demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime
Geral da Previdência Social.
Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as
condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez ou de
auxílio-doença. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n.
8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza,
ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).
O reconhecimento da incapacidade, total ou parcial, depende da realização de perícia médica,
por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil (CPC).Contudo, o juiz
não está adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos
pessoais, profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos
autos.
Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) são pertinentes a esse tema.
Súmula 33 da TNU: “Quando o segurado houver preenchido os requisitos legais para a
concessão da aposentadoria por tempo de serviço na data do requerimento administrativo, esta
data será o termo inicial da concessão do benefício”.
Súmula 47 da TNU: Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve
analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por
invalidez.
Súmula 53 da TNU: Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a
incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de
Previdência Social.
Súmula 77 da TNU: O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando
não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual.
Noutro passo, para os trabalhadores rurais segurados especiais, a legislação prevê o pagamento
de alguns benefícios não contributivos, no valor de um salário mínimo (artigo 39, I, da Lei
n.8.213/1991).
Depois da edição da Lei n. 8.213/1991, a situação do rurícola modificou-se, pois passou a integrar
sistema único, com os mesmos direitos e obrigações dos trabalhadores urbanos, tornando-se
segurado obrigatório da Previdência Social.
A partir do advento da CF/1988, não mais há distinção entre trabalhadores urbanos e rurais
(artigos 5º, caput, e 7º, da CF/1988), cujos critérios de concessão e cálculo de benefícios
previdenciários regem-se pelas mesmas regras.
Assim, a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença para os
trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência
do egrégio Superior Tribunal de Justiça e nesta Corte: STJ/ 5ª Turma, Processo 200100465498,
rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 22/10/2001; STJ/5ª Turma, Processo 200200203194, rel.
Min. Laurita Vaz, DJ 28/4/2003; TRF-3ª Região/ 9ª Turma, Processo 20050399001950-7, rel.
juíza Marisa Santos, DJ 10/10/2005; TRF-3ª Região/ 8ª Turma, Processo 200403990027081, rel.
juiz Newton de Lucca, DJ 11/7/2007; TRF-3ª Região/ 10ª Turma, Processo 200503990450310,
rel. juíza Annamaria Pimentel, DJ 30/5/2007.
No caso dos autos, a parte autora requer a concessão de benefício por incapacidade laboral
desde o requerimento administrativo apresentado em 22/5/2017.
Os dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) informam a manutenção de
vínculos trabalhistas urbanos de 21/2/2013 a 15/12/2013 e de 1/5/2014 a 30/11/2015.
Após a contestação do Instituto Nacional do Seguro Social, na qual foi alegada a perda da
qualidade de segurado, a autora apresentoucópia de "Certidão de Exercício Ruralda Fundação
Nacional do Índio - FUNAI", datadade 29/8/2019, declarando que a autora exerceu atividades
rurais, em regime de economia familiar, nos seguintes períodos: (i) 25/4/1993 a 14/1/2001; (ii)
15/5/2001 a 20/2/2013;(iii) 15/12/2013 a 30/4/2014; (iv) 1/12/2014 a 21/5/2019.
Nesse contexto, considerada que a pretensão da autora é a concessão de benefício
previdenciário por incapacidade em decorrência do exercício de atividade rural, a prova
testemunhal mostra-se imprescindível para o julgamento do feito, para aferição da qualidade de
segurado.
A teor do artigo 370 do CPC, "Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as
provas necessárias ao julgamento do mérito".
Nesse sentido, quanto à comprovação da atividade rural até o advento da incapacidade laboral,
os depoimentos testemunhais seriam imprescindíveis para corroborar os fatos relatados, devendo
o magistrado providenciar, inclusive de ofício, a produção da prova oral.
Desse modo, vulnerou-se o princípio da ampla defesa, esculpido no artigo 5º, inciso LV, da
Constituição Federal, que diz: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes".
Olvidou-se o Douto Magistrado a quo, sem dúvida, de que a sentença poderia vir a ser reformada
e outro poderia ser o entendimento, no tocante às provas, nas Instâncias Superiores.
Assim, descaberia proferir decisão sem a colheita da prova oral, por ser imprescindível para a
aferição dos fatos narrados na inicial.
Nesse passo, ainda que ao final da instrução a demanda possa afigurar-se improcedente, é
preciso, ao menos, dar oportunidade para a parte autora provar seus argumentos, sob pena de
serem infringidos os princípios do livre acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF) e devido processo
legal (art. 5º, LV), abrangente do contraditório e da ampla defesa.
Isso porque, muito embora o pedido tenha sido julgado parcialmente procedente, a decisão é
apenas aparentemente favorável à parte autora, já que sua mantença depende do cumprimento
das exigências contidas em dispositivos legais que disciplinam a concessão do benefício
almejado, não bastando mera afirmação de que o direito lhe assiste, dissociada dos elementos
contidos nos autos.
Em decorrência, por ter havido julgamento da ação sem a prova oral adequada e necessária à
análise da matéria de fato, é inequívoca a existência de prejuízo aos fins de justiça do processo e,
por consequência, evidente é a negativa de prestação jurisdicional e cerceamento à defesa de
direito.
Diante do exposto,reconheço, de ofício, a nulidade da sentença e determino oretorno dos autos à
Vara de Origem para produção de prova oral e prolação de nova sentença, restando
prejudicadaasapelações das partes.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RURAL POR INCAPACIDADE LABORAL. SEGURADO
ESPECIAL. PROVA TESTEMUNHAL INDISPENSÁVEL. CERCEAMENTO DE DEFESA.
NULIDADE RECONHECIDA DE OFÍCIO. SENTENÇA ANULADA.
-São requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: a qualidade de segurado, a
carência de doze contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de
forma permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que
garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-
doença), bem como a demonstração de que o segurado não era portador da alegada
enfermidade ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
- Para os trabalhadores rurais segurados especiais, a legislação prevê o pagamento de alguns
benefícios não contributivos, no valor de um salário mínimo (artigo 39, I, da Lei n.8.213/1991).
Depois da edição da Lei n. 8.213/1991, a situação do rurícola modificou-se, pois passou a integrar
sistema único, com os mesmos direitos e obrigações dos trabalhadores urbanos, tornando-se
segurado obrigatório da Previdência Social. A partir do advento da CF/1988, não mais há
distinção entre trabalhadores urbanos e rurais (artigos 5º, caput, e 7º, da CF/1988), cujos critérios
de concessão e cálculo de benefícios previdenciários regem-se pelas mesmas regras.
- Nas ações em que se pleiteia a concessão de benefício previdenciário por incapacidadeem
decorrência do exercício de atividade rural sem anotações em carteira de trabalho,a realização de
prova testemunhal é imprescindível para se aferir a qualidade de segurado da parte autora.
- Havendo necessidade de colheita de determinada prova, o Magistradodeve determinar, até
mesmo de ofício, a sua produção, em homenagem ao princípio da verdade real. Precedentes do
STJ.
- Cerceamento de defesa configurado. Sentença anuladapara a realização de prova testemunhal
e novo julgamento.
- Apelações das partes prejudicadas. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu anular, de ofício, a sentença, restando prejudicadas as apelações das
partes, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
